Acordei com uma dor de cabeça terrível no dia seguinte. Queria ter passado mais tempo com Henrique, mas sabia que precisaria estar no casarão logo cedo. Por isso, não fui para BH com ele ontem à noite. Havia decidido adiantar a obra e, além disso, pegar o projeto do Henrique. Ele me ajudou com o divórcio; ajudar com a reforma parecia o mínimo que eu poderia fazer em troca. Sem contar que isso me daria a chance de passar mais um tempo com ele. Enquanto a obra estivesse em andamento, precisaria ficar em BH. Não dava para ir e voltar todos os dias. — Até queria te ajudar com alguma coisa, mas hoje não estou me sentindo bem — Ana disse, caminhando ao meu lado no casarão. — Não se preocupe, Ana. Entre e descanse um pouco — respondi, observando um carro se aproximar pela estrada. Ana entrou no casarão enquanto os trabalhadores continuavam avançando bem na obra. Do jeito que as coisas estavam indo, acreditava que tudo ficaria pronto até o fim de semana. O carro parou em frente à font
- Eles são muito bons com você — disse minha mãe enquanto remexia na comida com o garfo, sua voz baixa, quase hesitante.Estávamos sentadas em um pequeno restaurante no povoado, em uma mesa perto da janela, com vista para o movimento tranquilo da praça. O cheiro de comida fresca enchia o ambiente, mas o prato à nossa frente, peixe grelhado com salada parecia ser o menor dos nossos problemas. De pesado, já bastava o clima entre nós.— Eles sempre foram — respondi, tentando manter um tom neutro.Não queria provocar uma discussão, embora a vontade de apontar o óbvio quase escapasse dos meus lábios. Ela sabia que tinha me deixado, sabia que não estive sozinha porque outros assumiram o espaço que deveria ser dela. Não precisava repetir isso.Minha mãe levantou os olhos, buscando os meus, mas eu mantive o olhar firme na mesa. O silêncio que se seguiu foi denso, cheio de palavras não ditas.— Queria que você fosse lá em casa ver seu pai — disse ela, quebrando a tensão, sua voz mais suave. —
— Você não tocou em seu prato, Cíntia. — Henrique disse, sua voz suave, enquanto sua mão pousava delicadamente sobre a minha. Olhei para o prato à minha frente, mas ele parecia distante, como se não tivesse importância alguma. Minha mente estava em outro lugar, presa na confusão que minha mãe havia causado mais cedo. Ela mencionara que meu pai queria me ver. Por que ele simplesmente não veio? Não fui eu quem o abandonou, foi ele quem escolheu não fazer parte de minha vida. — Desculpe, Henrique, minha mente está a milhão. — Respondi, tentando focar nele, mas minhas palavras saíram mais como um suspiro do que uma explicação. Ele apertou minha mão de leve, o toque gentil e reconfortante. — O que eu faço pra te trazer pra mim? — perguntou, os olhos fixos nos meus, enquanto sua voz carregava uma mistura de preocupação e ternura. Pego a taça de vinho e tomo um gole, tentando acalmar o turbilhão dentro de mim. O ambiente ao nosso redor era acolhedor, luz baixa, uma música tranquila
Na manhã seguinte, quando acordei, o Henrique não estava mais na cama. Ouvia sua voz baixa vindo da sacada, e presumi que ele estava no telefone. Aquele som familiar parecia algo distante, quase como se ele tentasse evitar que eu o escutasse. Caminhei até o banheiro e tomei um banho rápido, aproveitando o calor da água para tentar espantar a leveza que a noite anterior havia deixado. Me enrolei no roupão e voltei para o quarto. Henrique ainda estava ao telefone, sua voz grave e controlada ecoava pelo ambiente. Me vesti em silêncio, o som do tecido se ajustando ao meu corpo parecendo ser a única coisa que quebrava o silêncio confortável. Quando terminei, ele ainda estava ao telefone, mas logo desligou a ligação e entrou no quarto. O olhar dele passou por mim brevemente, como se tivesse algo a mais para dizer, mas se conteve. — Bom dia. — Ele disse, recostando-se na entrada da sacada com um gesto que parecia despreocupado, mas carregava uma tensão sutil.— Acordou cedo. — Falei, enqu
Os dias foram passando e, enfim, a reforma do casarão estava concluída. A fazenda Belmonte sempre foi belíssima e imponente, mas com a reforma havíamos conseguido valorizar ainda mais sua beleza e preservar o charme de sua antiguidade. As paredes agora contavam histórias mais vivas, e cada canto parecia respirar uma nova energia. Sentada no sofá da sala de estar da minha casa, admirei o catálogo que Ana folheava, mostrando algumas peças do ateliê que a Carol e a Ana pretendia lançar na nova coleção. — Eu acho que estamos precisando fazer uma viagem de amigos para descansarmos um pouco dessa rotina de reformas, obras e trabalho. — Ana disse, fechando o catálogo com um leve estalo e se virando para Carol, que concordou imediatamente com um aceno animado. — Sinceramente? Eu acho que poderíamos sim fazer outra viagem. — Carol respondeu, cruzando as pernas e se ajeitando na poltrona ao lado. Eu ri baixo, deixando o catálogo de lado. Há alguns dias estava em casa, ocupada organizando o
O som do motor e a música suave no rádio eram a única companhia naquela estrada deserta. A noite estava calma, e eu tentava me concentrar apenas no trajeto. Dirigir sozinha sempre teve um efeito terapêutico sobre mim, mas, desta vez, algo parecia diferente. Talvez fosse a escuridão densa ou a sensação constante de que eu estava sendo imprudente ao ignorar os conselhos do Fernando.De repente, um barulho seco veio debaixo do carro, seguido de uma sensação de instabilidade. Encostei no acostamento, com o coração acelerado.— Não… não, por favor, não agora.Saí do carro e iluminei o pneu dianteiro com o celular. Estava completamente murcho. Ótimo.Tentei lembrar dos passos para trocar um pneu, mas, enquanto vasculhava o porta-malas em busca das ferramentas, percebi que o macaco não estava ali.— Claro, Cíntia. Excelente planejamento.Suspirei, jogando o cabelo para trás, enquanto olhava a estrada deserta. As chances de alguém passar por ali eram mínimas, mas antes que eu pudesse me deses
Acordo na manhã seguinte sentindo todo o peso da minha imprudência, a culpa me consumindo por não ter ouvido a Carol, por ter ignorado o Fernando… Minha mente estava um turbilhão. Pego o celular, com os dedos pesados, e envio uma mensagem. Digo que senti sono na estrada e parei para dormir em uma pousada. Eu sabia que poderia confiar neles, mas não queria contar a verdade. Não queria que soubessem o que realmente aconteceu.Olho para o anel em meu dedo, e um aperto no peito me invade. Minha mente não para de pensar em Henrique. O que ele pensaria ao saber que passei a noite com Alonso, mesmo que fosse apenas uma situação circunstancial? Não importava que não tivesse sido planejado, a sensação de ter compartilhado aquele espaço com meu ex-marido me corroía. E, o pior, se ele soubesse, o que faria? A ideia de enfrentá-lo depois de tudo isso me deixava paralisada. Como eu poderia explicar? Como ele reagiria ao saber que fiquei na mesma pousada, sob o mesmo teto, que o homem que destruiu
Meu pai chegou no início da noite, a expressão no rosto dele era um misto de surpresa e emoção ao me ver. Ele parecia um pouco abalado, mas eu sabia que, por dentro, ele estava lutando para manter a compostura. Talvez, assim como eu, estivesse tentando processar todas as emoções contidas nesse reencontro. — Cíntia — disse ele, e antes que eu pudesse reagir, me envolveu em um abraço acolhedor. Por um momento, permaneci imóvel, surpresa pela atitude, mas logo meus braços o envolveram de volta. Inalei o cheiro familiar de sua colônia, e uma onda de memórias invadiu minha mente. Por um instante, voltei a ser aquela menina que acreditava que ele era invencível, que encontrava conforto e segurança no calor dos seus braços. Mas as lembranças logo se misturaram com a dor. Eu havia cometido tantos erros, e o maior de todos foi ter me casado com Alonso aos 17 anos. Naquele momento, eu era apenas uma garota assustada, desesperada por orientação, por um sinal de que não estava sozinha. Mas, em