Hanna
— Finalmente te encontrei. — Diz minha irmã, vindo ao meu encontro. — O que aconteceu?
Hazel me tira do meu transe do passado.
— Nada, Hazel, vamos, desculpe, eu precisava respirar.
— Tem certeza? Você estava chorando! — Ela insiste.
— Estou bem, Hazel! — digo um pouco ríspida.
— Ok, Ok! Não precisa ser grossa.
No caminho de volta para a cozinha, não olho para os lados, apenas foco no meu caminho, até que sinto uma mão segurar em meu braço, sinto como um choque, sabia que era ele sem nem ao menos olhar.
— Hanna, podemos conversar?
Sem olhar para ele, respondo, tentando ser o mais educada possível para que Hazel não perceba.
— Desculpe, estou trabalhando agora e não posso conversar, com licença, senhor.
— Não me chame de senhor, não sou velho e já tenho intimidade suficiente para dizer meu nome. — Interrompo-o antes que diga seu nome.
Olhando para ele, digo:
— Nunca fomos íntimos, foi algo passageiro que passou, tenha uma boa noite, senhor!
Não dou brecha para ele falar, sigo para a cozinha sem olhar para trás, mas com os olhos de Hazel fixos em mim, desconfiada. Kevin era uma pessoa pública e com certeza ela o reconheceu. Coloco a máscara que há muito estava esquecida e entro na cozinha, me perdendo no trabalho, ignorando os questionamentos da Hazel e todos os olhares curiosos.
Quase no final da festa, já estava organizando as coisas, de costas para a entrada da cozinha. Tentava não pensar no reencontro com Kevin, quando uma voz grossa fala.
— Desculpe incomodar, mas minha esposa está grávida e ela amou seus canapés, teria mais alguns para ela?
“Aquela voz… aquela voz que me atormenta até hoje!”
Não consigo responder, sinto meu corpo começar a tremer, lágrimas começam a se formar nos meus olhos, mas eu não consigo deixá-las cair. Minha respiração acelera e, de repente, parece que o ar some. O som ao meu redor vai ficando distante, como se estivesse submersa em algum lugar escuro e profundo.
“Eu estava novamente naquele maldito quarto de empregadas, estava me debatendo, implorando para que ele não me tocasse…”
Meu corpo não responde, minhas pernas ficam moles e meu coração dispara no peito, cada batida mais forte que a outra, ecoando nos meus ouvidos.
— Hanna? — Hazel percebe meu estado, mas sua voz soa distante. Vejo seus lábios se movendo, mas não consigo entender o que ela está dizendo. O ambiente ao redor gira, como se tudo estivesse desmoronando sobre mim.
Preciso sair daqui. Preciso sair agora!
Agarro a borda da mesa, tentando manter o controle, mas minha visão embaça. Não posso deixar que ele me veja assim, não posso…
O som da voz dele ainda ressoa na minha mente, trazendo de volta as memórias que tentei enterrar.
“ — Não se preocupe, prometo que vai gostar!”
Sinto vontade de vomitar, a bile sobe a todo momento… Ele está aqui, tão perto, e eu me sinto novamente presa, impotente. Tudo o que aconteceu, todos aqueles momentos de terror, voltam com força total.
— Hanna, respira, por favor! — Hazel me sacode levemente, mas não adianta. O pânico me consome, e eu me sinto como aquela garota de anos atrás, sem controle, sem saída.
Fecho os olhos tentando me recuperar, e o sorriso dele aparece em minha mente, sinto seu aperto em meu corpo, enquanto sorria, repetindo o quanto eu ia gostar, o quanto eu era gostosa.
Sinto minha garganta fechar, não consigo respirar…
— Eu… não consigo… fo… foi e… ele… Hazel. — As palavras saem entrecortadas, como se houvesse um nó na minha garganta. Meus pulmões queimam de tanto quando tento puxar ar.
Hazel me puxa para um canto mais afastado da cozinha, longe dos olhares curiosos. — Você está segura, está tudo bem. Ele não pode te machucar. — A voz dela é suave, tentando me ancorar na realidade, mas meu corpo não para de tremer. As lembranças são fortes demais, sufocantes.
Sinto a presença de alguém mais se aproximando, mas não tenho coragem de olhar. Hazel segura minhas mãos, tentando me manter firme no presente.
— Hanna, estou aqui. Olha para mim. — Ela continua, insistindo.
Eu tento, tento com todas as forças, mas a sensação de estar presa no passado ainda domina.
— SAIA DAQUI, seu monstro. — Hazel grita.
Ao longe, o escuto dizer.
— Do que está falando, nem sabe quem eu sou! — Ele diz com sua arrogância de sempre.
— Você é o filho da puta que… Hanna! Hanna! Ajuda, por favor, ajuda… VOCÊ NÃO! SAIA DAQUI SEU DESGRA…
Não ouvi mais nada, me entreguei à escuridão, senti meu corpo e mente leve.
KevinAlguns dias se passaram, e eu ainda não conseguia tirar a mulher da boate da minha cabeça. Havia uma pergunta que me atormentava sem parar: seria mesmo a Hanna?Estava absorto em meus pensamentos quando meu pai entrou na minha sala abruptamente, a porta batendo contra a parede com força.— Não quero mais desculpas, vou acertar o seu noivado com Ashley — ele disse, a voz firme e grave, carregada de autoridade.— Já falei que não vou me casar com ela! — retruquei, no mesmo tom impaciente.Ele me lançou um olhar cortante, inabalável.— Ou você se casa com Ashley Caspian, ou dá adeus ao cargo de diretor.Minha raiva cresceu no mesmo instante. Dei um soco na mesa, o som ecoando pela sala.— Isso é um absurdo, pai!— Absurdo é você aparecer toda semana nas capas das revistas de fofoca, bêbado e acompanhado daquelas mulheres que só querem o meu dinheiro!Minha respiração estava acelerada. Eu já estava farto daquela pressão.— Eu não vou me casar nem com Ashley, nem com ninguém.Ele deu
KevinEu detesto esse tipo de evento, onde os “poderosos” se exibem em uma competição de quem doa mais. Claro, para as instituições é ótimo, mas, se essas pessoas tivessem um mínimo de consciência, não precisariam de um evento para fazer caridade. Eu, por exemplo, contribuo mensalmente para cinco instituições, sem precisar de holofotes. A verdade é que só estou aqui para evitar mais uma briga com meu pai. Cumprimento algumas pessoas, troco palavras com outras, mas minha verdadeira missão da noite é evitar o Dylan. Ele sempre foi um babaca machista, do tipo que humilha qualquer um que não pertence ao seu círculo social. Infelizmente, não fui rápido o suficiente para escapar.Dylan me avistou antes que eu pudesse dar meia-volta e desaparecer na multidão. Seu sorriso presunçoso me atingiu como um soco. Ele se aproximou com passos largos e aquele ar de superioridade que sempre me irritou.— Kevin Stewarth! Quanto tempo, amigo! — Ele estendeu a mão, forçando um aperto de mão que eu não
Lembranças do Kevin— Sua gata não veio hoje? — Davis pergunta ao se aproximar de mim.— Estou tentando ligar para ela, mas não consigo, só dá caixa postal.— Desencana, ela deve ter perdido a hora. Logo ela aparece. Vamos, o sinal já tocou.Vou para a sala, ainda olhando para trás com a esperança de vê-la chegando. Envio mais uma mensagem, mas, como as outras, não chega no celular dela.Estou com uma sensação ruim desde que acordei hoje. “Que não seja nada.”Na hora do intervalo, também não a vejo. Decido perguntar às meninas se elas sabem de algo.— Oi, Emy, sabe da Hanna?— Não. Eu tentei ligar, mas só deu caixa postal, — ela responde com o celular na mão.— Também tentei, e nada — diz Ava, com olhar preocupado.Minha preocupação aumenta. Saio no intervalo e vou até a casa dela. Já a levei para casa algumas vezes, mas nunca entrei.Bato algumas vezes na porta, até que uma vizinha aparece e diz:— Moço, não mora mais ninguém aí, não. Eles foram embora de madrugada. Um carrão preto e
KevinQuando entro na cozinha, vejo Hanna desmaiada nos braços de uma mulher. Sem pensar duas vezes, corro para junto delas. No caminho, ouço uma discussão acalorada.— Não chega perto da minha irmã, seu filho da puta desgraçado! — uma mulher muito parecida com Hanna grita para Dylan.— Eu só quero ajudar! — Dylan tenta acalmá-la.A mulher começa a gritar e xingar descontrolada, podia sentir a raiva que ela sentia, assim como dava para ver o quanto ela amava e protegia sua irmã em seus braços. Com a voz firme e olhar mortal ela disse a Dylan:— Dê mais um passo, e você é um homem morto. Não estou nem aí se vou para a cadeia, vou até feliz por tirar um lixo humano como você do mundo. Repito, você não encosta um dedo nela!— Posso? — pergunto à mulher. Só então ela percebe minha presença.— Por favor — ela responde, olhando para Hanna com preocupação.— Já ligaram para o resgate? — pergunto preocupado.— Sim, eles estão a caminho — responde uma mulher próxima ao balcão onde estamos.— S
Kevin— Ah, eu sei sim. Eu estava lá. — A irmã de Hanna se perde em seus pensamentos e depois começa a falar: — Hanna estava com você. Ela havia me avisado. Meus pais perguntaram se eu conhecia o namorado dela quando alguém bateu na porta. Atendi e vi um homem de terno de primeira, inteiramente preto, com um semblante sério. — “Quero falar com o dono da residência, se é que isso pode ser chamado de casa.” — Fiquei furiosa. Quem ele pensa que é para falar assim da minha casa? — Ela fecha as mãos tão forte que os nós dos dedos ficam brancos. — Tentei fechar a porta na cara dele, mas o embuti colocou seu sapato preto luxuoso e brilhante na porta, impedindo que eu fechasse. Ele entrou e encarou meu pai, dizendo: “Hudson, tenho uma proposta para você”. Meu pai o encarou de volta, sem saber quem ele era e que merda de proposta estava falando.Ela parou de falar, respirou fundo. Permaneci em silêncio, observando cada detalhe que seu corpo expressava. Aquela conversa precisava ser dita,
KevinNão consigo mais encarar a irmã da Hanna.— Com licença.Saio do quarto, desnorteado. O mundo ao meu redor parece girar, mas não consigo focar em nada. Vou até o terraço, e ali, no meio do vazio, grito. Grito tão alto que minha garganta dói, um som primitivo que ecoa na madrugada. Caio de joelhos e deixo as lágrimas caírem. Choro por mim, por ela, por tudo que perdemos. Eu a julguei tanto. Passei noites ensaiando como confrontá-la, como humilhá-la, e agora descubro que ela foi apenas mais uma vítima do meu pai.Quando a dor se aquieta, como uma tempestade que vai perdendo força, me levanto, exausto. Vou até a lanchonete mais próxima, compro dois cafés e uma água. Volto para o quarto, onde Hanna está deitada. Sua irmã me olha surpresa, mas não diz nada. Seus olhos, ainda que silenciosos, parecem questionar minhas intenções.— Trouxe café — digo, hesitante. — Não sabia como você gosta, então trouxe açúcar também.Antes que ela pudesse responder, o celular dela começa a tocar. Ela
HannaAcordo com um bip incessante em minha cabeça, tento abrir meus olhos, mas a luz é forte demais. Tenho que abrir e fechar várias vezes antes de conseguir me ajustar. Quando finalmente consigo, percebo que estou em um quarto branco, bem iluminado. Tento me levantar, mas uma voz familiar me impede.— Não, Hanna, por favor, não levante. Você desmaiou. — A voz de Kevin soa carinhosa, mas me incomoda.— O que você está fazendo aqui? — Pergunto, ríspida, sem esconder meu desconforto.— Sua irmã pediu ajuda, estava desesperada. Eu ouvi os gritos e entrei sem pensar. Ela estava nervosa, xingando Dylan, enquanto você estava desacordada nos braços dela. — Ele faz uma pausa, seus olhos preocupados. — Ele fez alguma coisa com você?Viro o rosto, evitando encará-lo. Só de ouvir o nome de Dylan, meu corpo começa a tremer. A lembrança de anos atrás me invade, e não existe a menor chance de eu contar a Kevin o que aconteceu.— Você não precisa ter medo. Estou aqui agora, vou te proteger, seja do
HannaÉ nítido as emoções que eu e Kevin estamos tentando controlar. Ele suspira, nos encaramos, respondo carinhosamente para Kat, que estava grudada em mim.— Em breve, amorzinho. A mamãe já está terminando aqui — Kat, minha pequena luz, a chegada dela, não vou mentir, não foi bem-vinda e nem esperada. Mas hoje posso dizer eu ela se torno o meu mundo. Tudo o que faço é para o bem dela. Ela se aconchega mais no meu colo.Kevin continua ali, mas parece distante, olhando para a janela, mas dava para perceber que ele estava longe e não observando as copas das árvores pela janela. Eu não sei o que ele está pensando exatamente, mas consigo sentir sua emoção, e tenho a sensação que nos tomamos as mesmas lembranças. Aquele momento em que nossas vidas eram perfeitas. A saudade daquela época ainda me dói. “Será que dói nele?” — Me pergunto, observando-o.Do nada ele volta a nos observar, de repente uma voz grave quebra o silêncio: — Ela é linda, Hanna — seus olhos estão voltados para Kat, mas