Belo Horizonte, Dezembro de 2016
Larissa narrando:
Era um sábado gélido em Belo Horizonte. Acordei com uma vontade louca de permanecer na cama, especialmente porque era fim de semana e o friozinho lá fora tornava tudo ainda mais aconchegante.
— Garota, acorda! — ouvi as batidas na porta do meu quarto.
Era ela, a mulher que tornava minha vida um verdadeiro inferno.
Melyssa, a esposa do meu pai, que mais parecia o capeta em forma de gente.
Levantei emburrada, calçando minhas pantufas. O chão estava gelado por conta do frio que fazia hoje.
— O que é? — disse ao abrir a porta.
— Você tem que me ajudar com a limpeza! Tá pensando que tem empregada aqui? — ela disse com a voz áspera que a caracterizava.
Idiota. Resmunguei enquanto a via se afastar.
Fui para o banheiro da casa, tomei um banho e vesti uma roupa confortável, colocando um casaco por cima. Calcei minhas botinas e estava pronta.
Isso mesmo, eu morava quase na "roça". Não era uma roça, era uma fazenda que meu pai herdara de seu pai. Aqui era até confortável, tínhamos comida, roupas e um teto, e isso já me bastava. Mesmo assim, preferia qualquer lugar a essa droga de vida ao lado de Melyssa. Eu a odiava, e meu pai sempre a favorecia.
Dirigi-me à cozinha, comi um pedaço de bolo que eu havia feito ontem, já que a "bonita" não sabia cozinhar, e bebi uma xícara de café.
— Amor, eu preciso ir comprar algumas coisas na cidade. — ela disse para meu pai, e eu revirei os olhos.
— O quê, Melyssa?
— Comida, coisas que necessitamos, Luís.
— Tá, o que eu não faço por você, minha linda. — ele deu dinheiro a ela, e a mulher deu um beijo nele.
Nojo, eu sentia nojo deles!
— Bom dia, Larissa. — meu pai falou assim que passou por mim.
— A benção, pai... — falei ainda comendo o pedaço de bolo.
— Deus lhe abençoe.
Ficamos em silêncio até que meu pai falou.
— Vou ter que sair, ir na cidade resolver uns problemas. Fica na ordem e cuida da casa. — ele disse retirando-se sem ao menos me dar tchau.
Eu já estava acostumada, toda a atenção do meu pai era para Melyssa. Mal sabia ele que ela era uma bruxa, uma megera, uma vadia. Ela me odiava pelo simples fato de minha mãe ter tido um filho com meu pai, enquanto ela não conseguia e nem nunca conseguiria, já que era estéril. Mas bem feito... Cada um paga o seu preço!
Comecei a limpar a casa, pois não queria reclamações para o meu lado. Limpar a casa me ajudava a me distrair, afinal, eu havia crescido na fazenda e não tinha medo do trabalho pesado. E mesmo que aqui houvesse toda a tecnologia do mundo, preferia manter a casa arrumada com as próprias mãos.
— Eu estou indo, Larissa. Quero essa casa limpa quando eu voltar da cidade, entendeu? — Melyssa disse de forma autoritária.
Ela acha que eu sou a cinderela.
— Olha só. — a olhei de cima a baixo. Você acha que tem o poder de mandar em mim? Essa casa também é minha. Você é apenas uma mulherzinha com quem meu pai resolveu se casar para minha infelicidade. Eu deveria ter tocado fogo em você no dia do casamento. — disse brava.
— Garota inútil, eu só não discuto contigo agora porque tenho coisas mais importantes para fazer. — empinou o nariz e saiu rebolando.
Meu Deus, como eu podia suportar isso? Como eu podia viver sob o mesmo teto com alguém que me odiava, e que eu odiava na mesma intensidade...
Continuei a limpeza da casa, e depois fui até o meu quarto para arrumar-me. Iria encontrar Bruno, e esse era um bom momento para sair sem ser questionada pela bruxa ou por meu pai.
Bruno era meu namorado, um relacionamento mantido em segredo. O pai dele era um grande fazendeiro em Belo Horizonte, e meu pai não permitia que eu ficasse com ele, apenas por causa de uma rixa antiga com o pai de Bruno.
Vesti um vestido rodado e um casaco, calcei uma sapatilha e deixei meus longos cabelos loiros soltos. Peguei minha bolsa e mandei uma mensagem para Bruno, avisando do nosso encontro. Já fazia tempo que não nos víamos.
— Meu amor. — Corri para abraçá-lo atrás de uma árvore que havia ali.
— Boneca. — Ele selou nossos lábios.
— Que saudade. — Sorri ao tocá-lo depois de tanto tempo.
— Eu também estava. Vem, eu preparei um lugar para a gente se encontrar à vontade. — Ele segurou minhas mãos e me levou até o tal lugar.
Era um local que parecia ser uma quitinete.
— É a casa de um amigo meu... Ele liberou para a gente se encontrar. — Ele explicou, e eu sorri.
— Você é um fofo, pensa em tudo. — Acariciei seu rosto.
— É, Lari, agora que pudemos nos ver. Você vai me dar o que prometeu, né?
Fiquei um pouco pensativa, até me lembrar do que tinha prometido a Bruno meses atrás. O clima entre nós esquentou, mas eu estava com medo de me entregar.
— Lembro sim... Bruno, eu te amo, e acho que já está na hora de darmos esse passo. — Ele sorriu em resposta.
— Obrigado por confiar em mim. — Ele envolveu suas mãos em minha cintura.
— Eu... Estou com medo. — Mordi os lábios, não para tentar sensualizar, mas sim de nervosismo.
— Você não precisa sentir medo.
Me deitei e ele foi todo gentil comigo. Eu não sabia que era tão bom
Uma semana depois.Larissa, narrando:Eu estava desesperada. Não podia ser verdade. Bruno não atendia mais minhas ligações, não respondia minhas mensagens. O que estava acontecendo, meu Deus?Terminei de arrumar a casa e me sentei no sofá da sala, tentando assistir a um desenho na TV, mas minha mente só pensava em Bruno.— Você vai pegar suas coisas e sumir da minha casa! — meu pai entrou em casa revoltado.— Mas, como assim, pai? — falei sem entender nada.— Bem que Melyssa falava, você não presta, Larissa! — desferiu um tapa em meu rosto.— O senhor é louco? Pode me explicar o que está acontecendo? — coloquei a mão em meu rosto.— Está todo mundo falando de você na rua, todos já sabem que você perdeu a honra com aquele tal de Bruno. Larissa... Você não têm vergonha não? Parece que eu criei uma prostituta!Peraí? Como assim todos sabem que eu fiquei com Bruno? Isso não pode ser verdade. Eu precisava acordar desse pesadelo.— Ah, você não criou uma prostituta. Você nunca me criou! — a
Larissa narrando:Peguei as poucas malas que tinha em mãos, me despedi daquela casa e recordei os poucos momentos felizes que tive com minha mãe. Talvez se ela estivesse aqui, tudo seria diferente.Sai do quarto, passei pela sala e, graças a Deus, a bruxa não estava lá. Não me despediria do meu "pai", porque para ele, se eu fosse embora, eu seria apenas um peso a menos em suas costas. Ele poderia ser feliz com sua amada bruxa, sem a filha bastarda para atrapalhar.Olhei ao redor da fazenda e vi aquela árvore. A árvore onde vivi os momentos mais bonitos com Bruno. Ah, Bruno, por que ele me abandonou? Será que há algo errado comigo? É difícil entender, muito difícil.Eu costumava acreditar que era a Cinderela e que Bruno era meu príncipe, que me tiraria da casa da minha madrasta e me levaria para seu palácio. Mas acorda, Larissa! Isso só acontece em contos de fadas. Minha realidade é essa, e não há como fugir dela.Estava prestes a colocar os pés na rua quando o carro que eu tinha chama
Larissa narrandoUma semana se passou desde a minha chegada ao Rio. Acordei me sentindo um pouco fora do lugar, afinal, havia passado tanto tempo dormindo na minha cama de casal que a adaptação seria difícil.— Bom dia — Luísa chegou quase gritando no quarto.— Que boa forma de me acordar — falei ainda sonolenta.— Vamos, levanta, come algo, que vamos à casa da minha mãe.— Tudo bem, vou me arrumar.De certa forma, eu estava feliz. Finalmente, eu tinha uma família. Minha tia e minha prima, por parte de mãe, eram um sopro de esperança. Por outro lado, meu pai continuava sendo um enigma. Por que ele nunca me amou? Essa pergunta ainda me atormentava.Levantei da cama, tomei um banho no pequeno banheiro do apartamento e vesti uma calça jeans preta com uma blusa branca e um par de tênis. Estava na hora de me adaptar às roupas que as pessoas usavam no Rio de Janeiro.Após uma refeição leve, composta por frutas, café e bolo, estava pronta para sair.— Vamos! — disse para Luísa, que estava oc
Rangel narrandoNós trocávamos olhares profundos, e a cada hora que ela me olhava, eu desviava o olhar, e vice-versa.Eu precisava descobrir quem era essa garota que estava mexendo com a minha mente, porque com certeza ela não era daqui do morro.— Alan — chamei meu parceiro e amigo de confiança.— Dá o papo, chefe.— Sabe quem é aquela mina? — apontei discretamente para a loira.— Ih, não tô ligado, Rangel. Só sei que ela tá com aquela ruivinha que tá de treta com o Júnior.— Ah — falei casualmente.— Mas por que quer saber, mano?— Não é da sua conta, não.Eu geralmente sou de boas, mas às vezes o Alan faz umas perguntas idiotas pra caramba.Fiquei no camarote, me pegando com algumas minas. Umas se esfregavam em mim e outras me beijavam. Era uma bagunça, admito, mas nasci para isso.Algum tempo depois, olhei ao redor. A loirinha não estava lá, mas a amiga dela estava se agarrando com o Júnior, meu melhor amigo. Como assim?Me levantei do camarote e me misturei com a galera, procuran
Larissa narrandoTrês semanas depois...— Luísa? — chamei enquanto minha prima corria para o banheiro.Fui atrás dela, e ela estava vomitando o café da manhã todo.— Você está se sentindo mal?— Estou, e muito! — fez uma careta de nojo.— Precisamos descobrir por que você está assim. — acariciei seus cabelos.— Eu não sei. — ela andou de um lado para o outro.— Hm... Vômitos, enjôos, dores abdominais...— Não, nem vem.— Gravidez, Luísa! Não finja ser tapada. — revirei os olhos.— Não pode ser eu... — pareceu pensar. — É, pode ser.— Ai, meu santo protetor das mulheres em apuros! — passei a mão entre os cabelos.— Porra, eu me mato, Lari!— Se mata nada. Eu vou ali comprar o teste de farmácia, e você me espera aqui se não quiser que eu te engarguelo com seu próprio cabelo. — disse, e ela riu fraco.Vesti a primeira roupa que encontrei e fui à farmácia perto dali. Não é possível que minha prima, uma moça da cidade, não saiba que não usar camisinha pode levar a isso! Jesus do céu.— Me
Rangel Eu a observava atentamente, essa loira estava mexendo com a minha cabeça. Nunca fui de me esforçar com garotas que faziam joguinhos, eu gostava daquelas que rapidamente se entregavam às minhas conversas. No entanto, com ela, estava tentando ser paciente."Porra! Tu é linda", falei para uma jovem daqui do morro."Obrigada, Rangel", ela sorriu, como se estivesse se achando."Bora lá para a minha casa?""Vamos."A levei até meu barraco. Depois de uma noite intensa, percebi que ela era inexperiente, mas mesmo assim, era incrivelmente atraente."Quantos anos você tem, morena?", perguntei enquanto vestia minhas roupas."Dezoito."Sorri. "Essas garotas novas são encrenca, mas são exatamente o tipo que eu gosto.""Você não vai ficar aqui comigo?", ela perguntou."Qual é, menina? Já fiz o que queria", pisquei para ela e saí.Essas garotas sempre acham que, depois de uma conversa, estamos prontos para pedi-las em casamento. Mas eu sabia que a realidade na favela era bem diferente.Volte
Um ano depois LarissaAs vezes as coisas acontecem sem a gente perceber. Cá me encontro morando com meu marido. Rangel.Talvez fosse a pior e a melhor escolha da minha vida. Nunca pensei que um dia iria me envolver com um traficante, que iria perder minha virgindade com o "amor da minha vida" e que ele me abandonaria , meu pai me expulsaria de casa e etc etc. Resumindo, eu nunca imaginei nada disso. Meu pai está na miséria. Soube por amigas que ele só anda bebendo e jogado por aí por causa de Melyssa. Isso mesmo, ela traiu ele com um homem que tinha mais dinheiro.Ai pai, como eu queria estar do seu lado e dizer : Eu avisei!Ao mesmo tempo queria te ajudar e dar todo meu apoio de filha... Mas eu nem sequer para ele, nunca fui a sua filha. Meu relacionamento com Rangel não é o melhor de todos . Isso com certeza não era. Mas eu aprendi à amar ele tanto , esse amor transbordava em mim que eu não conseguia explicar. Eu me tornei dependente dele e isso m
Hoje era o meu aniversário, um dos muitos que planejava celebrar ao lado de Rangel. Acordei coberta de beijos por ele, com seu braço sobre mim, apertando minha cintura e me beijando. — Feliz aniversário — ele sussurrou no meu ouvido. — Obrigada, meu amor! — Pra você, o que a rainha deseja no café da manhã? — Rangel — ri. — Você nem sabe fritar um ovo. — Ah, vou comprar coisas, você vai ver — ele disse, levantando-se da cama. Enquanto ele se arrumava, eu permaneci deitada, cansada de uma noite exaustiva. Rangel estava se arrumando e escovando os dentes. Ele vestiu uma camisa e estava prestes a sair do quarto. — Para onde você vai? — perguntei. — Na padaria, tchau. Ele saiu, e eu fiquei deitada, reclamando em silêncio. Rangel podia ser bruto, mas, tirando isso, eu estava muito feliz. Afinal, estava completando dezoito anos. Mais tarde, Rangel voltou com várias coisas e preparou o café da manhã. A felicidade se refletia nele quando ele era romântico, o que acontecia raramente.