O som do motor e a música suave no rádio eram a única companhia naquela estrada deserta. A noite estava calma, e eu tentava me concentrar apenas no trajeto. Dirigir sozinha sempre teve um efeito terapêutico sobre mim, mas, desta vez, algo parecia diferente. Talvez fosse a escuridão densa ou a sensação constante de que eu estava sendo imprudente ao ignorar os conselhos do Fernando.De repente, um barulho seco veio debaixo do carro, seguido de uma sensação de instabilidade. Encostei no acostamento, com o coração acelerado.— Não… não, por favor, não agora.Saí do carro e iluminei o pneu dianteiro com o celular. Estava completamente murcho. Ótimo.Tentei lembrar dos passos para trocar um pneu, mas, enquanto vasculhava o porta-malas em busca das ferramentas, percebi que o macaco não estava ali.— Claro, Cíntia. Excelente planejamento.Suspirei, jogando o cabelo para trás, enquanto olhava a estrada deserta. As chances de alguém passar por ali eram mínimas, mas antes que eu pudesse me deses
Acordo na manhã seguinte sentindo todo o peso da minha imprudência, a culpa me consumindo por não ter ouvido a Carol, por ter ignorado o Fernando… Minha mente estava um turbilhão. Pego o celular, com os dedos pesados, e envio uma mensagem. Digo que senti sono na estrada e parei para dormir em uma pousada. Eu sabia que poderia confiar neles, mas não queria contar a verdade. Não queria que soubessem o que realmente aconteceu.Olho para o anel em meu dedo, e um aperto no peito me invade. Minha mente não para de pensar em Henrique. O que ele pensaria ao saber que passei a noite com Alonso, mesmo que fosse apenas uma situação circunstancial? Não importava que não tivesse sido planejado, a sensação de ter compartilhado aquele espaço com meu ex-marido me corroía. E, o pior, se ele soubesse, o que faria? A ideia de enfrentá-lo depois de tudo isso me deixava paralisada. Como eu poderia explicar? Como ele reagiria ao saber que fiquei na mesma pousada, sob o mesmo teto, que o homem que destruiu
Meu pai chegou no início da noite, a expressão no rosto dele era um misto de surpresa e emoção ao me ver. Ele parecia um pouco abalado, mas eu sabia que, por dentro, ele estava lutando para manter a compostura. Talvez, assim como eu, estivesse tentando processar todas as emoções contidas nesse reencontro. — Cíntia — disse ele, e antes que eu pudesse reagir, me envolveu em um abraço acolhedor. Por um momento, permaneci imóvel, surpresa pela atitude, mas logo meus braços o envolveram de volta. Inalei o cheiro familiar de sua colônia, e uma onda de memórias invadiu minha mente. Por um instante, voltei a ser aquela menina que acreditava que ele era invencível, que encontrava conforto e segurança no calor dos seus braços. Mas as lembranças logo se misturaram com a dor. Eu havia cometido tantos erros, e o maior de todos foi ter me casado com Alonso aos 17 anos. Naquele momento, eu era apenas uma garota assustada, desesperada por orientação, por um sinal de que não estava sozinha. Mas, em
A volta para casa foi tranquila, mas profundamente reflexiva. Ao longo daquelas longas horas de estrada, enquanto o asfalto se estendia à minha frente, meu coração parecia pesar de uma forma inesperada. Estar na casa dos meus pais havia sido um alívio, uma pausa das tensões do dia a dia. Lá, entre as conversas sobre o passado e as brincadeiras familiares, me senti novamente como a menininha que cresceu sob a proteção deles. Como eu sentia falta daqueles momentos… Dirigir servia de terapia para mim. Havia algo no movimento constante da estrada, na solidão e no barulho do motor, que trazia uma sensação de alívio. À medida que as horas passavam, minha mente vagava, e a estrada diante de mim parecia refletir meu próprio caminho emocional. As cinco horas de viagem de volta para casa tiveram um efeito quase curativo. Cada quilômetro percorrido era como um passo em direção a uma versão mais tranquila de mim mesma, mas também me forçava a confrontar o que ainda estava em meu coração. Eu sa
Na manhã seguinte, logo cedo, estava com algumas pessoas que trabalhariam na obra do escritório. Era o início de uma grande reforma. Teríamos que derrubar algumas paredes para expandir os espaços e reestruturar tudo. A sala comercial já era grande, mas com as mudanças, o lugar ganharia uma sensação de amplitude ainda maior.Eu estava concentrada, mostrei o projeto no tablet para os pedreiros, que começaram a sugerir algumas modificações. Cada ajuste parecia pequeno à primeira vista, mas para mim, cada detalhe fazia a diferença. Aos poucos, fui fazendo as alterações necessárias, observando atentamente o que poderia melhorar. - Vamos iniciar, então. - O chefe da obra disse, e eu assenti, sentindo uma mistura de empolgação e responsabilidade. A obra estava finalmente começando.Minutos depois, o som da quebradeira das paredes encheu o ambiente, um barulho constante que quase me fez perder o foco. Foi quando o Henrique chegou, interrompendo um pouco a energia caótica do lugar. - Bom dia
A ideia do rastreador martelava em minha cabeça por dias, uma sensação que não me abandonava. Por mais que tentasse ignorar, algo dentro de mim insistia em gritar que aquilo fazia sentido. Alonso teria sido capaz de colocar um rastreador no meu carro enquanto ainda estávamos casados? A princípio, parecia absurdo, mas, quanto mais eu pensava, mais percebia que era exatamente o tipo de coisa que ele faria. Afinal, ele já havia me traído, mentido e manipulado… Invadir minha privacidade seria só mais um passo na sua lista de atitudes tóxicas. Respiro fundo, tentando organizar os pensamentos. Não podia deixar isso me consumir. Precisava de provas. Algo concreto para confirmar ou descartar de vez essa suspeita. Pego o telefone e procuro o número do Fernando, meu primo, que estava em Belo Horizonte resolvendo assuntos da fazenda. — Oi, Fernando? É a Cíntia. Está ocupado? — Pergunto assim que ele atende, minha voz carregada de preocupação. — Não, Cindy. Estou resolvendo algumas coisas po
— Foi encontrado um rastreador na parte interna do carro. — O mecânico informa, segurando o pequeno dispositivo entre os dedos engraxados. Eu encaro o objeto, sentindo meu estômago se revirar. Meu coração acelera, e uma mistura de raiva e desconforto invade meu corpo. Fernando, ao meu lado, se inclina para olhar melhor, com o rosto fechado. — Eu não acredito. — Ele murmura, a voz carregada de indignação. — Esse cara realmente passou dos limites. Seguro a bolsa com força, tentando controlar minhas emoções. — E agora? — Minha voz sai mais baixa do que eu pretendia. — Isso pode ser usado contra ele? O mecânico dá de ombros, claramente alheio à complexidade da situação. — Bem, rastrear alguém sem permissão é ilegal, dependendo do motivo. Mas eu sugiro que vocês procurem um advogado para saber exatamente como proceder. Fernando balança a cabeça, parecendo ainda mais irritado. — Ela já tem um advogado. E ele vai querer saber disso. — Ele me lança um olhar significativo. — Vo
Depois de estacionar o carro do Felipe no ateliê da Carol, onde ele e os outros já nos esperavam, desço rapidamente para entregar as chaves. Ele agradece com um sorriso, mas não demora muito, já que todos pareciam ansiosos para começar a viagem. Enquanto Henrique aguarda ao volante, nos reunimos brevemente para alinhar os detalhes finais. Carol, sempre prática, pergunta: — Vamos parar em algum lugar no caminho ou seguimos direto? — Só se for algo urgente. — Responde Felipe, verificando o relógio. — Os carros estão abastecidos e já estamos um pouco atrasados. Henrique, do meu lado, concorda com um aceno. — É melhor seguir direto, assim chegamos antes do anoitecer. Todos concordamos, e a breve reunião é encerrada. Caminho de volta para o carro, sentindo o olhar de Henrique sobre mim enquanto me acomodo no banco do passageiro. — Tudo certo? — Ele pergunta, ligando o motor. — Tudo. — Respondo, olhando para o retrovisor, onde vejo os outros se preparando para sair. — Vamos nessa.