Ainda sobre mim

Lembro-me de que papai disse que minha irmã era um grande presente de aniversário para mim e, a partir de então, todas as festas foram compartilhadas.

Gen responde com a maior boa vontade todos os seus planos e eu apenas digo que não tenho muitos planos por enquanto — apenas passar um tempo com eles e Gabriel. Fixo minha atenção no grande lustre de cristal, mas minha mãe continua olhando para mim. Acho impressionante como parece que mamãe é contra a minha felicidade. Quero dizer, eu e Gabriel somos aceitos por milhares de fãs ao redor do mundo, mas renegados pela minha própria mãe. Chega a ser ridículo.

Eu amo meu namorado. Qual o problema nisso?

— Angel — Cristina, agora ao meu lado, sussurra. — Quando o Biel vai voltar? Estou com saudade dele — ela faz beicinho. Cris aprendeu logo que o nome do meu namorado não deve ser pronunciado em voz alta perto de mamãe, porém ela não deixa de gostar dele por decreto algum.

— Logo — sussurro e sorrio. — Aí eu a levo para vê-lo, ok?

Um sorriso cresce em seu rosto e minha irmãzinha assente, voltando a prestar atenção ao assunto sobre o próximo festival de dança de que iremos participar. Mamãe fala com tanto entusiasmo sobre o desempenho da minha irmã mais nova no balé que Cris se encolhe toda envergonhada quando papai a elogia.

Minha mãe é professora de balé clássico, o que influenciou diretamente no fato que todas as suas três filhas se dedicaram à dança desde cedo. No entanto, quando cresci um pouco mais, decidi mudar de balé para jazz e minha mãe quase não conseguiu conter sua decepção. Creio que ela só não me desencorajou totalmente porque todas as formas de arte são bem-vindas nessa casa, exceto meu namorado, e jazz é tão artístico quanto balé. Mas sei que até hoje ela está magoada por eu ter trocado a forma clássica pela moderna.

Entretanto, a professora e mãe Viviana pode se orgulhar de suas duas outras filhas nesse quesito.

A hora passa demoradamente até que papai precisa resolver assuntos “urgentes” de trabalho. Subo correndo para o meu quarto e me jogo em minha cama. Pego o meu celular e sorrio com a foto de bloqueio de tela. É a mesma que está em um dos porta-retratos espalhados pelo meu quarto: eu estava sentada no colo de Gabriel na piscina e ele me abraçava. Eu segurava seu rosto próximo ao meu enquanto fazíamos careta. Era um dia de sol e só estávamos juntos porque o acompanhei em sua turnê durante um tempo. Dois loucos apaixonados viajando por lugares lindos.

Disco rapidamente seu número até que atende.

— Oi, amor! Voltei! — cumprimento-o sorrindo.

— Oi, fofa — vejo-o sorrir. Observo meus pés no alto, balançando. — Tudo bem? Sua mãe brigou com você?

— Minha mãe reclama de tudo que tem a ver com nós dois, Biel. Não se preocupe com ela. Eu estou muito bem — reviro os olhos e ouço sua risada nasalada.

Mudo de assunto e a conversa flui naturalmente. Conto sobre o vestido, sobre o festival de dança e um dos livros que terminei de ler. Gabriel me conta sobre os últimos shows e gravações e fala com certa expectativa sobre suas férias.

Infelizmente, não podemos estender muito nossa conversa, já que Gabriel precisa se preparar para uma entrevista. Odeio me despedir dele. É como se toda a saudade que deveria ser extinta com a sua voz fosse, na verdade, alimentada. Eu sinto a sua falta por completo: seu abraço, seu cheiro, seu carinho, beijo, mãos, voz, olhos, de acordar ao seu lado e até das nossas discussões esporádicas.

Preciso dele aqui.

Batidas na porta me tiram dos meus pensamentos e Junia entra no meu quarto sorrindo para o nada. Apoio o peso do meu tronco pelos cotovelos e arqueio uma sobrancelha, rindo da sua expressão.

— Que cara é essa? — questiono.

Esse sorriso só pode significar duas coisas: ou algo muito bom aconteceu, ou ela está apaixonada. Gen se senta ao meu lado e me encara com um sorriso maior. Do nada, ela enrubesce e esconde o rosto com as mãos, rindo.

— Tenho que lhe contar uma coisa — minha irmã cruza as pernas e segura o seu celular com as duas mãos. Sento-me para prestar o máximo de atenção possível. — Lembra que há umas semanas eu fui para o pub? — assinto. — Reencontrei com um cara sensacional e não paramos de conversar e sair desde então. Ele é lindo, Angel! Os olhos verdes, o cabelo loiro escuro, aquele olhar sexy e o sorriso perfeito! — cruzo os braços, desconfiando, mas ela se apressa em explicar. — Nós já nos conhecíamos, ok? Ele é filho de um dos sócios do papai.

Arqueio uma sobrancelha. Conheci muitos filhos dos amigos de papai, principalmente por causa das confraternizações da empresa. Não me lembro de nenhum que se enquadre nessas características.

— Qual o nome dele? — pergunto.

— Guilherme — Junia suspira. — Ele me chamou para sair amanhã — um sorriso rasga seus lábios.

Não perco a oportunidade para provocá-la e brinco:

— Minha irmãzinha está crescendo! — aperto suas bochechas.

— Pare com isso. Eu já tenho dezoito — ela empurra minhas mãos. — Estou com medo de falar para a mamãe.

Sua confissão faz meu estômago se retorcer. Claro que Gen tem medo de como minha mãe vai reagir. Ela sabe como mamãe trata Gabriel. No entanto, um dos motivos pelos quais minha mãe odeia Biel é o fato de que ele não é justamente um filho dos amigos de papai.

— Creio que mamãe não terá o menor dos problemas com Guilherme. Se ele faz parte do círculo que ela tanto gosta, não há por que você se preocupar tanto — tento tranquilizá-la.

— Eu sei... É só que eles vão jantar juntos essa noite e eu queria que nossos pais gostassem dele antes mesmo de saber qualquer coisa entre nós — minha irmã faz beicinho.

— Se eles vão jantar juntos, é bem provável que todos já se deem bem, Gen. Relaxe. Deixe-os se divertirem e depois você conta. Mesmo que a mamãe não goste dele e vocês se gostem de verdade para decidirem ficar juntos, a desaprovação dela não será um problema. Olhe só para mim e para o Biel. Há quanto tempo já não aguentamos isso? — seus olhos verdes estão fixos nos meus. — Todas as tempestades passam.

Minha irmã sorri timidamente e fico feliz por conseguir ajudá-la.

...

Fico deitada no chão, segurando o lenço vermelho que representa meu sangue, enquanto Henrique, meu parceiro de dança, caminha para longe ao som dos últimos acordes de Bleeding Love.

— Muito bom! Adorei a sugestão — minha professora de dança diz ao avaliar nossas ideias para a coreografia do festival. — Descansem e, na próxima aula, continuaremos a montar a coreografia.

— Ok, Rachel — eu e Thom concordamos e batemos as mãos assim que me aproximo dele.

— Vamos arrasar, Thom — sorrio e ele assente.

— Sem dúvida.

Caminhamos entre risos e piadas até que meu parceiro se dirige ao banheiro masculino e eu vou para o vestiário para buscar minhas roupas no armário da academia.

— Eu sabia que aquele cara iria fazê-la “sangrar”. Por isso fiquei com você primeiro — meu corpo fica rígido, mesmo percebendo o sorriso em sua voz.

A voz.

A última voz que eu esperava, mas a que eu mais queria ouvir. Viro-me em sua direção só para ter certeza de que não estou sonhando.

— Que é isso, Mad? Parece que viu um fantasma!

Meu queixo deve estar quase no chão, mas o seu sorriso perfeito quase fechando seus olhos, divertindo-se com a situação, me leva a sorrir largamente e pular em seu pescoço.

— Biel! — seus braços envolvem minha cintura com força e o abraço com a mesma intensidade, selando nossos lábios várias vezes.

Suas mãos seguram com delicadeza minha nuca e os selinhos se transformam em um beijo sem pressa, como se quiséssemos matar toda a saudade acumulada com esse simples ato.

— Eu amo você tanto, babaca! — sopro quando ele me aperta com mais força contra si. — Por que não me avisou que vinha? Olhe o meu estado! — começo a dizer, apontando para o meu suor, e Biel ri.

— Por isso que eu não avisei — seu sorriso é contagiante. — Eu amo você, princesa.

Faço beicinho e o beijo novamente. Gabriel aproxima seus lábios do meu ouvido, arrepiando-me.

— A única pergunta é: que horas eu poderei levá-la lá para casa para poder matar a saudade? — ele provoca.

Fixo o meu olhar no seu rosto, analisando seu sorriso malicioso, e mordo o lábio. Não existe outro lugar em que eu gostaria de passar a noite, senão em seu abraço.

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