Três semanas se passaram e Vanya não sabia mais em que mundo estava vivendo. Acreditava, às vezes, estar na vida real, com todos os professores chatos, com as notas baixas, com os inúmeros trabalhos, com os jogos de basquete – entrara no clube assim que começou o colégio – e as várias aulas. Outras, porém, supunha viver num país abaixo dos continentes terrestres. Tudo à sua volta criava vida, monstros coloridos a seguiam pela rua, bonecos falantes a paravam para comentar os motivos pelos quais não cometiam suicídio, notícias na TV informavam que os dinossauros morriam por inanição em determinada região da China, sua mãe surgia em seu quarto à noite para dançar músicas medievais. Pensava, várias vezes, ser uma Alice num País dos Horrores – ao contrário da sua heroína favorita, não vivia um sonho
— Então... você ir amanhã?— Bom, é. – Kazuo levou a mão aos cabelos, bagunçando-os. — Estamos muito empolgados, Vanya-chan! Acho que hoje à noite nem conseguirei dormir!Vanya sorriu.— Eu estar orgulhoso de você. De verdade.E pôde notar a mudança na tonalidade facial de Kazuo.— Mas... e você? Como têm sido esses seus últimos dias? Ainda continua tendo aquelas visões? – ele perguntou, tímido.Pela primeira vez em sua vida, Vanya sentiu vontade de desabafar com alguém os seus delírios costumeiros. Kazuo apareceu no momento certo – a proximidade que surgiu entre eles a fez contar todas as imagens surreais que apareciam diante dos seus olhos.— Às vezes. Acontecer mais quando estar sozinho.— Posso te fazer uma pergunta?— Por que n&atil
O barulho ininterrupto do telefone obrigou Damiano a acordar. Sonolento, não se preocupou em olhar pela tela do celular para saber quem o chamava, apenas atendeu. Esfregando os olhos, pronunciou um “alô” desanimado e sem vida.— Damiano?Reconhecia aquela voz. Mariana. E ela chorava.Péssimo sinal.— O que aconteceu? – ele sentiu a voz falhar. Já imaginava o que estava por vir.— Ele sofreu um ataque por causa do efeito da anestesia e entrou em coma. Você entendeu, Damiano? Seu pai está em coma!Foi preciso muito controle para Damiano não exprimir qualquer emoção que a notícia poderia ter lhe causado. Respirou fundo, apertou o travesseiro com força, tentando descontar nele a dor que passava por seu corpo. Velho maldito, o que Damiano havia falado sobre não morrer?— A que horas, isso? – pe
Não sabia mais se estava viva ou se já havia conhecido a passagem para a morte. Nada via, nada sentia, mas, caso se remexesse um pouco, conseguia sentir uma forte pontada nas costas. Até sua respiração doía. Com muito esforço, tentou se levantar, contorcendo-se de dor. Quando já sentada, pôde perceber: continuava viva.Desconhecia a altura da qual pulara, mas, pelo que notava, não havia sido pequena. Olhando para a superfície onde estava sentada, vira que era uma mistura de feno e tijolos de barro. Certamente, encontrava-se sobre o teto de uma casa. Tomando cuidado, observou até onde iam as dimensões do telhado, contudo não obteve êxito – parecia ser extenso demais. Também não conseguira ver que altura media a construção, o que a preocupava ainda mais. Como iria sair dali?Cautelosamente, come&cc
— Casa de Lady Liberté. Quem desce?Esforçando-se para conseguir libertar-se do imprensado de braços e corpos, estendeu o bilhete e gritou:— Aqui, aqui!Outras duas criaturas também estenderam seus bilhetes, escondendo seu braço pequeno e humano. Resolvendo abandonar a educação, empurrou alguns dos seres que a impediam de passar e de ficar visível, abrindo, finalmente, a porta da desproporcional carruagem, entregando a passagem fora do veículo.— Aqui! – repetiu, obrigando o cocheiro a receber o pequeno papel.Contudo, não existia propriamente um cocheiro ali, apenas as roupas de cavalheiro que vestiam um ser invisível aos olhos, perceptível somente pelas formas que suas vestimentas ganhavam. A luva lhe tomou o bilhete.— Sabe como chegar até lá, me
Uma mão decididamente forte a puxou da massa de água gélida e pesada.— Venha, querida! Venha comigo!Quando voltou à bonita sala de Lady Liberté, sentia-se mal, deprimida. Estava molhada, com frio, os cabelos pesados pingando e, mesmo assim, não hesitou em se jogar nos braços da Lady, abraçando-a e caindo em lágrimas.— Shh, querida. – dizia a bruxa, enquanto afagava seus cabelos molhados. — Não precisa ficar assim, podemos reverter esse quadro. – ela a forçou a se levantar. — Venha, vamos enxugá-la. Você descansará e aí poderemos conversar sem interrupção.E, ainda agarrada a Lady, a menina aquiesceu, pesarosa e assustada.*— Quer?Damiano olhou para
Abriu os olhos rapidamente, assustado, como se saísse de um pesadelo. Olhando o ambiente que o cercava, continuou no mesmo estado de alerta. Ao que conseguia distinguir, parecia uma cabine ricamente detalhada, com suas paredes de madeira e decoração dourada. Havia ali um pequeno beliche, além da mesinha de centro e do banco acolchoado e vermelho, onde estava sentado. Levou a mão aos olhos, esfregando-os e tentando recuperar a memória. Logo visualizou a bem trabalhada manga do seu sobretudo negro, bordado com linha azul, e da blusa branca que usava por baixo. Tocando em si mesmo, notou a presença do colete azul marinho e do relógio de bolso banhado a ouro. Trajava, também, uma calça preta cuja barra era escondida pela bota escura. Que raio era aquilo?Encostando-se na parede, voltou a cabeça para a janela de vidro. Uma imagem desconhecida passava por seus olhos, a velocidade tão rápida q
— Sinto que você está triste, Princesa. O que este servo pode fazer para deixá-la feliz?Deitada em cima de uma cama de folhas, ela sentia as lágrimas quentes correrem por seu rosto. Enfim, estava começando a aceitar sua condição. Não sabia como sair, encontrava-se completamente só e sem chances, apoiada apenas pelo belo e sarcástico Phobeto. Contentar-se? Continuou calada.— Acho que sei o que passa por sua cabecinha... Não se preocupe, vou trazer essa felicidade a você.Não, ela não sabia. Não tinha lucidez, logo não possuía cabeça e desejos. Era uma louca confinada em uma prisão para lunáticos sem cura, presa em um mundo paralelo àquele que sempre chamou de real. Cavara a sua própria cova, escrevera o seu destino. Para que se lamentar agora? Mas, no fundo, sabia que não houvera meios de impe
Ela o olhou, receosa, amedrontada com a espada que estava em suas mãos. Tremia incontrolavelmente, nunca empunhara uma daquelas. E não se sentia segura.— Vamos lá, querida, use isto.A jovem voltou o olhar para trás, a mulher loura encarando-a severamente.— Mãe... – murmurou.Ele escutou seu sussurro e visualizou a bonita mulher.Os mortos nunca vêm ao Phantasos e nunca virão.É claro! Phobeto a pegara em sua fraqueza, utilizava a imagem da mãe morta para fazer a menina ceder facilmente. Um gosto amargo se formou em sua boca.— Espere! – tentou gritar, sentindo náuseas. — Essa... Isso... Não é a sua mãe!Aos poucos, ele percebeu que a imagem da bonita mulher se desfazia, dando vazão à outra figura, dessa vez, asquerosa. Tudo que via agora era apenas uma criatura gosmenta e acinze