Ana Júlia
Tem momentos na vida que esquecemos de dá valor as pequenas coisas ela nos oferece. Um simples sorriso, o desabrochar das flores, as gostas de chuva que molham à terra sedenta. Nada disso tem valor, até você realmente nota-las. Assim tem sido os meus dias ultimamente. Aprendi a valorizar cada segundo que o ponteiro do relógio insiste em marcar, sem ter um mínimo de dó de mim. Desculpe a minha grosseria! Então, eu penso que posso começar a contar a minha história para vocês assim; meu nome é Ana Júlia Falcão, sou uma garota simples, que mora no subúrbio. Tenho vinte anos, na verdade, quase vinte e um, pois farei aniversário daqui a três meses. Sou morena e meus cabelos são compridos, lisos e negros. Não sou muito alta, mas acho minha estatura legal, tenho um metro e sessenta e cinco de altura. Meu corpo é esguio, mas não sou cheia de curvas. Acho-me bonita e arrisco dizer que atraente também. Normalmente sou uma garota muito alegre e comunicativa e tinha todo o prazer de viver entre os meus amigos, curtir a vida com eles, e estar na faculdade estudando medicina seria a minha realização, pois foi sempre um sonho meu e da minha mãe. Um sonho não realizado. Observaram que eu disse, tinha e não, tenho? Pois é, e tudo isso porque atualmente a minha vida está praticamente de cabeça para baixo.
Começaremos do início. Primeiro, eu nunca conheci o meu pai, ele abandonou a minha a mãe quando ela ainda estava grávida e desde então ela teve que se virar sozinha. Minha mãe sempre foi uma grande guerreira. Ela me criou sozinha, me deu educação e estudos e nunca deixou nada me faltar. Sempre fomos apenas eu e ela, por isso somos muito grudadas uma na outra. Tipo grandes amigas mesmo. Até que um dia tudo desabou sobre a minha cabeça. Dona Rose foi diagnosticada com um câncer no colo do útero há alguns meses e desde então a doença está destruindo-a pouco a pouco.Abro os meus olhos ainda pesados de sono e me ajeito em cima da pequena poltrona, que fica perto de um leito de hospital. São oito horas da manhã agora e o dia está lindo lá fora. O sol está radiante em todo o seu esplendor e a cidade já tem um movimento considerável a essa hora. Suspiro olhando pela enorme janela de vidro. Era para eu estar na faculdade agora, realizando o nosso sonho – meu e dela – de me tornar uma médica. Nossa, que ironia essa do destino! No entanto, eu estou aqui trancada em um quarto de hospital, acompanhando a única pessoa que é tudo para mim. Nossa, três meses! Lamento mentalmente. Três meses de muito sofrimento e de muita dor. Minha cabeça gira em uma confusão de pensamentos. Não sei o que será de mim sem essa mulher na minha vida, não sei o que farei sem ela aqui. Como será a minha vida daqui por diante? Três batidas leves na porta me tiram dos meus devaneios. Eu me viro e encontro Mônica Sampaio, minha melhor amiga passando por ela. Na verdade, ela é mais que uma amiga, Mônica é quase uma irmã para mim. Ela é uma garota linda e apesar de não aparentar, é mais velha que eu dois anos. Minha amiga tem uma pele sedosa, é alta e dotada de belas curvas. Seus cabelos são cacheados e caem como cascatas sobre seus ombros. Assim como a minha mãe, minha amiga também é uma guerreira, pois, além de fazer faculdade de direito, também trabalha como assistente em um escritório de advocacia, que fica bem no centro do Rio de Janeiro. E ainda encontra tempo para cuidar de um pai doente e de uma sobrinha de apenas nove meses, abandonada pela própria mãe — sua irmã mais velha. Claro que ela conta com a ajuda de Mariana, uma enfermeira que acompanha o seu pai de perto, e de Juliana, uma adolescente que fica com a Belly quando ela não pode estar por perto. Mônica adentra o quarto sem fazer qualquer barulho e chega bem próximo da cama, onde minha pobre mãe descansa. Ela beija suavemente a sua testa e se vira para mim.— Como você está? — pergunta baixinho, de maneira carinhosa, e me abraça demoradamente e eu me sinto segura em seus braços. Sorrio, mesmo sem sentir vontade e tento parecer melhor do que realmente estou.— Estou feliz que tenha vindo! Estou bem. — Solto um suspiro e olho para a minha mãe adormecida em seu leito. — Mas estou muito preocupada. — Um nó dolorido em minha garganta começa a me sufocar — Sinto que a estou perdendo aos poucos, Mônica. — Puxo a respiração com dificuldade e tento conter as lágrimas. — Essa noite ela teve uma parada cardíaca e, — Começo a sentir a minha voz embargar, mas não permito que as lágrimas venham a se derramar. — Foi horrível! Por um instante eu me vi aqui sozinha e fiquei tão angustiada. Não sei o que farei sem ela aqui comigo! — sussurro em meio ao meu desespero, contendo o meu tom de voz.— Você sabe que pode contar comigo sempre, não é? Sabe que estarei sempre por perto quando você precisar. — Mônica segura a minha mão, enquanto fala. Há alguns dias ela me falou que se o pior acontecesse, moraríamos em sua casa. Mas, não vejo como aceitar esse pedido. A casa da Mônica é tão pequena. Tem apenas quatro cômodos pequenos e apertados, onde já mora com seu pai, uma enfermeira que cuida dele e a Juliana que dorme lá ocasionalmente, para ajudá-la com a Belly. Sem falar que Mônica é a única pessoa que trabalha naquela casa, para mantê-la. Sei que posso contar com ela sempre, mas não quero ser mais um fardo em sua vida, já que estou desempregada e ela tem muito com o que se preocupar.— Sei que posso contar com você sempre, minha amiga. Sempre! — Dou voz aos meus pensamentos.— Por que não vai comer algo, aqui mesmo no hospital? — pergunta. — Eu fico aqui com ela até você voltar, o que acha? — Tiro os meus olhos de cima da minha mãe e a encaro. Tenho vontade de dizer que não. A verdade é que tenho muito medo de afastar-me dela agora.— Não sei, Mônica. Na verdade, eu não sinto fome alguma e também não quero sair de perto dela agora — falo com sinceridade.— Ana, você precisa comer alguma coisa! — Ela insiste. — Faz dias que você não dorme direito e eu tenho certeza que Rose não quer te ver assim. — Ela tem razão. Minha mãe sempre lutou a sua vida toda por mim e por ela e nunca foi de baixar a cabeça para os seus problemas. Estava sempre sorrindo em meio as dificuldades e as pressões que a vida lhe impôs. Sempre pensando positivo e vendo o lado bom da vida. Sinto que não sou tão forte quanto ela. Penso enquanto respiro fundo e resolvo seguir o conselho da minha amiga.— Tudo bem, eu vou, mas eu volto correndo rapidinho. Prometa que se acontecer qualquer coisa, você ligará para mim — peço e ela assente.Vou até uma poltrona que fica próxima à cama, pego a minha bolsa e antes de sair beijo sua testa fria. Ainda receosa em deixá-la, eu sussurro um volto logo mãe e saio do quarto em seguida. Do lado de fora, o calor do sol aquece a minha pele fria, devido o ar condicionado. A brisa suave e o vento acariciam levemente o meu rosto, balançando algumas mechas dos meus cabelos, que se soltaram do coque. Enquanto caminho para uma lanchonete que fica no térreo, observo algumas pessoas indo e vindo pelas ruas e calçadas. Mônica tinha razão, eu realmente precisava sair um pouco, respirar ar puro e ver o dia fora daquelas janelas frias. Ao entrar na lanchonete com pouco movimento, fui direto para o balcão e pedi apenas um sanduíche natural, com salada e frango grelhado e um suco de laranja. Lembranças de uma noite nada fácil de lidar me inundaram. Observar minha mãe naquele estado me rasgou por dentro. Meu coração se oprimiu e doeu. Imediatamente o nó começa a sufocar em minha garganta e a fome se vai. Como apenas metade do meu sanduíche e tomo o suco com pressa de voltar para o quarto de minha mãe. Quero estar perto dela o máximo de tempo que eu puder.No elevador, sinto o meu peito se apertar com uma angústia sufocante que não consigo explicar. É como se algo muito ruim tivesse acontecendo nesse exato momento. Apresso os meus passos assim que as portas se abrem e entro no largo corredor do departamento de oncologia, mas quando me aproximo do quarto, vejo a minha amiga cabisbaixa e do lado de fora. Agitada, apresso ainda mais os meus passos, sentindo uma pontada desconfortável em meu peito. Angustiado, meu coração perde o seu ritmo.— O que aconteceu, Mônica? — perguntei com um tom tão baixo, que não tenho certeza se ela me ouviu. Ela ergue a sua cabeça para mim e eu encontro os seus olhos molhados de lágrimas. — Por que você está chorando? Onde está a minha mãe? — pergunto com um desespero contido. Medo, estou afogada nesse sentimento agora.— Os médicos a levaram, Ana — responde com o mesmo tom que acabei de usar. — Eu sinto muito! Ela passou mal e eu não sabia o que fazer. — Olhei nos olhos da minha amiga. Ela tinha uma expressão
Ana JúliaÉ domingo e nós recebemos algumas visitas de dos meus amigos de faculdade. Algo que alegrou a dona Rose. Ela sempre foi próxima dos meus poucos amigos. O quarto ficou enfeitado de lindas flores e alguns balões. Suas cores chegaram a dar vida ao lugar. Durante a tarde Mônica ligou e nós tivemos uma conversa um pouco animada, mas foi em uma chamada de vídeo com a minha melhor amiga, que vi minha mãe se descontrair um pouco.— Ana? — Despertei dos meus pensamentos quando escutei o som da voz fraca me chamar. Me afastei da janela e encontrei os seus olhos cansados. São quase duas da tarde e eu penso que ela dormiu quase que o dia inteiro depois das visitas e da chamada com a Mônica.— Oi, mãe, estou aqui! — digo, forçando um sorriso.— Quero te pedir uma coisa, filha — disse puxando uma respiração pesada. — Mãe, eu prefiro que você descanse um pouco. Você precisa…— Não, Ana. Querida, eu quero te pedir uma coisa. — Forço mais um sorriso para mascarar a dor que estou sentindo ne
— Ana? — fala com uma voz rouca.— Acabou, amiga, ela se foi — digo em um fio de voz.— Estou indo para aí, Ana. Só preciso falar com a Mariana e com a Juliana pra olharem Isabelly e o papai. Chego no hospital em meia hora.— Tá! — digo e encerro a ligação. — Encosto minha cabeça na parede e observo o corredor quase vazio, se não fosse por alguns médicos e enfermeiras passando por ele. A quietude desse lugar me leva aos meus últimos minutos ao lado da pessoa que eu mais amava nesse mundo e as lágrimas voltam, dessa vez, silenciosas. Minutos depois sinto o meu corpo ser puxado e logo sou abraçada pela minha amiga. Eu me agarro a esse gesto como se ele fosse o meu bote salva-vidas.— Sinto muito, amiga! — sussurra. — Sei que não está sendo fácil para você se despedir assim. Mas acredite, querida, ela precisava descansar. — Eu apenas assinto com a cabeça. Mônica se afasta um pouco e me olha nos olhos, ajeitando algumas mechas dos meus cabelos atrás da minha orelha e volta a falar. — Fare
Memórias...— Mãe? — A chamo sem saber aonde exatamente estou. Um barulho me faz olhar para frente, para a imensa escuridão e uma pequena luz surge no final dela. — É você? Mãe para com isso, vem cá. Estou morrendo de saudades de você. — Caminho no meio da escuridão, em busca da pequena luz. Sinto o meu corpo estremecer, tenho medo, mas não paro. — Mãe? Mãe?...Abro os olhos abruptamente encontrando o quarto semiescuro, se não fosse pela lua cheia a brilhar através da janela de vidro transparente. Sento-me no colchão a procura dela, mas logo a minha ficha cai e eu sinto uma vontade incontrolável de chorar, mas respiro fundo e decido tomar um banho para tentar me acalmar. Sigo para o pequeno banheiro, deixo a minha roupa cair no cesto de roupas sujas, ligo o chuveiro e entro debaixo da água morna que cai imediatamente molhando o meu corpo e isso vai me relaxando pouco a pouco. Fecho os meus olhos e molho os meus cabelos. A sensação do calor da água em meu corpo é maravilhosa, mas ela
Luís Renato— Bando de gente incompetente! — esbravejo enquanto caminho de volta para a minha sala, sobre os olhares atentos e curiosos dos meus funcionários. Dou de ombros. Eu simplesmente odeio pessoas que não têm pontualidade e nem compromisso com o seu trabalho. Odeio ainda mais quando não conseguem fazer as suas tarefas direito. Não deve ser tão difícil fazer as coisas do jeito que eu peço. — Está cada vez mais difícil encontrar uma secretária pontual e competente — resmungo para o meu sócio. Essa já é a quarta que dispenso em menos de quinze dias, que saco! Penso ainda mais irritado. — Tive que demitir mais uma secretária hoje, acredita? Depois do terceiro dia chegando com pelo menos meia hora de atraso. E hoje o seu descaso com o trabalho foi a gota d'água — digo parando de frente para a minha mesa e encaro o Marcos sentado na minha cadeira.— Ih! Dia difícil hoje, mano? — Se levanta fazendo uma cara sacana e segura um sorriso sínico. Acredite, às vezes tenho vontade de esmurra
— Sou Cassandra, me acompanhe, por favor! — pede educadamente. Respiro fundo algumas vezes enquanto a sigo por um corredor comprido. Cassandra me leva uma sala de reuniões. Lá dentro encontro mais quatro moças sentadas ao redor de uma mesa enorme e retangular. Elas são muito bonitas e carregam algumas pastas nas mãos, parecem ter experiência para o trabalho oferecido. Minutos depois começam a nos chamar, uma por vez. A medida que elas vão saindo da sala, eu vou ficando nervosa. Queria muito ter uma oportunidade nesta empresa. Ela parece ser muito promissora. São quase quatro da tarde quando finalmente me chamam. Sou a última a fazer a entrevista, já que fui a última a chegar na empresa. Entro em uma sala enorme e muito bem decorada com um estilo totalmente masculino. No centro da sala há uma mesa com tampo de vidro preto e um homem usando um terno caro e elegante da mesma cor. Enquanto entro na sala, observo o seu porte. Ele parece ser muito alto, apesar de estar sentado e curvado sob
Ana JúliaO tempo parece que não passa quando você está em casa sem nada para fazer. Deixo o meu celular sempre por perto, esperando alguma ligação de alguma das entrevistas que fiz no dia anterior. Confesso que estou perdendo as minhas esperanças, pois já são quase nove horas da manhã e Mônica saiu para trabalhar já faz algum tempo. Estou na sala cuidando da Isabelly, a sobrinha da Mônica. Ela é uma bebê linda e alegre, um amor de criança. Sempre tranquila e divertida. Coloquei-a em seu carrinho com o seu brinquedo preferido, um ursinho de borracha que vive colocando na boca. Enquanto ela brinca, dou mais uma olhada nos classificados do jornal de hoje. A minha insegurança, me faz pensar em bolar um plano B. Passo longos minutos procurando novas oportunidades de emprego e dessa vez, círculo apenas três opções que se encaixam no meu perfil. Mariana, a enfermeira que cuida do seu Genaro passa por mim com um leve sorriso no rosto. Ela é uma garota jovem, tem a minha idade e é muito boni
— Sim, tenho que estar lá amanhã, às oito da manhã em ponto. Cassandra deixou bem claro que não pode haver atrasos.— Ana, você sabe o que isso significa, não é? — pergunta ficando séria. — Dizem que não é nada fácil conseguir uma vaga nessa rede de hotelaria, e você conseguiu!— Eu sei! — Contive uma explosão de alegria. — Acredito que finalmente algo começou a dar certo para mim! — falo entusiasmada.— Você é uma guerreira, minha amiga. Você dará muito orgulho à sua mãe de onde ela estiver e vencerá, porque você merece isso da vida. — Suas palavras me emocionam.— Obrigada, amiga, por tudo! Por estar comigo, por me apoiar, por não me deixar desistir nunca. Eu te amo muito, minha irmã!— Também te amo muito! Mas tudo isso que conquistou é mérito seu e não meu. — fala com um sorriso iluminando seu rosto e coloca Belly em seu carrinho. — Temos que comemorar! — Mônica fala batendo palmas e dando pulinhos no meio da sala. Belly solta algumas risadinhas, batendo palminhas, pensando ser um