Permaneço dentro do carro sem conseguir girar a chave na ignição. Lembrando detalhadamente de Marco e a ameaça de Gael.
Tentando lembrar quando minha vida se tornou tão confusa.
O nome de Lidiane aparece, quando meu celular toca.
Soltando o ar dos pulmões, pego o aparelho sem muita vontade de falar com ela.
- Aonde você tá? – pergunta irritada do outro lado da linha – Saiu daqui de manhã, até agora!
- Gael vai me matar – digo sem rodeios e sem alarde.
Ela bufa, sem dar muita importância, voltando para sua irritação costumeira.
- Sei disso desde do momento que pegou a favela pra você. Não, pera aí... – Ela solta o ar dos pulmões – Para ser sincera, seu disso desde que começou a se envolv
Reprimo um grito quando uma contração me atinge em cheio.Puta que pariu! Não sabia que doía tanto. Não tinha ideia.Com certeza era pior do que levar um tiro. Havia visto em algum lugar, que a dor de parir era a segunda pior for do mundo, perdendo apenas em ser queimado vivo.Segundo pesquisas, o corpo humano consegue aguentar aproximadamente 47 dels. Partindo disso, para se ter um meio de comparação, estabeleceu-se que o parto causa 57 dels de dor, o equivalente a sentir 20 ossos sendo quebrados de uma só vez.Estava sendo quebrada de dentro para fora, tudo isso por quê um bebê queria nascer.Continuo andando ignorando a dor, sentindo passar, deixando para trás vestígios pelo meu corpo.Tiro as correntes de um barracão sem me importar de olhar para os do
Meses antes Apesar de entender os riscos da vida que levo, nunca me imaginei indo em um presídio. Poderia ser eu presa? Não. Não sou burra o bastante para deixarem me pegar. Já fui um dia, hoje não sou mais. Era humilhante ficar em uma fila por mais de uma hora, em baixo do sol ou da chuva, para ter alguns minutos na visita. É domingo, dia de visita no Presídio Federal do Rio de Janeiro. Mães, esposas, filhas...esperam para entrar aos poucos na construção gélida.&
Já sentiu fome? Não aquela fome de vontade de comer alguma coisa. Mas fome mesmo? Eu já. E posso lhe dizer, que fome dói. Sou a irmã mais velha de sete irmãos. Praticamente criei todos, desde pequena, já que minha mãe precisava trabalhar e alguém precisava cuidar dos meus irmãos. Minha mãe trabalha na roça, em baixo de um sol com sensação térmica de 40 graus. Depois de arrumar meus irmãos e os alimentar com o pouco que tínhamos em casa, os colocava no ônibus da esco
Geralmente quando levantava, às cinco da manhã, dona Judith já estava varrendo o terreiro. Ascendo o fogão de lenha, colocando água para ferver, para só então ir escovar os dentes. No horizonte, o sol nascia aos poucos, iluminando tudo a sua frente com sua cor forte. Prendo meu cabelo num coque, pegando a bacia com os pratos para lavar.– Bom dia, Judith – diz Valdirene, nossa vizinha, ao pé da cerca.– Bom dia.– Bom dia, Maria – diz me olhando. Paro de lavar os pratos, agachada em frente a bacia, para olhar para a mulher branca, bem vestida e de pele sedosa. A pouco
Valdirene me fez vestir um vestido florido de Lidiane, alegando que a roupa que estava vestindo não era boa para viajar e tirou uma foto do meu rosto, para que soubessem quem eu era quando chegasse no Rio. Depois disso, um homem de moto chega e ela me manda subir na garupa, dizendo que ele me deixaria na rodoviária. O trajeto até a cidade é longo, aproximadamente meia hora em meio ao pó e as pedras que dificultavam o caminho. Na rodoviária, o homem vai até o único guichê, comprando uma passagem, me entregando logo em seguida com duzentos reais. Sem dizer nada, vai embora, sem olhar para trás.
Depois de comer metade dos salgados, dormi as horas seguintes, encolhida na poltrona por causa do frio, por não ter levado nenhuma coberta. Teria dormido melhor, se não fosse em cada parada que o ônibus fizesse, as pessoas não tivesse que descer e fizesse o maior barulheira ao fazer isso. Pouco tempo depois de amanhecer, acordo sentindo todo meu corpo dolorido. Uma placa verde adiante na estrada dizia que já estávamos próximos. Estava próxima do Rio de Janeiro. Finalmente. Pouco menos de uma hora depois, o ônibus para em uma rodoviária bem mais movimen
A sala da casa era simples. Havia apenas dois sofás de dois lugares velhos e uma televisão perto da janela. Pelo menos podia assistir. De vez em quando, ouvia a televisão de Valdirene de casa, principalmente a novela. Não conhecia as pessoas, mas sabia reconhecer suas vozes. O chão estava tão limpo, que dava até para ver o reflexo. Uma mulher alta, corpo com curvas generosas se aproxima. Ela lembrava Valdirene, mudando apenas a cor do cabelo num tom mais escuro que castanho– claro.– É essa aí? – pergunta olhando para Lidiane e depois para mim. Li
Abro a primeira gaveta da cômoda devagar. Um perfume levemente doce sai de seu interior, cujas roupas estavam bem dobradas. Roupas bonitas e aparentemente caras. Só havia visto algo parecido na feira. Como alguém ia embora e deixava aquelas roupas para trás?, questiono, ao desdobrar o que parecia ser um croped preto. Mainha nunca me deixará usar nada curto demais. Dizia que moça não se vestia daquele jeito. Até tentava discordar, achava bonito e não via mal algum em usar. Mas mainha sempre repetia que não queria uma filha perdida dentro de casa, que nós, éramos moças