14

— Bom dia, Ana! — Ele diz de costas para mim. — Antes de tudo, eu quero o meu café. Espero que tenham colocado você a par de tudo na sua função.

— Sim, senhor — digo sem esperar que continue. — O seu café já está na sua mesa, senhor. Extra forte, puro e bem quente, como o senhor gosta — digo acompanhando-o até a sua sala.

— Ótimo! — diz num tom firme e seco. — Sente-se. — ordenou contornando a sua mesa. — O que temos para hoje, Ana? — Eu me acomodo na cadeira de frente para a sua mesa e enquanto mexo no tablet, ele leva a xícara a boca.

— O senhor tem duas reuniões, uma com o senhor Bartolomeu Dias, do marketing e outra com alguns acionistas. Em seguida tem mais uma reunião com o advogado. Um almoço com a senhora Joana Alcântara, além de uma videoconferência e três inspeções nos hotéis do litoral.

— Certo. Eu preciso que você me acompanhe na reunião com Bartolomeu, Ana. E que faça algumas anotações para mim. Quanto ao almoço com a minha mãe, cancele! As inspeções dos hotéis tomam muito do meu tempo, depois ligo explicando. Ah! E preciso que você me acompanhe nessas inspeções também e fique atenta a tudo, pois preciso que faça algumas anotações no decorrer delas, ok? Uma metralhadora de palavras. Como eu disse, muito o que fazer! Suspiro.

— Sim, senhor — digo sem titubear. — Deseja mais alguma coisa, senhor Luís? — Uso o meu melhor tom profissional sério, mas sorrio por dentro.

— Outro café, por favor, e prepare a sala de reuniões.

— Sim, senhor, com licença, senhor Alcântara! — Respiro aliviada quando saio da sala do meu chefe e abro um largo sorriso depois de fechar a porta e logo me ponho a caminhar para a copa. Bom, suponho que me saí muito bem para um primeiro dia.

*** 

As reuniões são bem chatas, na verdade, não entendi quase nada do que foi conversado lá dentro, mas fiz algumas anotações que julguei seria importante. Quanto às inspeções dos três hotéis do litoral, realmente, como ele disse, tomaram um tempão, mas ainda sim, fiquei extremamente encantada com os hotéis, com suas decorações, que são extremamente luxuosas, impecáveis. E as piscinas? São enormes, com aqueles jardins de capa de revista. O que me tirou mesmo o fôlego foi encontrar todas aquelas lojas, as academias e restaurantes. Tudo era regado a muito luxo e requinte. Os hotéis são praticamente um shopping particular. As inspeções terminaram perto das duas da tarde e foi nessa hora que fomos almoçar. Fiquei tão ocupada, que nem percebi que já era tão tarde!

— Com fome? — inquire olhando seu relógio de ouro branco em seu pulso.

— Um pouco.

— Vamos almoçar em um dos restaurantes aqui do hotel mesmo e logo depois podemos ir para o escritório. Tudo bem para você? — Sério que ele está pedindo a minha opinião?

— Sim, senhor. Por mim tudo bem — digo formalmente. Ele me encara por trás das lentes dos óculos escuros e assente. Sentamos em uma mesa perto da janela. Ainda bem! Assim posso me distrair olhando as pessoas nas ruas, caso me sinta um peixe fora d’água. A vista daqui de cima é belíssima, algo para se encantar. Não me cansaria nunca de observar o Corcovado daqui. Sem falar nesse ambiente climatizado, que deixava o ar mais leve, menos tenso.

— Você gostaria de escolher, ou posso fazer isso por você? — A voz do meu chefe me tira de meus devaneios.

— Pode escolher, senhor Luís. Eu não saberia o que pedir — dou de ombros, meio sem graça.

— Algo para beber?

— Água, por favor!

— Certo. — Ele faz os nossos pedidos, enquanto viajo com os meus pensamentos. Queria que a minha mãe estivesse aqui. Queria que ela me visse agora. Com certeza estaria muito orgulhosa de mim, apesar de ter desistido da faculdade. Posso até ver aquele sorriso lindo dela! Eu nunca desistirei, mãe… por você, eu serei forte, por você, lutarei e vou ven…

— No que está pensando, Ana? — o senhor Luís me pergunta, tirando-me mais uma vez de meus devaneios. Encaro-o, enquanto ele me olha intrigado. Seus olhos claros especulam o meu rosto, cada centímetro dele. Queria poder desviar o meu olhar, mas meus olhos parecem estar presos aos dele.

— Em minha mãe — digo enfim. — Em como ela estaria feliz por mim agora. — Ele une as sobrancelhas, parece confuso.

— Estaria, quer dizer, no passado? — pergunta. Encosto-me no encosto da cadeira.

— Sim, eu perdi a minha mãe faz alguns dias. Ainda dói muito falar disso, me desculpe! — digo num tom baixo.

— Sinto muito, Ana! — sussurra. — Eu não sabia. — Ele segura a minha mão sobre a mesa. Seu toque quente me faz estremecer por dentro. É algo estranho, que nunca senti antes. — Mas não falaremos sobre isso, não quero que fique triste. Tivemos um dia corrido hoje, então vamos tentar relaxar um pouco, certo?

— Certo. — Dou um meio sorriso. O almoço seguiu tranquilo. Conversamos um pouco sobre o trabalho, sobre o seu melhor amigo e sócio, Marcos Albuquerque. Eu falei um pouco sobre a minha faculdade e sobre o meu primeiro dia de trabalho. Luís não era muito de sorrir, estava sempre sério, pensativo e sempre me observando. Uma hora depois nós voltamos para o escritório e lá ele se despediu de mim com uma frase fria: Estou no meu escritório, não atendo mais ninguém hoje. E simplesmente entrou em sua sala com o rosto fechado, um olhar frio e passou o resto do dia trancado lá.

Já passava das oito da noite quando ele abriu a porta e saiu do seu escritório. Luís me lançou um olhar surpreso ao me ver em minha mesa.

— Ainda está aqui? — interrogou irritado. Levantei-me em um sobressalto, pois estava distraída no computador, olhando as imagens dos prédios lindos que a construtora Caravelas construiu ao longo dos anos.

— Des… desculpe! — gaguejei. — Eu não sabia se o Senhor ainda precisaria de mim, então… — Ele me interrompeu bruscamente.

— Senhorita Ana Júlia, o seu expediente terminou há duas horas. Era para sair às dezoito horas daqui! — esbravejou. Seu tom de voz ríspido me causa um certo temor.

— Ah, tudo bem! Eu… eu já estou saindo. — gaguejo uma resposta, enquanto guardo as minhas coisas na bolsa, desligo o computador e caminho apressadamente em direção dos elevadores. — Até amanhã, Senhor Luís! — despeço-me. Mas antes que eu pudesse partir, ele segurou firme o meu braço, impedindo-me de sair do lugar. O seu toque provocou um arrepio em minha pele, que percorreu pela minha espinha.

— Senhorita Ana Júlia, duas coisas: primeiro, eu levo você em sua casa. Já está tarde e como sei que vai de ônibus, será perigoso ir sozinha. E, segundo, amanhã é sábado, não haverá expediente, então só nos veremos na segunda — disse implacável.

Que bicho mordeu esse homem? Como pode ser tão bonito e tão rude ao mesmo tempo?

— Ah! — É só o que eu consigo dizer, perdida em seu olhar rude. Sinto-me uma retardada perto dele. Por que ninguém me avisou dos meus horários antes? Argh! Isso é tão injusto! O dia estava indo tão perfeito!

Não acredito que estou no carro dele pela terceira vez hoje! O seu perfume invade os meus sentidos, deixando-me inebriada. É um cheiro doce e agradável, é tão gostoso! Luís está concentrado no trânsito e muito por vezes aproveito para olhar o seu semblante, que agora parece mais relaxado. Consigo observar com mais atenção o cavanhaque de pelos claros, as sobrancelhas grossas, ora unidas, ora erguidas, o olhar sério fixo na estrada. Também posso sentir que ele passa por alguma luta interna, como se ele se esforçasse para ser outra pessoa. Mesmo que sorria, ou quando conversa. Até mesmo quando se fecha ou quando é irritante ou arrogante. É como se quisesse manter-se distante das pessoas. Ele para em frente à minha casa e sem dizer uma palavra, sai do carro e abre a porta para mim.

— Obrigada por me trazer em casa, senhor Luís e por sua preocupação! Realmente não precisava. E, prometo que isso não vai se repetir — digo meio sem jeito.

— Não precisa agradecer, Ana. Só cumpra a sua promessa e está tudo certo. Boa noite!

— Boa noite! — Caminho para a porta da frente da minha casa, mas quando chego no primeiro batente, volto a olhar para o meu chefe que acabou de entrar no carro. Ele faz sinal para eu entrar, então girei a maçaneta e assim que abri a porta, escutei o motor do carro sendo ligado.

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