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— Merda, isso está um caos! — xinguei irritado quando o telefone voltou a tocar no meio de mais uma leitura de relatórios. Respirei fundo. Preciso resolver a questão da minha secretária logo, ou enlouquecerei aqui. Parei tudo que tinha para fazer e peguei alguns currículos das entrevistas dentro da minha gaveta. Li atentamente um por um, mas foi o último currículo que me chamou a atenção. 

CURRÍCULO VITAI

NOME: Ana Júlia Falcão.

IDADE: 20 anos.

ESCOLARIDADE: Segundo período de medicina e curso completo de inglês.

EXPERIÊNCIA: Sem experiências.

OBSERVAÇÃO: Aberta a novas experiências. 

— Interessante! — disse baixinho. — Jovem, boa aparência, inexperiente, essa parte me preocupa. Tive que demitir algumas mulheres com bastante experiência no cargo. Será que ela conseguiria dar conta? Olho a foto no topo do currículo e me deixo levar. Ela é bonita! Uma morena e tanto! Olhos castanhos e meigos, cabelos negros, lábios cheios. Simplesmente linda! Bufei, esfregando as mãos no rosto. No que você está pensando, Luís Renato? Essa garota não serve pra você, cara. Ela não é igual às mulheres que você costuma levar para a cama nesses últimos anos! Fui interrompido por algumas batidas na porta do meu escritório, então ergui a cabeça e olhei na mesma direção.

— Pode entrar — ordenei.

— Boa tarde, senhor Luís! Vim avisar que amanhã não poderei lhe ajudar com a agenda — Cassandra informou, entrando na minha sala. — O senhor Marcos recebeu um telefonema e soube que houve alguns problemas na construção do hotel em Londres. Nós viajaremos essa noite. Ele quer resolver tudo quanto antes.

— Algo grave? — indaguei preocupado.

— Não sei lhe informar, senhor. Mas ele deve vir conversar com o senhor antes de terminar o expediente.

— Certo! Cassandra, um último favor, eu prometo — estendi-lhe o currículo de Ana Júlia Falcão. — Ligue para a senhorita Ana Júlia e informe que a quero aqui amanhã, às oito em ponto. Deixe bem claro que não tolero atrasos. — Minha voz tem um tom ríspido, porém calmo.

— Claro, senhor Luís, mais alguma coisa? — perguntou com um sorriso satisfeito.

— Sim. Veja alguém para treiná-la por uma semana. Quero que ela faça as coisas como eu gosto.

— Certo. — Cassandra olhou-me com hesitação.

— O que foi?

— E se o senhor a deixasse ter uma experiência de pelo menos um mês? — sugeriu. — Sabe? Para ver se dá certo! Quatro demissões em apenas quinze dias são demais até mesmo para o Senhor.

— Não sou exigente, Cassandra. Só acredito que ser pontual e atencioso com o trabalho não é pedir demais — retruquei.

— Certo, tem razão! Mas, que tal ser só um pouquinho tolerável? — Ela fez um gesto com os dedos indicador e polegar, para enfatizar o pouquinho.

— Um pouquinho tolerável? — perguntei. — Ok, eu vou tentar. — Ela sorriu. — Mas não prometo nada! — completei. — Assentiu com um sorriso satisfeito e saiu da minha sala, então eu voltei aos meus documentos.

Já são seis horas quando Marcos passou em minha sala e explicou os novos problemas na construção do novo hotel em Londres, depois saiu apressado, a fim de arrumar as suas malas para ir ao aeroporto quanto antes. Saí do meu escritório às nove da noite, quando já não tinha mais ninguém no prédio além dos seguranças. Entrei no elevador e fui direto para a garagem como de costume. Destravei o meu carro, um Porshe amarelo. Era hora de ir para casa... ou seja, para o meu inferno particular. Chegar em casa e olhar tudo aquilo deixava-me deprimido. Eu deveria ter ficado no escritório mesmo, ou ido a algum barzinho, ou talvez ido dormir em um flat. Suspirei, deixando os meus olhos percorrerem todo o ambiente. Olhar todas aquelas obras de arte espalhadas pela casa, os móveis de designs modernos, as cortinas de linho branco nas janelas, os tapetes. Tudo decorado por ela, cada pedacinho desse lugar. Algumas vezes, tive vontade de destruir tudo com as minhas próprias mãos, de deixar o ódio das lembranças dominar-me, sair quebrando tudo e só parar quando não restasse mais nada. Mas demolir a casa e construir outra no lugar não vai apagar o que está aqui dentro do meu peito. Sou um fodido mesmo, quebrado. Ela me destruiu, para eu rejeitar qualquer mulher que quisesse entrar em minha vida. Respirei fundo e subi as escadas. Fui para o meu quarto, entrei no banheiro e tomei um banho frio e demorado. A frieza da água ajudou a abrandar a minha dor. Fiquei ali durante horas e só saí quando notei as pontas dos dedos ficarem roxas e o corpo tremular incontrolavelmente. Sequei-me com uma toalha grande e felpuda, vesti uma roupa leve e deitei na minha cama. Tentei dormir, mas o sono não vinha. Ele nunca vem. Nada além das lembranças felizes de uma vida que um dia pensei ter, mas que não passava de pura ilusão. Levantei impaciente da cama, desci as escadas com passos largos e fui para o bar no canto da sala. Esse virou o meu o companheiro em momentos de dor e solidão como esse. Servi-me de uma dose generosa de uísque puro e sem gelo e bebi tudo em um só gole. A bebida desceu queimando, e só assim eu senti a minha mente relaxar. Servi mais uma dose generosa e me sentei no sofá em forma de L, que fica de frente para as escadas de onde eu costumava assisti-la descer em seus vestidos exuberantes e sensuais. Meu celular tocou em cima da mesinha de centro e só então percebi que adormeci aqui mesmo no sofá. Sentei no sofá acolchoado e macio e esfreguei os meus olhos antes de atendê-lo. São duas da madrugada e Karolina Viena está me ligando, porquê? Atendi à chamada um tanto irritado e escutei um barulho infernal de música alta e de muitas vozes falando ao mesmo tempo do outro lado da linha.

— Fala, Karol — disse sem vontade alguma de iniciar uma conversa com ela.

— Oi, Luís! — Ela gritou por conta da música alta.

— Karol, você sabe que horas são? — resmunguei. — São quase duas e meia da manhã! Mas que droga, Karol! Eu trabalho, sabia?!

— Deixa de ser chato, Luís! Sabe aonde eu estou? — perguntou em tom animado. Suspirei, puto da vida. Karol é uma grande amiga da família. Eu a tolero desde a nossa infância. Estudamos juntos durante toda a adolescência e só nos separamos no período da faculdade. Faz tempo que não nos vemos e nem nos falamos, embora trabalhemos no mesmo prédio. Ela foi uma amiga incrível depois que minha vida virou o destroço que é hoje.

— Não, eu não sei e não sei se quero saber também! — rosnei.

— Estou na boate Kiss, aqui no centro.

— Karol, eu sei onde fica a boate Kiss — falei ainda ríspido, interrompendo-a — E não, não estou interessado em saber onde você está, então fala logo o que quer!

— Argh! Você é um chato mesmo! Sabe quem está aqui? — resmungou chateada, mas logo mudou seu humor. 

Haja paciência!

— Não sei, não quero saber, e tenho raiva de quem sabe! Boa noite, Karol, a gente se fala! — Encerrei a chamada sem esperar a sua resposta e resolvi ir para o meu quarto. Deitei em minha cama espaçosa, adormecendo alguns minutos depois. Mas a noite inteira sonhei com ela, com o seu sorriso, com o seu toque. Nós dois fazendo amor em nosso quarto. Com os seus beijos quentes e molhados. Foram sonhos conturbados, uma mistura de nós dois em momentos íntimos, com ela me apunhalado pelas costas.

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