A sala da casa era simples.
Havia apenas dois sofás de dois lugares velhos e uma televisão perto da janela.
Pelo menos podia assistir.
De vez em quando, ouvia a televisão de Valdirene de casa, principalmente a novela. Não conhecia as pessoas, mas sabia reconhecer suas vozes.
O chão estava tão limpo, que dava até para ver o reflexo.
Uma mulher alta, corpo com curvas generosas se aproxima.
Ela lembrava Valdirene, mudando apenas a cor do cabelo num tom mais escuro que castanho– claro.
– É essa aí? – pergunta olhando para Lidiane e depois para mim.
Lidiane assenti.
– Maria, essa é minha tia Jô.
Sorrio, arrumando a alça da mochila no ombro.
– Prazer em conhecer a senhora.
– Espero que a Lidiane já tenha explicado tudo.
– Ela ainda não me disse nada não – digo olhando para Lidiane, que estava desconfortável ao meu lado – No que vou trabalhar? – pergunto para Jô.
– Não disse nada mesmo à ela? – Jô pergunta irritada para Lidiane.
– Não – diz sem olhar para ela.
Jô solta o ar dos pulmões bruscamente, colocando as mãos na cintura.
– Vai trabalhar como prostituta, querida.
Franzo o cenho confusa.
– Mas dona Valdirene não disse nada sobre isso não.
– Se ela dissesse, você e outras não estaria aqui.
– Não quero trabalhar com isso não – digo rapidamente – Ainda sou moça...
Ela ergue uma sobrancelha, sorrindo de canto.
Lidiane me olha arregalando um pouco os olhos.
– Melhor ainda. Vai valer mais.
– Eu não quero e não vou vender meu corpo! – digo o mais alto que posso, girando os calcanhares em direção da porta.
– Acha mesmo que vai simplesmente embora? – diz Jô entre dentes, antes de sentir seus dedos em meus cabelos e meu corpo ser puxado para trás – Não vai mesmo! – Ela me arrasta sobre o piso – Vai me pagar cada centavo que a trouxe até aqui. Toda a comida que comeu e toda bebida que bebeu!.
– Tia, solta ela! Você vai machucar ela! – diz Lidiane assustada.
Arranho e belisco o braço de Jô tentando me soltar.
Ela me solta, para me bater.
– Se não quer aprender por bem. Vai aprender por mal – Ela desfere um tapa no meu rosto, que o faz virar para o lado. Seguido por um murro e outro tapa.
Não conseguia chorar, só gritar para ela parar.
Inclinada sobre meu corpo, ela me segura pelo cabelo, me fazendo sentar e a olhar nos olhos.
Meu rosto estava ardendo e tinha quase certeza que tinha uma parte que havia algum corte.
– Você vai trabalhar para mim, até quando eu quiser. Até este dia, vai ser uma das minhas prostitutas e vai me dar lucro – diz entre dentes, antes de soltar meu cabelo.
Meu corpo tremia levemente, quando Lidiane se aproxima em passos silenciosos, depois que a tia se afasta.
Olho para ela com os olhos arregalados e com lágrimas molhando meu rosto.
– Não era pra minha mãe ter mandado você pra cá – diz baixo – Aqui não é lugar para você não, Maria.
– Por quê sua mãe mentiu para mim? – questiono em meio ao choro, abraçada as minhas pernas.
Lidiane pisca algumas vezes, evitando que alguma lágrima escapasse seu rosto.
– Minha mãe ganha por cada menina que ela manda pra cá.
Meus lábios tremem, quando lembro de minha mãe dizendo que não conhecia a maldade humana.
– Quero ir embora, Lidiane.
– Também queria que fosse embora. Mas não como. Não tenho dinheiro o suficiente para m****r você embora.
Só havia 100 reais na minha mochila. Só conseguiria chegar na rodoviária, não sabia nem quanto custava a passagem para o Ceará.
Baixo a cabeça chorando.
Lidiane se aproxima mais, estendendo a mão em minha direção.
– Vem.
Seguro sua mão, sentindo meu corpo reclamar ao levantar.
Ela amarra meu cabelo, passando ás mãos em meu rosto.
Em seguida, pega minha mochila e caminha em direção de uma escada oval.
Passamos pelo segundo andar, onde algumas meninas circulavam, fingindo não ter visto a cena de Jô. Ocupadas com uma espécie de limpeza.
Paramos no terceiro andar, sem ninguém por perto.
Há pelo menos seis portas no corredor.
Lidiane abre a quarta porta do lado direito, mostrando um cômodo um pouco espaçoso com duas beliches.
– É aqui que você vai dormir – Entro no quarto, notando duas cômodas uma do lado da outra e um guarda– roupa de duas portas – Também durmo aqui, naquela cama ali – Ela aponta a beliche do lado esquerdo – Pode dormir na cama de cima. Marcela dormia lá.
– E onde ela está?
Lidiane caminha até a beliche, tirando o lençol e a fronha do travesseiro, virando o colchão por último.
– Vou ver se encontro um lençol e uma fronha limpa, e um cobertor – diz andando até a porta – Essas duas gavetas de cima, ainda têm roupa da Marcela. Vou ver se arrumo uma caixa, pra colocar. Só não mexe nas coisas das outras meninas e nem no guarda roupa, as coisas da Kauane fica lá.
Ela sai, me deixando sozinha.
Abro a primeira gaveta da cômoda devagar. Um perfume levemente doce sai de seu interior, cujas roupas estavam bem dobradas. Roupas bonitas e aparentemente caras. Só havia visto algo parecido na feira. Como alguém ia embora e deixava aquelas roupas para trás?, questiono, ao desdobrar o que parecia ser um croped preto. Mainha nunca me deixará usar nada curto demais. Dizia que moça não se vestia daquele jeito. Até tentava discordar, achava bonito e não via mal algum em usar. Mas mainha sempre repetia que não queria uma filha perdida dentro de casa, que nós, éramos moças
– Não se mexe – diz Lidiane, algum tempo depois, passando um batom vermelho nos meus lábios. Estava me sentindo estranha em um vestido rosa– claro de bojo. Quase que não serviu e era justo demais.– O que você passou no seu cabelo? – questiona quando tenta arrumar. Dou de ombros.– Só lavei com água.– Não usou condicionador?– Nem shampoo – Lidiane para por um instante, me olhando, antes de voltar a tentar arrumar meu cabelo.– Você trouxe shampoo e condicionador? – pergunta baixo. Nego com a cabeça. Havia me acostumado em n&ati
– Maria – Lidiane chama, me sacudindo – Acorda. Tiro a coberta de cima da cabeça, olhando para Lidiane parada em frente da cama. Seus olhos se arregala um pouco ao se fixar em mim.– Caramba! – diz Katiane, se colocando nas costas de Lidiane – Bateram em você com vontade.– Melhor você levantar, se não quiser que a Jô arranque você daí – diz Kauane entrando no quarto, indo em direção do seu guarda– roupa. Lidiane faz um gesto com a cabeça para que levantasse. Obedeço, sentindo meu corpo doer de uma vez.– Vou comprar shampoo e...sabonete
Entro no último quarto vazio, ouvindo a porta se fechar.– É virgem mermo? – Gael pergunta. Inspiro profundamente assentindo, me virando para ele.– Responde – diz sério.– ...sim, senhor – digo com a voz trêmula. Ele dá um meio sorriso.– Não sou tão velho assim, pra me chamar de senhor. Me chama de Gael – diz com os olhos fixos em mim – Tá nervosa? Assinto novamente.– Tô.– Não vou fazer nada que não vá querer – Sustento seu olhar esperançosa.– ...posso ir então? &n
Acordo assustada, depois de ter dormido o que pareceu longas horas. Às camas estavam vazias e o dia já havia amanhecido, o que indicava claramente que estava atrasada, para o que fosse fazer naquele dia. Levanto ainda sonolenta, passando ás mãos no rosto antes de sair do quarto com minha escova de dente. Saindo do terceiro andar, noto algumas meninas limpando o segundo andar e outras limpando os demais cômodos. O café da manhã ainda estava sobre a mesa da cozinha, o que era mais uma vez estranho. Lidiane entra na cozinha com suas roupas sujas.– Por quê você não me acordou? – pergunto.&nb
Sentada nos pés da cama, encarava a porta, ansiosa para ver Gael entrar por ela. Ouço passos no corredor, que me faz arrumar a postura. A porta abre e não é exatamente Gael que para na minha frente.– Pelo jeito aqui não é o banheiro – O amigo de Gael ri, aparentemente bêbado – Ainda bem que não atrapalhei nenhuma foda – Ele leva a latinha de cerveja para a boca, tomando um gole, estendendo na minha direção – Bebe. Já bebi demais – pego a latinha hesitante, vendo ele deitar ao meu lado – Tu tá esperando alguém? Balanço a cabeça assentindo.– Estou – Encaro a latinha com a cerveja quase no
No dia seguinte, o que só se comentava na casa era o surto de Kauane e suspeitas de quem o havia rasgado. Não seria uma tarefa fácil descobrir, já que Kauane não se dava bem com muitas garotas e era mais odiada do que amada. Sentada no sofá perto da televisão, assistia a novela, notando algumas delas entrando e saindo da casa.– Maria – diz Jô do outro lado do cômodo, a olho no mesmo instante – Vem aqui – Meu coração acelera rapidamente, a medida que levanto e me aproximo dela, a seguindo até seu quarto que, por sinal era bem arrumado. Ela fecha a porta, pegando um celular em cima da cama.– Vou deixar você falar com sua m&at
Já estava no quarto pronta para dormir, quando Lidiane entra.– Já vai dormir?– Tô cansada de ficar sentada na sala.– Vamos sair? Olho para ela no mesmo instante.– Sair?– É. Tá tendo um baile aqui na favela – Ela nota minha expressão confusa e continua – É umas festa com muita gente. Meus olhos vagam pelo chão, avaliando a possibilidade de ir.– E a Jô vai...deixar? Ela dá de ombros.– Você não tem cliente e eu já terminei por hoje. Sorrio.–