CAPITULO 3

SOFIA

Saio da sala com passos apressados e com a respiração alterada, eu já tinha visto algumas fotos do filho mais novo da senhora Ártemis, mas vê-lo pessoalmente me deixou em choque com tamanha beleza. Alto, pele bronzeada, cabelos negros, olhos azuis, azuis como a cor do oceano, um peito largo e musculoso, fico até constrangida em ter reparado tanto.

Decido espantar esses pensamentos impróprios sobre o senhor Poseidon e foco no meu trabalho, tenho que deixar a janta da família pronta antes de ir. A senhora Ártemis é realmente um anjo na terra, me cedeu de bom grado a vaga de cozinheira da minha mãe, embora não tenha seguido para essa área eu gosto de cozinhar e minha mãe me ensinou muitas coisas, dizem que nossos temperos são parecidos.

No fim do meu expediente saio da mansão para ir para minha casa, no caminho passo em um pequeno restaurante que tem na ilha para os turistas aproveitarem a culinária local e compro a janta do meu pai, eu sei que não dará tempo de chegar em casa e preparar alguma coisa.

Chego em casa e vejo meu pai lendo um jornal sentado no sofá, de frente para a televisão. Eu amava tanto ele, na época em que era um bom pai, exigente e turrão, mas um bom pai, que se preocupava com o meu bem estar. Mas após a morte da minha mãe tudo ficou diferente, ele se tornou um homem agressivo e possessivo, não quer que eu fale com ninguém na rua e principalmente com homens, ele diz que está próximo o dia que eu passarei pelo ritual que é costume na sua terra, e toda vez que ela fala isso sinto um arrepio estranho.

Ele quase não sai mais para pescar, quer que eu banque todos os custos da casa e sirva de empregada para ele, chegou até a me bater várias vezes e eu só pude chorar e lamentar.

Em passos lentos evitando fazer barulho, ando até a cozinha, quando chego na porta fico assustada com tanta bagunça, vários copos e pratos sujos na pia e a mesa está cheia de restos de comida e escamas de peixe. Suspiro cansada e coloco a sacola com comida em cima da cadeira, em seguida começo a limpar aquela sujeira toda. Faço tudo bem rápido para não atrasar o horário da janta dele, meus olhos começam a encher de lágrimas. Minha vida está um completo caos e eu não sei como mudar minha situação deplorável.

Após deixar a cozinha minimamente apresentável pego um prato e coloco o almoço do Júlio, estou evitando chamá-lo de pai até em pensamento, as vezes me refiro como pai ou apenas Júlio. Quando estou jogando a caixinha da comida no lixo ele entra na cozinha.

– Comprou comida? – pergunta grosseiramente me encarando.

– Eu não tive tempo de preparar nada.

– Não quero saber de suas justificativas sua preguiçosa – ele grita e me encolho com medo, então ele se aproxima e coloca um dedo no meu rosto – Você tem que cumprir com as suas obrigações nessa casa Sofia, não vou tolerar desleixo e muito menos atrasos. E eu preciso de dinheiro para ir até Atenas comprar algumas linhas para pesca – avisa me deixando frustrada, nunca consigo guardar muita coisa para juntar e ir embora daqui pois ele sempre pede mais e mais dinheiro e se eu não lhe entrego o que pede sou humilhada de todas as formas possíveis.

– Eu posso ir – me ofereço na esperança de consegui colocar alguns currículos e ir embora da ilha, ir para longe do meu sonho de lecionar na escolinha daqui, mas também para bem longe dele. O trabalho na mansão não me garante passe livre para longe.

– Não vai a lugar nenhum Sofia – grita – Você nunca mais sairá da ilha e muito menos dessa casa, me ouviu bem? Nunca – ele se afasta com o prato de comida na mão e antes de passar pela porta me olha sobre os ombros – É para o seu bem, deixei que seguisse aquela ilusão de fazer faculdade em Atenas, mas não deu em nada como eu já sabia, e espero que tenha cumprido com a sua palavra sobre não ter ficado com nenhum homem lá. Quando o momento chegar e eu souber que mentiu para mim Sofia, as coisas ficarão feias para você – ele se afasta e lá está aquele frio de novo acompanhado de uma sensação ruim.

Enxugo as lágrimas que teimam em cair com o dorso da mão e engulo o nó que se forma na minha garganta. Caminho para o meu quarto, tomo um banho rápido com a porta do banheiro trancada, pois a alguns dias atrás Júlio entrou com a desculpa que pensou estar desocupado e isso me incomodou muito e desde então tomo banho com a porta trancada e durmo com a porta do meu quarto trancado, ultimamente não tenho confiado muito em sua conduta.

Saio escondido pelas portas do fundo, pois virei prisioneira, e sigo para a praia. O caminho é rápido, dois quarteirões e sinto a areia gelada nos meus pés, aspiro o cheiro do mar tranquilo, sento na areia e fecho os olhos meditando um pouquinho, amo a sensação de paz que o mar tranquilo me traz, um pouco de paz em meio ao caos que estou vivendo.

– Sofia? – abro os olhos assustada assim que escuto o meu nome e olho para cima dando de cara com um par de olhos azuis me encarando.

– Está me seguindo? – procuro saber e ele sorri, diferente de quando o encontrei na sala de sua casa, agora ele estava com uma bermuda moletom cinza, regata branca e tênis cinza, a regata marca seu peitoral suado. Sem ser convidado ele se senta ao meu lado.

– E se eu estiver? – ele pergunta ainda sorrindo.

– Vou chamar a polícia – agora ele gargalha.

– Estava correndo – ele explica – Quando estava passando por essa área avistei uma cabeleira ruiva e vim conferir se realmente era você, sardinhas bonitinhas – diz me chamando de um apelido vergonhoso e íntimo.

– Bom eu já estava de saída mesmo – digo me levantando e limpando a areia do meu vestido.

– Calma, fica mais um pouco – pede e fico tentada a aceitar, tem algo que me impulsiona para ele, mas não posso, meu pai me mata.

– Desculpe senhor Poseidon, mas preciso ir – falo e saio correndo pelas areias até alcançar a calçada.

Nem olho para trás e sigo direto para minha casa, quando entro pela porta do fundo ando o mais devagar possível para não chamar atenção, sigo para o meu quarto e quando fecho a porta, solto o ar que estava prendendo.

Depois de um banho, visto um short de moletom e uma camisa grande de mangas cumpridas, sinto meu estômago roncar, então abro a porta bem devagar e coloco a cabeça para fora e não vejo nem sinal do Júlio, suspiro aliviada e vou para a cozinha, pego o que sobrou da comida que eu trouxe, esquento e como bem rapidinho, depois lavo e guardo tudo antes de voltar para o meu quarto e me trancar.

Olho em volta do meu quarto escuro e sinto uma enorme vontade de chorar, chorar pela saudade da minha mãe, chorar pelo tratamento do meu pai, chorar por não conseguir alcançar meus objetivos. Tudo que tenho feito é trabalhar para dar dinheiro ao homem que deveria agir como um pai, na esperança de não apanhar mais. Nunca esquecerei da primeira surra que ele me deu, por simplesmente ter me negado a trabalhar para sustentar ele, mas acabei não tendo escolha, outra vez apanhei sem motivo nenhum ele meio que me culpa pela morte da minha mãe e sei que isso ficará marcado para sempre em mim, mesmo que as marcas do cinto desapareçam do meu corpo, jamais sairá da minha alma.

Só queria ter a oportunidade de me livrar dele, que acontecesse um milagre, mas eu sei que contos de fadas não existem, embora eu ainda sonhe em encontrar um príncipe. Se nesses últimos meses meu pai mudou drasticamente comigo não quero estar aqui para saber como será anos vivendo em baixo do mesmo teto sobre ameaças e surras.

"Sardinhas bonitinhas"

Sorriu entre as lágrimas ao lembrar do apelido que o senhor Poseidon me chamou, só o vi duas vezes na vida, mas sinto uma euforia e uma vontade de estar perto dele. Se ao menos eu pudesse ter alguém na minha vida, alguém para ajudar a curar essa dor que passo nas mãos do Júlio, mas ele jamais aceitaria que eu tivesse um namorado, posso nem ter amigos imagine um namorado.

Quando estou quase dormindo e viajando nos olhos azuis mais perfeitos que já vi ouço um estrondo vindo da porta do meu quarto.

– Sofia, abre a porta – ouço um grito de longe e remexo no colchão – Abre a porta se não eu arrombo.

São gritos rudes, meu corpo paralisa quando reconheço a voz exaltada do meu pai, saio da cama e caminho com medo até a porta. Quando abro ele está me encarando com uma expressão feia e então entra invadindo o meu quarto me fazendo andar para trás.

– Eu tive um sonho muito erótico com sua mãe essa noite e acordei bem exaltado, se é que me entende – ele vai falando em uma calma estranha enquanto tira o cinto da bermuda, abraço meus braços temendo pelo pior, meus olhos se enchem de lágrimas – Não posso me aliviar porque minha esposa não está mais aqui, mas enquanto você não passa pelo ritual vou me aliviar te dando uma lição – sinto o primeiro golpe na perna e gemo de dor.

Ele está possuído, nunca veio me bater assim do nada no meio da noite, choro enquanto sinto o ardor dos golpes contra a minha pele, sei que vão ficar roxas e apenas espero que ele acabe com sua sessão de descarrego. Só não entendi ainda qual é a desse maldito ritual, ele nunca fala com todas as palavras, e minha mãe disse que é costume na terra deles, que ela passou e que passarei também.

Alguns minutos depois de se sentir satisfeito, ele sai do quarto e fecha a porta atrás de si, corro para trancá-la e me encolho na cama morrendo de dor, chorando e orando por um futuro melhor.

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