Solto as mãos de Henrique para me distanciar um pouco e me abano.
— Ai, ainda estou um pouco zonza — consto ao fazer uma careta.— É o efeito do coração partido... — Henrique provoca.— Vou esfregar na sua cara que, mesmo sofrendo, vou sair maravilhosa dessa situação — jogo meu cabelo completamente úmido de suor e ele dá risada. Henrique é meu parceiro há um bom tempo. Sempre temos alguma piadinha para provocar o outro.— Cuidado, hein, Madelinne... — Rachel avisa, mas tem um sorriso nos lábios. — Vamos. De novo! — ela volta a ordenar depois de espirrar água em nós dois....
— Amor da minha vida, o que aconteceu com você? — pergunto, olhando diretamente para seus olhos castanhos. Gabriel não olha para mim.Cruzo os braços e solto uma pequena risada ao ver sua expressão um tanto emburrada. Ao analisar os movimentos insistentes dos seus dedos batendo na perna, compreendo que Biel está nervoso. Mas ele não responde nada e continua olhando para a televisão.Como ajudar se ao menos sei o motivo de estar assim?Fico brincando com seus fios de cabelo próximos à nuca, sem deixar de analisá-lo.Respira, inspira. Respira, inspira.— O que aconteceu, Biel? Conte para mim — meu tom é baixo e aproveito para apoiar meu queixo em seu ombro. Essa tática sempre funciona.Meu namorado ainda não responde. Balança a cabeça, respira fundo e me encara. Só então decide abrir a boca.— Você se divertiu hoje? — ele aperta levemente minha mão. Tento ler a real intenção da pergunta em seus olhos, mas percebo que há certo interesse ali e seu sorrisinho de canto enfatiza isso. Repasso meu dia na cabeça antes de responder.— Sim! Eu e a Tess ficamos no shopping, conversamos muito e falamos sobre coisas importantes. Depois eu a deixei na casa dela e fui ensaiar com o Henrique — Gabriel desvia o olhar. — Ah, entendi tudo — viro meu corpo totalmente na sua direção e rio. — Que gracinha! Está com ciúme! — aperto suas bochechas.Gabriel revira os olhos antes de fixar seu olhar no meu.— Não é tão gracinha quando se está sentindo ciúme — responde.— Pare com isso, amor. Você sabe que é meu trabalho, sem contar que você conhece o Thom — faço carinho na sua bochecha.— Eu sei, mas não é divertido ver você passando a mão em outro cara ou vice-versa...Abraço meu parceiro por trás e deslizo meus dedos pelo seu abdômen. Henrique põe suas mãos sobre as minhas, desprende-se do abraço e me vira de costas para si. Ele repete meu movimento anterior e depois toma minha mão para que eu dê uma volta em mim mesma e caia em seus braços.“I don't care what they say. I'm in love with you.” (Não me importo com o que eles dizem. Estou apaixonada por você.)Nossos rostos se aproximam e acaricio sua bochecha. Sinto sua respiração em minha pele ao segurar seu queixo.“They try to pull me away,” (Eles tentam me afastar,)Desvio o meu rosto, dando sequência à coreografia, e Henrique deixa minha coluna ereta novamente. Empurra-me e giro algumas vezes.“But they don't know the truth.” (Mas eles não sabem a verdade.)Desabo no chão e esfrego a mão no peito.“My heart is crippled by the vein” (Meu coração está danificado na veia)Thom já está atrás de mim. Delicadamente, movimento minhas mãos num círculo imaginário ao meu redor antes de ele se agachar e se inclinar para frente. Minha coluna está a uns 120° e o nariz de Henrique quase toca o meu.“That I keep on closing.” (Que eu continuo fechando.)Seguro seu rosto como se quisesse segurá-lo perto de mim.“You cut me open and I...” (Você me corta e eu...)Henrique se levanta, indo embora, e me deito no chão.“Keep bleeding, I keep keep bleeding love.” (Continuo sangrando, continuo sangrando amor.)Viro a cabeça, colando o ouvido no chão. Estico os braços, fecho os olhos e impulsiono meu busto para cima, como se meu coração lutasse tanto para continuar batendo, mesmo com a dor, que a intensidade do batimento era tão forte como o sintetizador da melodia.Continuo me contorcendo enquanto Thom cuida da sua parte da coreografia. Abro os olhos e vejo Gabriel através da parede de vidro da sala: ele está com as mãos acima da cabeça, apoiadas no vidro, e analisa tudo que eu faço.“You cut me open...” (Você me corta...)Sento-me e olho pelo meu ombro, deixando meu cabelo cair sobre meu rosto.— É tudo uma performance, Biel. Não vejo motivos para ciúme — defendo meu ponto de vista, sem perder a calma.— Eu sei — ele respira fundo e desliza os dedos pela minha coxa. — É que... Sei lá... — Biel busca as palavras certas para descrever seus sentimentos. Talvez essa seja a tarefa mais difícil para alguém, mesmo que esse alguém componha o tempo todo sobre o que sente. — Eu só não posso controlar o que se passa na mente dos caras com quem você dança. Isso me incomoda.— Bom, primeiro que a maioria dos dançarinos são gays, o que já elimina a sua preocupação. São uns amores, mas jamais me verão de outra forma — explico. — E, segundo, eu pergunto: você acha que eu abriria mão de nós dois por causa de um único momento?— Não — ele se apressa em responder.— Obrigada. Agradeço a confiança — umedeço os lábios. — Eu já traí sua confiança alguma vez? — Gabriel nega com a cabeça — Então relaxe. Ok? Até porque eu tenho muito mais motivos para ficar enciumada e não fico. Já parou para pensar em quantas garotas o imaginam de todas as formas possíveis? Chega a ser assustador! — brinco, tentando fazê-lo sorrir.Consegui.— Eu amo você, Angel — meu interior vibra com a afirmação.— Eu também amo você, Gabriel — selo nossos lábios....
Já faz três dias que Tess me contou que iria se casar. Isso quer dizer que faz três dias que quase não me aguento de ansiedade. Minha amiga disse que o Jeff falaria com Gabriel sobre sermos padrinhos deles, mas pelo visto meu namorado não está nem com um terço da minha animação. Perdoável, visto que eu e Tess planejamos ser madrinhas uma da outra desde sempre e Gabriel não compartilha desse sonho desde o início.Pedir para eu esperar é uma tortura. Que horas eles vão chegar?!— Angel, pelo amor de Deus! Pare quieta — Biel pede depois que eu já me levantei do sofá umas dez vezes, troquei de canal cento e quarenta e oito mil vezes, procurei por chocolate na cozinha, mexi no I*******m, deixei o celular de lado, andei de um lado para o outro e fiquei olhando para o teto. — Estou ficando tonto vendo você andar de lá para cá.— Você não entende! — choramingo.— O que eu não entendo?— Eles vão se casar! Casamento. Tem noção do que é isso? E eu vou ser madrinha!— Amor, sente-se aqui, vai — ele tenta me acalmar e me jogo ao seu lado do sofá.Aconchego-me em seu abraço e observo o caderno em seu colo com o rascunho de alguma letra de música. Pego a caneta de sua mão e desenho um coração meio torto na borda da folha, enquanto ele afaga meus cabelos.Então o interfone toca.— São eles! — levanto-me num pulo e saio correndo para atender, o que assusta um pouco meu namorado. — Pois não?— Mad! — Tess sorri para a câmera do aparelho, mostrando todos os seus dentes.Solto um riso abafado e aperto o botão que abre o portão individual. Volto o aparelho no gancho e corro para a porta da frente, a fim de recebê-los à porta.Tess segura a mão de Jeff e ele segura algo com uma caixa na outra. Todo o caminho por que eles passam está iluminado com as luzes distribuídas pelo jardim. Esse caminho nunca demorou tanto.— Oi! — minha amiga me cumprimenta toda animada.— Oi! Oi, Jeff! — meu sorriso quase não cabe no rosto. — Entrem! — dou passagem.Gabriel vem cumprimentá-los e já sinto o clima de felicidade no ar. Não é necessário muito esforço para estarmos todos acomodados no sofá e envolvidos numa conversa animada.— Graças a Deus vocês chegaram! A Mad estava quase pendurada no teto de ansiedade — Biel me provoca, mas me abraça pela cintura.— A Tess só fala nisso o dia inteiro! — Jeff ri.— Eu quero ver a cara dela quando entregarmos o convite! — Tess se defende e eu imploro:— Então entregue!— Calma! Tem a introdução — ela limpa a garganta e começa. — Bom, eu e o Jeff já estamos juntos a um bom tempo e... — seu sorriso é direcionado para o noivo. — Vamos nos casar!— Isso é lindo! Parabéns! — respondo com toda a animação possível e acabo apertando tão forte a coxa de Gabriel que ele se contorce e tira minha mão dali.— Parabéns mesmo — meu namorado diz, contendo o riso. — Conte, Tess: como foi convencê-lo a se casar?— Precisei de muita paciência, mas tudo bem, né? Depois de cinco anos juntos, vamos finalmente nos casar — Tess ri e deita a cabeça no ombro do noivo.— Se eu não quisesse me casar, não casaria. Foi uma decisão por livre e espontânea pressão — Jeff abraça minha amiga enquanto ela revira os olhos, mas ambos sorriem.Não contenho o riso.— Brincadeira — ele continua. — Já falamos sobre vocês serem nossos padrinhos e tal, mas queremos entregar esse convite a vocês.Uma caixa um pouco menor que uma caixa de sapato nos é entregue e eu puxo o lacinho delicadamente trabalhado. Ela é num tom rosa bebê e, ao centro da tampa, as letras T&J estão dentro de um círculo de flores pequenas roxas, creme e amareladas. A fita creme harmoniza com todos os detalhes. Levanto a tampa e há uma mensagem colada ali:“Angel & Gabriel
Somos muito gratos por ter amigos como vocês, que torcem pela nossa felicidade, que nos ajudaram e que sonharam junto conosco!O dia do casamento é uma data muito alegre, emocionante, cheia de adrenalina e nervosismo.Por isso queremos ter vocês mais pertinho de nós neste grande dia que ficará marcado para sempre em nossos corações.Vocês gostariam de nos ajudar a tornar esse dia mais especial e completo?Aceitam ser nossos padrinhos?Amamos vocês!
Com carinho, Tess e Jeff.”
— Ai, meu Deus! Claro que aceitamos! — olho para Biel e ele sorri para mim.— Será um prazer — meu namorado acrescentaDentro da caixa, há alguns presentinhos: uma garrafinha que, segundo Jeff, tem vodca para Gabriel; uma outra garrafinha, mas mais delicada, com aromatizador spray; um sabonete em forma de rosa; uma almofadinha com um M bordado em rosa e três tons de esmalte rosa. Vou chutar que a cor do casamento é rosa.Há também um convite escrito: “Você aceita ser nossa madrinha?”. Ao abrir, a primeira coisa que noto é a palavra “Angel” bem grande no topo.“Sua amizade esteve presente em muitos momentos da minha vida, mas agora é a vez mais importante de todas e eu não poderia fazer isso sem você.É você quem eu quero ao meu lado para me auxiliar, aguentar, enxugar as minhas (e suas) lágrimas de alegria, comer bastante docinho, dançar muito e aproveitar a festa comigo. A sua presença é muito especial e importante para mim.”Meus olhos já estão marejados.No outro lado do convite, tem as informações necessárias para o vestido. Rosa, claro...— Ai, amiga! — vou até eles para abraçá-los enquanto seco duas lágrimas que escorrem pela minha bochecha. — Vocês não sabem como eu fico feliz por isso. Obrigada mesmo!— Nós que temos a agradecer — Tess me aperta contra si.— Menos ao Gabriel, né? Não é sempre que se dá vodca para os amigos — Jeff brinca, fazendo Biel rir.— Estou muito feliz por vocês dois, de verdade — meu namorado diz, estende a mão para Jeff e ele fazerem um toque.Fico paralisada ao mesmo tempo em que agarro os pulsos de Gabriel com toda a minha força. A sensação de pânico me faz querer chorar. Por isso me agarro ao meu namorado.— Calma. Respire — ele diz calmamente, ao me aconchega em seu peito. Ouço seus batimentos cardíacos tranquilos e agarro sua cintura. Dou um grunhido ao escutar mais um estrondoso trovão. — Shh... — Biel acaricia minha cabeça.Tento me concentrar no som do coração do meu namorado e ignorar a chuva que bate forte contra o telhado.Não tenho medo de chuva, até porque Londres e Paris devem ser os lugares mais chuvosos da face da Terra. O problema é que aceito uma inofensiva garoa fina numa boa, ao passo que odeio ter que ouvir trovões e olhar os raios iluminando o quarto escuro. Já perdi as contas de quantas vezes corri para a cama dos meus pais, desde pequena, quando os trov&otil
Não como nada no café da manhã. Só minha vitamina já consegue embrulhar meu estômago. Gen também não fala muito e decide me ignorar completamente, enquanto conversa com a mamãe. Cris é a única que sorri o tempo todo, principalmente porque Peyton assou fornadas de cookies por causa do aniversário de Junia e a garotinha não parou de comer até agora.– Ok, o que aconteceu com vocês duas? – mamãe pergunta diretamente para mim depois que Gen sai da mesa.Penso muito bem no que responder antes de abrir a boca e encaro a ruiva à minha frente. Não cabe a mim contar o motivo da briga.– A gente só discutiu. Vai ficar tudo bem.Saio da sala de jantar e subo para o meu quarto, pronta para pegar minha bolsa e ir para a Academia dar aula de dança para crianças....Passo p
– Angel de Oliveira – ele vai fazer. Biel tira uma caixinha do bolso. Ele vai. Meu coração quase explode no peito de tão acelerado. Senhor, ajude-me! – Eu sei que você prefere que nossos melhores momentos aconteçam quando estamos só nós dois. Por isso achei que agora seria o melhor momento – calor. Estou com muito calor. – Desculpe não poder ajoelhar, mas... Você aceita ser a futura senhora O'Connor?Incrédula, fico olhando para aqueles olhos castanhos boquiaberta, procurando algum sinal de brincadeira ou qualquer coisa do gênero. O anel dentro da caixinha preta é lindo, todo cravejado. Sinto a maçã-do-amor revirar na minha barriga, então minha ficha cai. Preciso responder alguma coisa. Em vez disso, começo a rir de desespero.– Claro que quero, Gabriel! Não me assuste mais, pelo amor de Deus! – percebo que estou trem
— Angel, eu estou tentando ajudar — ela tenta tocar meu ombro, mas recuo novamente por pura raiva.— Pare! — grito. — Não preciso da sua ajuda. Eu sei o que estou fazendo!— Quando você estiver chorando por não ter alternativas, me agradecerá por ter avisado.— Eu não vou deixar o Gabriel! Vamos nos casar e ninguém vai impedir — as lágrimas que tentei segurar escorrem quentes pela minha bochecha. — Qual o problema em ficar feliz por mim uma única vez?— Nenhum! Mas eu sei do que estou falando, Angel! Eu não vou poder protegê-la da verdade para sempre! — minha mãe continua dura, mas sei que está tentando se conter para não desabar aqui mesmo. — O que você decidir agora vai mudar a minha vida também.Essas palavras chegam aos meus ouvidos como se fossem um tapa da realidade. Eu nunca ouvi
Enquanto passo pelo corredor para chegar ao meu quarto, ouço a voz de minha mãe atravessando a porta:— E você acha que eu quero que minhas filhas passem por isso?!— Fale baixo, Viviana! — papai a repreende e não ouço mais nada.Tenho vontade de invadir o quarto e mandá-los ficar quietos. Gostaria de saber que raio de segredo é esse que eles estão escondendo, mas, nesse momento, não posso fazer dessa briga minha prioridade.Entro de uma vez no meu quarto e já ligo para Gabriel.— Você não está bem, né, princesa? — ele questiona depois que eu o cumprimento.— As coisas aqui em casa não estão bem desde... — solto todo o ar preso em meus pulmões e agarro meu travesseiro.— Desde que noivamos — Biel completa. Prendo a respiração.Sei que ele sabe que essa é
— Justo — ela põe a mão sobre a barriga bem saliente e toma seu suco natural.— Cuidado, Biel — o guitarrista de topetinho avisa. — Você ainda tem tempo para fugir. Só não vale largar no altar.— Está doido? Só com uma explicação muito boa para me deixar depois desses anos todos — retruco.— Ah, é? — Gabriel enrosca seus dedos nos meus.— Sim. Se você começasse com graça, eu o faria engolir esse anel.— Que violência. Meu filho não pode ouvir isso — Alicia brinca, fazendo-me rir....Destranco a porta de casa e o aroma de café da manhã chega aqui.— Ele não pode fazer isso comigo! — a voz de Junia está alterada de uma forma que nunca ouvi antes, mas sem dúvida é ela. A raiva é mi
– De novo! – Rachel grita e volta alguns segundos da música.Respiro fundo ao me afastar novamente de Henrique. Não estou com muita paciência para fazer trezentas vezes a mesma coisa, porém é exatamente o que minha professora quer que façamos.Suor escorre pela minha cabeça até a nuca e reforço o meu rabo de cavalo, prendendo bem cada fio de cabelo. Tenho certeza de que estou vermelha e que Henrique percebeu que há algo errado.Para ajudar a lidar com todo o estresse, a voz de Leona Lewis me faz ter mais raiva ainda. Não sei ao certo como me sentir. Só sei que é algo como fúria, descontentamento, tristeza e medo. Estou com muita vontade de gritar.Movo o meu corpo, marcando bem cada movimento, da mesma forma que vi Viviana fazer noites atrás. Movimento-me em perfeita sincronia com meu parceiro até que a letra da música me faz paralisar
Por isso desabafo:– Só que, se ele acha, e ele nos acompanha de perto, por que outras pessoas não pensariam? Por que você não pensaria, se nem ao meu pai eu consigo convencer?– Porque, se eu pensasse isso de você, nós não estaríamos aqui agora tendo essa conversa. Se eu pensasse isso de você, a gente não teria essas alianças no dedo – ele alcança minha mão para apertá-la suavemente. – Angel, se eu sequer suspeitasse de uma coisa dessas, não existiria um “nós”.– Acho bom. Porque eu te amo mesmo e, se você não acreditasse, eu iria ficar extremamente chateada. E sabe o quanto eu odeio ficar chatead. – seu riso nasalado toca minha bochecha. Apesar de todas as suas palavras de consolo, ainda sinto que preciso de mais.Preciso de mais não porque não acredito nele. Preciso de mais porqu