Dr. Eric, era simpático e tinha um sorriso relaxado. Sua fala não era carregada de termos técnicos, como a maioria de seus colegas de profissão, mas, era simples, clara e passava confiança. De início ele conversou com Lily e a família, interessado pela sua história. Na sequência, solicitou novos exames, e discutiu reservadamente com Dr. Alberto, por alguns minutos, que para Lily pareceram horas inacabáveis. Não era a primeira vez que ela se via naquela situação. Imaginando-se a ré em um tribunal, aguardando a deliberação do júri para receber a sentença. Olhando para os pais, e dos pais para Sulivan e Dirceu e deles para Collin, sentiu ainda mais angústia por ver tantas pessoas sofrendo com ela. De repente foi tomada por um sentimento de pânico. E se o prognóstico fosse igual aos anteriores? Se n&
Os olhos arregalavam-se, alarmados, enquanto Lily encarava a porta. O coração saltava dentro do peito, cada vez que ouvia uma maca se aproximando. Quando a via passar direto, sua expressão se descontraia e ela respirava aliviada.Em um dado momento iniciou uma correria incomum nos corredores. Sócrates colocou a cabeça para fora buscando entender o que acontecia. Quando ele olhou de volta para dentro, seus olhos pousaram direto na filha, e nenhum dos presentes precisou tentar decifrar a aflição que encobriu seu rosto. Todos ouviram, alto e claro, quando alguém em meio aquela movimentação, deixou escapar que o paciente no quarto ao lado havia falecido, naquele instante. O pranto desesperado de um familiar que acabara de receber a triste notícia, ainda ecoou no quarto antes que Sócrates fechasse a porta, na
Sete meses depois... Por volta das oito horas da manhã, quando Sulivan acordou, Dirceu não estava na cama. Ela o chamou para conferir se estava no banheiro, mas não houve resposta. Então, se levantou e foi até o quarto vizinho. Todo seu rosto se iluminou com a cena encantadora do marido embalando a pequena criança nos braços, enquanto cantarolava baixinho. Ele sorriu ao levantar os olhos e vê-la parada na porta com um sorriso derretido, e cara de boba. — Bom dia, minha querida! — Bom dia! Vejo que se vira muito bem sem mim. O quarto havia sido redecorado recentemente. As paredes foram revestidas com papel de parede de poá; e a decoração lançava mão de adesivos e objetos que combinavam diferentes tons de r
O táxi amarelo subiu a ladeira e parou em frente ao imponente casarão de muros cobertos de musgos. Santa Tereza, bairro da Zona Central do Rio de Janeiro, é conhecido pelas antigas mansões, ruas íngremes e sinuosas, e estilo de vida boêmio. Lily ergueu o olhar apreensivo através da janela do carro e respirou fundo. Estar ali era importante e, ao mesmo tempo, angustiante, mas sentia que tudo daria certo. Tinha que dar certo. Segurando um envelope, colocou a bolsa no ombro, pagou a corrida e andou até o portão de ferro. Anunciou sua presença no interfone e, assim que a entrada foi liberada, passou pelo estreito caminho de tijolos até a varanda de estilo colonial.Enquanto aguardava a proprietária do imóvel, olhava o ambiente. As paredes eram revestidas de ladrilhos holandeses com alguns retratos antigos. Um denso carpete estampado cobria boa parte do chão de mármore frio e escuro, e cortinas cinzas se estendiam sobre duas grandes janelas, impedindo quase toda a luminosidade de entrar.Li
Após receber as instruções sobre a rotina da casa, Lily acompanhou Sulivan em suas tarefas, observando com atenção. No decorrer da semana, mais adaptada, passou a cuidar das coisas de Collin, mas procurando se manter resignada em relação a ele. Não queria forçar uma aproximação prematura. Desde que Lily chegou ele raramente saía do quarto, seu dia a dia se resumia as necessidades básicas, como única distração passava horas escutando os canais de esportes, documentários e notícias na TV a cabo, mas sem demonstrar qualquer sinal de ânimo ou interesse. Era apenas uma tentativa de manter a mente ocupada.Lily esperava que teria dificuldades para obter a aceitação dele. Porém, foi pior do que havia presumido. O rapaz parecia ter encontrado uma nova ocupação, a de tornar o contato entre eles o mais odioso poss&i
Sulivan adorava ter a companhia de Lily. Em pouco tempo, a moça se ofereceu para ajudá-la a recuperar o jardim, e trabalhavam nele duas ou três vezes por semana, enquanto a dona da casa, contava histórias sobre sua família, aventuras de sua juventude e dos momentos preciosos que viveu ao lado do marido. A mais jovem, como uma perfeita ouvinte que era, a escutava com entusiasmo. Algumas vezes estas conversas tomavam um tom de desabafo. Sulivan se emocionava, chorava, e depois, envergonhada, se desculpava por obrigá-la a presenciar estes momentos de fraqueza.— Eu nunca me abri sobre essas coisas com ninguém, você entende? — justificou Sulivan tentando enxugar os olhos marejados com o antebraço — Não quero que o Collin se sinta culpado pela minha tristeza.
Era incompreensível, o sentimento que Sulivan tinha adquirido por uma estranha. Acreditava nela a ponto de lhe confiar o seu bem mais precioso. Admirava, a garota de olhar tenro e sorriso acolhedor, que tinha o dom de compreender as profundezas dos seus ressentimentos, e saber sempre o que dizer para animá-la. Começou a suspeitar que apesar de pouca idade, Lily já deveria ter vivido coisas suficientes que a tornaram tão madura. Às vezes seu olhar era distante e enigmático. Chegava antes do início do expediente, nunca pediu dispensa mais cedo, nunca reclamou de passar do horário, era bastante reservada sobre sua vida pessoal e era raro citar algo sobre a família. Às vezes Sulivan puxava uma conversa com intenção de descobrir mais, quando Lily notava a discreta invasão, dava respostas evasivas e mudava de assunto de forma abrupta.
Como todas as manhãs, desde o acidente, Collin acordou desejando estar morto. Mesmo havendo se passado mais de quatro anos, ainda sentia o terror que era abrir os olhos e continuar no escuro. Permaneceu deitado por um tempo, juntando algum resquício de ânimo para se levantar. Arfou ouvindo as vozes da mãe e de sua cuidadora vindo do andar de baixo, prevendo que logo ela subiria com seu café e o importunaria por mais um dia inteiro. Sem nenhuma motivação, sentou na cama, girou o corpo colocando as pernas para fora, tateou o chão com os pés a procura dos chinelos e calçou-os lentamente. Esticou o braço em direção ao criado mudo, alcançando-o, apoiou-se para se levantar, sentindo o corpo pesado e fraco. Caminhou titubeando em direção à toalete, amparou-se na parede em frente e percorreu as mãos até a
Na tarde do dia seguinte, quando Lily deu continuidade a leitura do livro, Collin recordou que não só já o havia lido, como fora um dos primeiros de sua vida. Causou-lhe espanto perceber que a história, aparentemente infantil, dialogava com ele e depositava reflexões penetrantes em sua alma. Tão profundas quanto a dor e o ressentimento que jaziam dentro dele.Collin seccionou sua vida entre o antes e o após perder a visão. O depois, era um purgatório, onde não podia voltar a viver, mas também não descia de uma vez ao inferno. Não podia realizar tarefas simples, como ler um livro, caminhar ao ar livre, andar a cavalo, jogar bola ou barbear-se. Não tinha ideia de como essas coisas eram valiosas, até perder tudo.Perdas. Sua vida ha