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— Ana? — fala com uma voz rouca.

— Acabou, amiga, ela se foi — digo em um fio de voz.

— Estou indo para aí, Ana. Só preciso falar com a Mariana e com a Juliana pra olharem Isabelly e o papai. Chego no hospital em meia hora.

— Tá! — digo e encerro a ligação. — Encosto minha cabeça na parede e observo o corredor quase vazio, se não fosse por alguns médicos e enfermeiras passando por ele. A quietude desse lugar me leva aos meus últimos minutos ao lado da pessoa que eu mais amava nesse mundo e as lágrimas voltam, dessa vez, silenciosas. Minutos depois sinto o meu corpo ser puxado e logo sou abraçada pela minha amiga. Eu me agarro a esse gesto como se ele fosse o meu bote salva-vidas.

— Sinto muito, amiga! — sussurra. — Sei que não está sendo fácil para você se despedir assim. Mas acredite, querida, ela precisava descansar. — Eu apenas assinto com a cabeça. Mônica se afasta um pouco e me olha nos olhos, ajeitando algumas mechas dos meus cabelos atrás da minha orelha e volta a falar. — Faremos assim, meu amor. Eu te levo para a minha casa, te faço um chá bem quentinho, você toma um banho relaxante e tente descansar um pouco. Deixa que cuido de tudo para você, tudo bem? — dita os meus próximos passos com carinho e eu apenas assinto, pois não tenho forças para contestar.

*** 

Na casa de Mônica, faço tudo como ela me pediu. Tomo um banho demorado e relaxante e depois um chá, que ela prontamente fez para mim. Mas, não consigo dormir e quando vejo, já amanheceu. Minha amiga não para um só minuto. Em poucas horas ela já havia resolvido tudo para o velório e o sepultamento. Sem ânimo para nada, eu fiquei em seu quarto, deitada em sua cama de solteiro e olhando para o teto como se ele fosse uma tela de cinema, assistindo algumas imagens das minhas lembranças como se fosse um filme passando bem diante dos meus olhos. Lembranças que quero guardar para sempre dentro de mim.

 Memórias...

— Mamãe, quero observar os macacos, já cansei das araras.

— Claro, filha. Suponho que os macacos são a nossa próxima parada. — Ela sorri. Um sorriso lindo que eu amo!

— Posso dar comida para eles, mamãe?

— Não, não pode, querida.

— Por que não? — pergunto chorosa.

— Porque eles podem ficar doentes, você quer que os macaquinhos fiquem doentes?

— Não, mamãe, não quero que fiquem doentes.

— Então vamos só olhá-los, certo? Depois podemos tomar um sorvete, o que acha?

— Sim, por favor, mamãe! — falo, dando pulos de alegria.

...

Observo o lugar calmo e silencioso com pesar. Dá adeus para a única pessoa que tive na vida, minha única família é algo que parte o meu coração de uma maneira quase insuportável. Ao meu redor alguns poucos amigos do seu trabalho, os nossos vizinhos e amigos meus da faculdade prestam uma última homenagem a uma mulher exemplar, uma lutadora, mas eu apenas a olho ir cada vez para longe de mim e para nunca mais voltar. O Padre ministra algumas palavras de conforto para todos e Mônica, como sempre está ao meu lado. Sua mão envolve a minha cintura, em um abraço amigo, e a sua cabeça está apoiada em meu ombro. Saio do seu abraço e vou em direção ao caixão envernizado. Passo levemente as pontas dos dedos nas flores brancas, que estão em cima da caixa de madeira, umas coroas de rosas-brancas com mensagens carinhosas e de saudades descansam em cima do mesmo. Pego uma rosa, a beijo e em seguida a deposito sobre o caixão, depois encosto minha mão nele, como se pudesse tocá-la. Sim, o caixão está fechado, foram ordens médicas. E confesso que não entendi o porquê, mas acatei as ordens.

— Eu te amo, mãe, sentirei sua falta! — sussurro, enquanto uma lágrima solitária escorria pelo meu rosto. Mônica se aproximou e pôs sua mão sobre em meu ombro. Eu não resisti e a abracei forte, voltando a chorar. Era um choro baixo e conformado. Preciso que aceitar que ela se foi.

— Vem querida. — pediu com um tom baixo e nós voltamos para o nosso lugar.

Sinto uma dor indescritível e as novas lágrimas são inevitáveis. Elas surgem em meu rosto como uma corrente forte e quando a cerimônia se encerra, é a hora de definitivamente dizer adeus. Enquanto caminhamos para os carros, não pude deixar de olhar para o céu límpido e completamente azul. Ele realmente estava lindo. Lindo para recebê-la. Sento-me no banco traseiro e em silêncio olho pela janela, enquanto Mônica dirige calada. Esse será o seu novo lar. Penso olhando o lugar quieto, com suas catacumbas e arvoredos. O carro finalmente entra no asfalto e eu solto um suspiro baixo, observando o meu novo quadro de visão. As pessoas caminhando pelas calçadas, indo e vindo. Elas estão sorrindo e algumas até conversam animadas, alheias à dor que carrego dentro do meu peito. Respiro fundo mais uma vez. Finalmente a sua dor acabou e todo o sofrimento se foi. Isso sim, me conforma. Depois de um banho frio e demorado, vou até à sala e sento-me no sofá de uma sala simples, porém graciosa. Confesso que não tenho forças para nada. Só sinto o abraço forte e opressor dessa dor ainda trancafiada em meu peito e essa angústia que me dilacera cada vez que penso que ela não está mais aqui comigo por dentro. Pergunto-me até quando a sentirei? O que fazer, se não ser chorar? Queria que tudo isso passasse logo.

— Oh! Minha linda, não fique assim! — Mônica sussurra me abraçando e só então percebo estou chorando compulsivamente.

— O que faço agora, Mônica? O que farei sem ela aqui para me dar sua força, para me mostrar o caminho certo? Eu não sei como agir. E não sei o que fazer! — falo chorosa. Ela se afasta para secar as minhas lágrimas com as mãos.

— Primeiro, tentará comer algo, querida, depois farei um chá. Vamos para cama, te farei companhia até que adormeça. É um bom plano, não acha? — Ela sorri e me faz sorri também.

— Sim, é um bom plano — digo ainda sorrindo, mesmo sentindo a minha voz um pouco embargada. Mônica beija o meu rosto e volta a me abraçar.

— Que bom que você concorda, agora vem comigo.

***

 — Não sei se consigo dormir, amiga — falo, após tomar um pouco da sopa que ela fez para mim.

— Bom, eu estarei aqui com você — diz baixinho e abraçando-me na cama estreita.

— Obrigada, prometo que vou tentar — sibilo.

— Não tem o que agradecer, Ana. Eu te adoro e você sabe disso. Você é como uma irmã para mim.

— E você também é para mim — sussurro fechando os meus olhos em seguida.

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