Capítulo 2

   Geralmente quando levantava, às cinco da manhã, dona Judith já estava varrendo o terreiro.

     Ascendo o fogão de lenha, colocando água para ferver, para só então ir escovar os dentes.

     No horizonte, o sol nascia aos poucos, iluminando tudo a sua frente com sua cor forte.

     Prendo meu cabelo num coque, pegando a bacia com os pratos para lavar.

–  Bom dia, Judith – diz Valdirene, nossa vizinha, ao pé da cerca.

–  Bom dia.

–  Bom dia, Maria – diz me olhando.

       Paro de lavar os pratos, agachada em frente a bacia, para olhar para a mulher branca, bem vestida e de pele sedosa.

       A pouco tempo  havia reformado a casa, segundo ela com ajuda da filha que trabalhava no Rio de Janeiro.

       Não era casada, muito menos amigada. Toda semana víamos um homem diferente em sua casa.

–  Bom dia, dona Valdirene – digo voltando a lavar os pratos.

–  Já conseguiu emprego?

       Emprego ali, era como água no meio do sertão.

       Difícil.

       A maioria das pessoas da cidade mais próxima, queria alguém que trabalhasse de empregada doméstica e que dormisse no emprego.

      Não podia dormir no emprego. Minha mãe precisava de mim e o dinheiro não valia a pena.

      Sempre queriam pagar o mínimo possível, por bastante trabalho e responsabilidade.

–  Ainda não.

–  Lidiane disse que estão precisando de uma menina onde ela trabalha. Pensei em você – Ergo novamente o olhar, olhando para ela e depois para minha mãe que para de varrer – Lá ganha bem e você pode ajudar sua mãe.

–  O mundo lá fora é perigoso e Maria não conhece o mundo não – Minha mãe argumenta.

–  Se sempre pensasse dessa forma, comadre, nunca tinha deixado Lidiane sai de debaixo das minhas asas.

–  Lidiane é menina esperta – Minha mãe rebate – Maria ainda não conhece a maldade das pessoas.

–  Mainha – digo baixo.

–  Tô falando a verdade – Ela me olha – O que você conhece? O máximo que já foi sozinha, foi na cidade aqui perto. Fora isso, nunca saiu daqui – Ela volta a olhar para Valdirene – O melhor a se fazer, é ela tenta arrumar um emprego na cidade – Ela se afasta, entrando em casa.

        Lavo mais um prato, deixando de lado.

        Era uma boa oportunidade.

         Já havia aceitado que não encontraria nada melhor naquele lugar.

–  Queria ir – murmuro.

– E não tá errada não – diz Valdirene – Sua mãe que não tá analisando direito. Lidiane lá ganha muito dinheiro. Você viu que reformei minha casa, não foi? – Assinto – Então. Você também pode ganhar dinheiro lá e m****r dinheiro pra cá.

–  Minha mãe não vai deixar – Apesar de ter dezoito anos, me sentia com a idade de Maria Júlia.

–  Largue a mão de ser besta e converse com ela. Explique que vai ser bom pra vocês duas.

      No final das contas, Valdirene tinha razão.

      Minha mãe não podia me prender o resto da minha vida.

      Haveria uma hora, que iria ter que ir embora que, precisaria seguir com minha vida.

      Termino de lavar a louça, entrando com os pratos.

      Minha mãe misturava o pó de café a água fervendo.

–  Mainha.

–  O que foi, Maria? – diz sem me olhar.

–  Mainha, deixe eu ir.

        Ela me olha pasma.

–  Acha mesmo que irei deixar você ir para uma cidade onde não conhece ninguém? Se aventurar?

–  Aqui não tem nada pra mim.

–  Pode me ajudar na roça.

–  Até quando?! – Altero a voz irritada. Não aceitava aquele destino.

–  Até quando Deus permitir – Ela rebate no mesmo tom – Você nunca me deu trabalho. Não venha me dar agora.

      Deixo a bacia no chão, olhando dentro de seus olhos.

–   Vou com sua bênção ou sem.

      Sua expressão se torna incrédula.

      Sabia que uma das piores palavras a serem ditas, éram àquelas e para minha mãe eram as mais dolorosas, já que nos criará com tanto sacrifício.

–  Que vá então. Mas toda vez que se lembrar de mim, ande mais pra frente  – diz antes de dar as costas para mim e ir para o quarto.

       Parada no meio da cozinha, com apenas o fogão de lenha, me senti dividida. Entre ir e conseguir realizar meus sonhos e ficar, e seguir o que minha mãe queria.

       Saio de casa com destino a casa de Valdirene.

–  Dona Valdirene – Chamo no portão de palete.

        Ela parece na porta da sala.

–  Entre – Obedeço – Falou com sua mãe?

–  Falei sim.

–  Ela deixou?

       Engulo em seco assentindo.

–  Deixou. Só não tenho dinheiro para pagar a passagem.

       Ela sorri, afagando meu ombro.

–  Se preocupe com isso não. Arrumo o dinheiro.

–  Arruma? – pergunto surpresa, a vendo se mover na sala bem arrumada e cheirosa.

–  Tem um ônibus que sai hoje daqui pro Rio. Você vai nele.

–  Mais já?

–  Pra quê perder tempo? – Ela me olha – Se quiser que outra pessoa tome seu lugar, deixe pra ir depois.

–  Não. Não. Não – digo rapidamente, sem querer deixar aquela oportunidade escorrer entre meus dedos.

–  Então vá arrumar suas coisas. Não precisa levar muita roupa não, lá eles dão. Pegue seus documentos.

     Assinto, deixando a casa correndo.

      Pego uma mochila velha em baixo das cama, tirando algumas coisas que havia dentro.

–  Onde você vai? – Maria Júlia pergunta, parando de limpar a casa.

       Ergo a cabeça sorrindo.

–  Vou trabalhar no Rio de Janeiro.

–  E a mãe?

–  Você ajuda ela. Só é fazer o que eu faço.

–  Não sei trabalhar na roça não, Maria – argumenta assustada.

–  Você aprendi. Eu aprendi com a idade da Maria Luíza.

       Ela balança a cabeça nervosa.

–  Não é justo você ir embora e a gente ficar para trás.

       Pego poucas peças de roupa, colocando na mala. Não era as melhores, mas serviria até comprar umas boas.

–  Não tô deixando vocês não, Maria Júlia. Quero poder ajudar a mãe de outra forma.

–  Você quer é se livrar da gente – diz dando as costas.

     Por último pego meu RG. Era o único documento que tinha além da certidão de nascimento.

      Saio do quarto, parando na porta do quarto de minha mãe, a encontrando arrumando os caçula.

–  Mãe – Chamo sem conseguir atrair seu olhar – Valdirene disse que tem um ônibus que vai sair hoje daqui. Vou nele – Ela continua me ignorando – Eu já vou, mãe – digo baixo, numa última tentativa.

       Dona Judith não me olha.

       Baixo minha cabeça, saindo de casa.

       Não me despeço dos meus irmãos.

       Odiava despedidas e sabia que se fizesse, perderia a coragem a acabaria ficando e eu não podia ficar.

 

Leia este capítulo gratuitamente no aplicativo >

Capítulos relacionados

Último capítulo