Kevin
Estou no piloto automático. Minhas mãos firmes no volante, os olhos fixos na estrada, mas a mente distante, presa em lembranças que nunca realmente partiram. A cidade lá fora parecia viva, iluminada pelas luzes da noite, mas dentro de mim, tudo estava envolto em uma escuridão que só eu conhecia.
Chego à boate e o som ensurdecedor da música me atinge como uma onda, me puxando de volta para o presente. Estaciono o carro e saio, sentindo o frio da noite contra minha pele quente. Lá dentro, Davis me espera com aquele sorriso animado de sempre, pronto para mais uma noite de excessos e sexo. Mas, por mais que eu tente, não consigo me sentir animado. Na verdade, não consigo sentir nada.
A boate estava cheia, as luzes pulsavam na batida da música que tocava, o cheiro de álcool se misturava com perfume caro. Mulheres lançam olhares, algumas se aproximam, tocam meu braço, sorriem com promessas silenciosas de uma noite sem compromisso. Elas são lindas, cada uma delas. Mas são apenas rostos, corpos que me atraem por alguns segundos e depois desaparecem, como sombras no escuro.
Davis chega até mim com dois copos na mão, me entregando um.
— Aqui, irmão. Hoje é para esquecer o mundo. — Ele grita sobre a música, batendo o copo contra o meu.
Sorrio pensando ser exatamente o que quero fazer, mas não esquecer o mundo, e sim Hanna. Bebo o líquido âmbar de uma vez, sentindo-o descer queimando pela garganta.
“Esquecer. Se fosse tão fácil assim.” — Penso enquanto peço mais uma dose.
— E aí, cara, fiquei sabendo que fugiu de Ashley de novo. — Ele diz rindo.
— Nem me fala, não sei mais como fugir dela, o pior é meu pai.
Enquanto a noite avança, a bebida ajuda a entorpecer os pensamentos, mas nem o álcool consegue apagar completamente as memórias de Hanna. Seus olhos azuis, seu sorriso... a maneira como ela me olhava, como se eu fosse tudo o que ela precisava. Por que ela foi embora? Por que me deixou sem nenhuma explicação? Essas perguntas nunca me abandonaram, e sei que provavelmente jamais serão respondidas.
Meus olhos vagam pelo lugar, tentando encontrar algo que me distraia, que me tire dessa espiral de pensamentos. É quando vejo uma mulher do outro lado do bar. Algo nela me faz parar. Ela não é como as outras, não é como as mulheres que passam a noite inteira se exibindo, buscando atenção. Ela parece distante, como se estivesse aqui, mas sua mente parece estar em outro lugar, assim como a minha.
Nossos olhares se encontram por um momento, e por algum motivo que não consigo explicar, sinto uma pontada no peito. De repente, a sensação de controle que eu tinha sobre meus sentimentos, sobre meu isolamento, começa a escorregar pelos meus dedos.
Davis se aproxima novamente, animado e já alterado pela bebida.
— Kevin, vem cá! As garotas querem conhecer você. — Ele ri, puxando meu braço.
Eu o sigo, mas minha mente permanece naquele olhar distante, naquela mulher que me parecia tão familiar. Algo nela, o jeito que ela me olhou, me fez sentir vulnerável de novo, como se estivesse abrindo velhas feridas que eu achava terem cicatrizado. O que isso significa? Talvez nada… ou será que poderia ser? Não pode ser... Hanna? Meu coração dispara, e uma sensação que não consigo nomear toma conta de mim. Largo o braço de Davis abruptamente e volto alguns passos, os olhos fixos no lugar onde ela estava.
Mas ela já não está mais lá.
O pânico começa a crescer em meu peito e eu começo a varrer o local com os olhos, desesperado, como se estivesse procurando um fantasma. Será que era ela? A possibilidade me consome. Olho ao redor, mas não consigo vê-la em meio à multidão, às luzes piscantes, à fumaça densa. Minha respiração fica mais pesada, e uma voz na minha cabeça começa a gritar que talvez, só talvez, eu tenha acabado de ver Hanna, a mulher que destruiu tudo em mim.
Será que minha mente está pregando peças? Ou será que ela realmente estava aqui? Essa dúvida começa a me corroer por dentro, a mesma dúvida que me atormenta desde o dia em que ela desapareceu da minha vida sem deixar rastro.
HannaOi, meu nome é Hanna Roux. Às vezes me pergunto o que o destino tem reservado para mim, mas ele nunca me respondeu. De qualquer forma, sigo minha vida jogada a sorte do destino.Contarei um pouquinho sobre mim.Quando tinha dezessete anos, eu e minha família fomos obrigados a mudar de Rivermont. Nos mudamos no meio da madrugada para Velmonth, fica a oito horas de distância da nossa antiga residência.Essa mudança fez com que eu perdesse minha bolsa de estudo que tanto lutei para conquistar, no início foi difícil, pois meus pais não tinham empregos, então eu e minha irmã Hazel tivemos que ajudar.Arrumei um emprego de babá em uma mansão da cidade, minha irmã foi trabalhar em uma lanchonete local, meu pai de auxiliar em obras e minha mãe de faxineira.Nessa época eu estava devastada, mais magra que o habitual, mas isso não impediu que acontecesse o pior dia da minha vida, o que mudou tudo drasticamente, tanto no psicológico quanto no que vivo hoje. Esse evento me trouxe o maior te
Hanna— Foram tantos anos que achei que você não se lembrava de mim. — Digo ainda sem jeito.— Nunca me esqueci de você. — Ele diz sério, sem hesitar.Não sei o que dizer, começo a procurar pela senhora Sonderman, ele segura meu queixo e me obriga a encará-lo.Aqueles olhos cor de mel continuam lindos, seus cabelos agora mais curtos o deixam com cara de homem, com esse rosto quadrado que o deixa mais lindo, ele está mais lindo que antes… Seu corpo parece ser esculpido pelos deuses do Olímpio, é surreal como aquele garoto magro se tornou nesta montanha de músculo.Sinto as borboletas adormecidas do meu estômago se agitarem como se reconhecessem ele, reconhecessem seu toque.— Você se esqueceu de mim, Hanna? — Ele pergunta, olhando em meus olhos, sinto um arrepio subir pela minha espinha.— Não tem como esquecer o primeiro amor! — Digo tão baixo que sai como um sussurro.Ele estala a língua, como se não acreditasse em mim.— Por que fez isso? — Questiono um pouco irritada.Ele me olha c
Hanna— Finalmente te encontrei. — Diz minha irmã, vindo ao meu encontro. — O que aconteceu?Hazel me tira do meu transe do passado.— Nada, Hazel, vamos, desculpe, eu precisava respirar.— Tem certeza? Você estava chorando! — Ela insiste.— Estou bem, Hazel! — digo um pouco ríspida.— Ok, Ok! Não precisa ser grossa.No caminho de volta para a cozinha, não olho para os lados, apenas foco no meu caminho, até que sinto uma mão segurar em meu braço, sinto como um choque, sabia que era ele sem nem ao menos olhar.— Hanna, podemos conversar?Sem olhar para ele, respondo, tentando ser o mais educada possível para que Hazel não perceba.— Desculpe, estou trabalhando agora e não posso conversar, com licença, senhor.— Não me chame de senhor, não sou velho e já tenho intimidade suficiente para dizer meu nome. — Interrompo-o antes que diga seu nome.Olhando para ele, digo:— Nunca fomos íntimos, foi algo passageiro que passou, tenha uma boa noite, senhor!Não dou brecha para ele falar, sigo par
KevinAlguns dias se passaram, e eu ainda não conseguia tirar a mulher da boate da minha cabeça. Havia uma pergunta que me atormentava sem parar: seria mesmo a Hanna?Estava absorto em meus pensamentos quando meu pai entrou na minha sala abruptamente, a porta batendo contra a parede com força.— Não quero mais desculpas, vou acertar o seu noivado com Ashley — ele disse, a voz firme e grave, carregada de autoridade.— Já falei que não vou me casar com ela! — retruquei, no mesmo tom impaciente.Ele me lançou um olhar cortante, inabalável.— Ou você se casa com Ashley Caspian, ou dá adeus ao cargo de diretor.Minha raiva cresceu no mesmo instante. Dei um soco na mesa, o som ecoando pela sala.— Isso é um absurdo, pai!— Absurdo é você aparecer toda semana nas capas das revistas de fofoca, bêbado e acompanhado daquelas mulheres que só querem o meu dinheiro!Minha respiração estava acelerada. Eu já estava farto daquela pressão.— Eu não vou me casar nem com Ashley, nem com ninguém.Ele deu
KevinEu detesto esse tipo de evento, onde os “poderosos” se exibem em uma competição de quem doa mais. Claro, para as instituições é ótimo, mas, se essas pessoas tivessem um mínimo de consciência, não precisariam de um evento para fazer caridade. Eu, por exemplo, contribuo mensalmente para cinco instituições, sem precisar de holofotes. A verdade é que só estou aqui para evitar mais uma briga com meu pai. Cumprimento algumas pessoas, troco palavras com outras, mas minha verdadeira missão da noite é evitar o Dylan. Ele sempre foi um babaca machista, do tipo que humilha qualquer um que não pertence ao seu círculo social. Infelizmente, não fui rápido o suficiente para escapar.Dylan me avistou antes que eu pudesse dar meia-volta e desaparecer na multidão. Seu sorriso presunçoso me atingiu como um soco. Ele se aproximou com passos largos e aquele ar de superioridade que sempre me irritou.— Kevin Stewarth! Quanto tempo, amigo! — Ele estendeu a mão, forçando um aperto de mão que eu não
Lembranças do Kevin— Sua gata não veio hoje? — Davis pergunta ao se aproximar de mim.— Estou tentando ligar para ela, mas não consigo, só dá caixa postal.— Desencana, ela deve ter perdido a hora. Logo ela aparece. Vamos, o sinal já tocou.Vou para a sala, ainda olhando para trás com a esperança de vê-la chegando. Envio mais uma mensagem, mas, como as outras, não chega no celular dela.Estou com uma sensação ruim desde que acordei hoje. “Que não seja nada.”Na hora do intervalo, também não a vejo. Decido perguntar às meninas se elas sabem de algo.— Oi, Emy, sabe da Hanna?— Não. Eu tentei ligar, mas só deu caixa postal, — ela responde com o celular na mão.— Também tentei, e nada — diz Ava, com olhar preocupado.Minha preocupação aumenta. Saio no intervalo e vou até a casa dela. Já a levei para casa algumas vezes, mas nunca entrei.Bato algumas vezes na porta, até que uma vizinha aparece e diz:— Moço, não mora mais ninguém aí, não. Eles foram embora de madrugada. Um carrão preto e
KevinQuando entro na cozinha, vejo Hanna desmaiada nos braços de uma mulher. Sem pensar duas vezes, corro para junto delas. No caminho, ouço uma discussão acalorada.— Não chega perto da minha irmã, seu filho da puta desgraçado! — uma mulher muito parecida com Hanna grita para Dylan.— Eu só quero ajudar! — Dylan tenta acalmá-la.A mulher começa a gritar e xingar descontrolada, podia sentir a raiva que ela sentia, assim como dava para ver o quanto ela amava e protegia sua irmã em seus braços. Com a voz firme e olhar mortal ela disse a Dylan:— Dê mais um passo, e você é um homem morto. Não estou nem aí se vou para a cadeia, vou até feliz por tirar um lixo humano como você do mundo. Repito, você não encosta um dedo nela!— Posso? — pergunto à mulher. Só então ela percebe minha presença.— Por favor — ela responde, olhando para Hanna com preocupação.— Já ligaram para o resgate? — pergunto preocupado.— Sim, eles estão a caminho — responde uma mulher próxima ao balcão onde estamos.— S
Kevin— Ah, eu sei sim. Eu estava lá. — A irmã de Hanna se perde em seus pensamentos e depois começa a falar: — Hanna estava com você. Ela havia me avisado. Meus pais perguntaram se eu conhecia o namorado dela quando alguém bateu na porta. Atendi e vi um homem de terno de primeira, inteiramente preto, com um semblante sério. — “Quero falar com o dono da residência, se é que isso pode ser chamado de casa.” — Fiquei furiosa. Quem ele pensa que é para falar assim da minha casa? — Ela fecha as mãos tão forte que os nós dos dedos ficam brancos. — Tentei fechar a porta na cara dele, mas o embuti colocou seu sapato preto luxuoso e brilhante na porta, impedindo que eu fechasse. Ele entrou e encarou meu pai, dizendo: “Hudson, tenho uma proposta para você”. Meu pai o encarou de volta, sem saber quem ele era e que merda de proposta estava falando.Ela parou de falar, respirou fundo. Permaneci em silêncio, observando cada detalhe que seu corpo expressava. Aquela conversa precisava ser dita,