Saíram do hospital em direção ao ponto de ônibus de volta para casa, em silêncio, elas pareciam que estavam indo ao velório de um parente próximo. Mara estava chocada, não acreditava; o circular passava rua por rua, praça por praça, cada vez se aproximando mais de casa. Por um lado, Mara estava alegre, desejava muito ver Alfredo. Depois de uma viagem longa chegaram, já estava entardecendo, a terra deixava escapar os últimos raios solares vermelhos alaranjados no poente, semelhante a um animal feroz que vai engolindo um pássaro e ficam faltando apenas as últimas penas das asas.
Elas entraram em casa, Mara foi direto ao seu quarto, ela não sentia fome; além do mais, teriam que conversar com seu pai, o que não era tarefa fácil. Ela preferiu deixar para sua mãe, que tinha um jeitinho especial para essas coisas, caso fosse indagada se estava sentindo algum incômodo, era só dizer que estava cansada, o que seria a mais pura verdade.
Ninguém a incomodou e um sono pesado a tomou, acordando apenas ao som intermitente do relógio despertador indicando que era hora de ir à escola. Lá, havia um grupo de meninas próximo ao portão, e, assim que chegou, foi cercada com inúmeras perguntas, mas sua resposta de que fora ao médico para exames de rotina contentou a todas.
Foi no intervalo do recreio que Mara pôde ver Alfredo, que estava preocupadíssimo com a sua falta à escola. Mara lutou para não dizer nada, apenas se limitou a dizer que era exame de rotina. Ela sabia que no parquinho desativado era o melhor lugar para lhe dar a boa noticia, pois era uma intimidade deles que só a eles competia naquele momento.
Logo que chegaram ao parquinho Alfredo a abraçou. Os beijos eram com paixão, e, depois de alguns minutos de trocas de carícias, Mara disse:
– Alfredo, eu tenho uma boa noticia para você!
– O que é?
Mara retirou do bolso de sua calça jeans uma folha de papel, desdobrou e entregou a Alfredo. Ele a pegou, olhou, olhou, por fim disse:
– O que é isto?
Mara agora estava feliz, o impacto da surpresa do dia anterior havia passado, afinal de contas ela ir ser mãe, aquela criança que ela estava gerando em seu ventre era o fruto do mais perfeito amor, com toda certeza todos eles seriam muito felizes.
– Não sabe o que é?
– Não faço à mínima ideia, Mara!
– Eu fui ao médico ontem, e fiz este exame de sangue, que contatou que eu estou grávida!
Alfredo deu um pulo, do tubo de cimento onde estavam sentados, piscou os olhos várias vezes, como a confirmar que estava onde estava mesmo, depois passou as costas da mão direita pela boca e exclamou:
– Grávida?! Como é?
Mara sorriu, e afirmou:
– Eu também me assustei, mas é verdade!
Alfredo ficou andando de um lado a outro do parquinho, olhando o chão, coçando a cabeça com os dez dedos das mãos,dizendo:
– Meu Deus, não é possível! Como foi acontecer isso? Mara apenas o observava sentado no tudo de cimento, ela
sabia, iria demorar um tempo para que ele se acostumasse com a ideia. Ela também ficou atordoada com a noticia, mas logo ele aceitaria e tudo entraria em encaixe novamente.
– Mara, o que vou fazer? - não tenho emprego fixo, precisa alugar uma casa, precisa-se de moveis!
– E falar com meu pai!
– Falar com seu pai, como assim? Ele não sabe?
– Ainda não, Alfredo, só minha mãe!
Mara viu Alfredo passar de assustado para extremamente aterrorizado, andando de um lado para outro. Mara estava para
propor que fossem para casa, descansassem e no outro dia voltassem a falar no assunto, isto daria a ele o tempo necessário para se acalmar, e enfrentar as dificuldades, mas quando foi falar, ele a antecedeu:
– Mara só existe uma saída!
Para dar a ele a oportunidade de expor sua ideia, ela disse:
– Qual?
– Abortar!
Agora foi Mara que deu um pulo do tubo de cimento onde estava sentada; branca como uma vela, olhos arregalados, boca semiaberta e exclamou:
– Abortar? Como assim, abortar?!
– É, Mara, quem sabe na próxima gravidez eu já tenha um emprego fixo, alugado uma casinha e mobiliada, aí teremos a criança!
– Você está louco, Alfredo, eu não vou abortar de jeito nenhum, essa criança é fruto do nosso amor!
Alfredo continuava a andar de um lado para o outro. Diante da exclamação de Mara, ele disse:
– Está bem, se você não quer o que eu posso fazer, vou pensar em alguma coisa!
Seguiram lado a lado até bem próximo à casa de Mara. Assim que entrou em casa, sua mãe aproximou o mais rápido e indagou:
– Conseguiu falar com o rapaz?
– Falei mãe!
– E ele?
– Está apenas um pouco assustado, como eu fiquei ontem, mas disse que vai pensar em uma solução!
– Ah, meu Deus, Mara, espero que seja um rapaz responsável, senão estaremos em uma encrenca terrível!
Depois do almoço, Mara ajudou sua mãe nas tarefas domésticas. Por fim foi para seu quarto, o sono veio, ela não viu seu pai, acordou apenas de manhã para ir à escola.Na escola ela não viu Alfredo na entrada, certo temor começou a tomar conta de si, mas ela pensou, bobagem, ele pode ter se atrasado e entrará na segunda aula. Ela estava ansiosa pelo horário do recreio quando eles se encontrariam, mas no intervalo do recreio ela não o encontrou em parte alguma. Perguntou a alguns alunos da classe de Alfredo, e eles informaram que ele havia faltado.As últimas aulas foram um tormento, ela via os professores à frente da classe, mas não os ouvia, e o horário parecia uma eternidade, as horas não passavam, seu pensamento vagava. Por fim a sirene tocou anunciando o fim das aulas naquele pe
Mara sentia o vento agradável no rosto fazendo seus cabelos passarem dos ombros para as costas, às vezes o sentia forçar o guidão para fazer uma curva à direita ou à esquerda, e ouvia durante todo o trajeto ele assobiar uma canção que ela nunca soube a letra, talvez uma canção da época de sua juventude. Primeira parada, como um ritual, a sorveteria, depois de descerem e se aproximarem do balcão, ele dizia para ela escolher quantas bolas de massa e o sabor do sorvete. Ele escolhia o seu e ambos sentavam-se em cadeiras plásticas brancas do lado de fora sob uma cobertura metálica, onde podiam ver o movimento na rua. Quando terminavam, ele sempre a orientava a não dizer nada para sua mãe a respeito do sorvete, Dona Abigail não aprovava que Sr. José desse sorvete a Mara; ela afirmava que esse era o motivo de Mara estar às vezes gripada. Montava-se novamente na bicicleta e a próxima parada era o supermercado, e, com algumas sacolas pl
Cautelosa, Abigail ia aos poucos tecendo um sábio diálogo, era como suas costuras na máquina, ela começava costurando as beiradas dos tecidos e por fim formava-se uma bela peça de roupa, e ela esperava com aqueles comentários amenizar o choque que José sofreria ao saber da novidade, pois ele amava demais a filha única e era capaz de fazer o impossível para ver o sorriso espontâneo no rosto de sua amada Mara. Depois de muitos rodeios, Abigail disse:– José, sabe aqueles exames que eu levei Mara para fazer? José se impacientou, moveu-se rápido no sofá e instantaneamente indagou:
Já eram altas horas quando ela, ainda acordada, ouviu o barulho dele chegando. Sua mãe foi recepcioná-lo na porta da sala, carinhosamente mostrando preocupação e o indagando sobre o horário, porém ele se limitou a dizer asperamente que estava chegando naquele horário porque esperava que todos estivessem dormindo. Ele novamente deixou claro que não desejava de maneira alguma ver Mara novamente, e aproveitou para indagar a mãe sobre quando Mara desocuparia a casa. Elas novamente passaram a noite em claro, e, pela manhã antes que ele fosse ao trabalho, Mara ouviu seu pai indagar asperamente sua mãe se Mara sairia da casa naquele dia. Sua mãe tentou dialogar sobre a dificuldade do moço que fora a São Paulo procurar um emprego, mas Sr. José não permitiu que Abigail terminasse a exposição, cortando-a asperamente com um grito, coisa que ele nunca fizera em toda vida de casado, bradou dizendo:
Sua mãe não esperou mais que um segundo, saiu novamente pela porta da sala para a calçada, esperou Mara fazer o mesmo, já trancando a porta por fora e saindo em passos rápidos, seguida de perto por Mara. Muito rápido chegaram e pararam no ponto de ônibus do bairro; não houve diálogo até entrarem no circular, passarem pela catraca que estava sendo vigiada por um cobrador obeso, de cabelo encaracolado negro e um espesso bigode, vestido com o uniforme da empresa, que só fez um pequeno gesto de simpatia após o recebimento do dinheiro referente às duas passagens. Mara percebeu sua mãe procurando assento bem ao fundo no circular, com certeza ela esperava aproveitar o tempo sentadas inertes durante a viagem para lhe explicar o que estava acontecendo.
O sonhado sábado chegara. Mara se levantou cedo, fez o café e logo Dona Zilda chegou à cozinha, pois não trabalhava aos sábados, e as duas tomaram o café sentadas em lados opostos da mesa. Zilda se mostrava cada vez mais amável, os diálogos agora fluíam com facilidade, não havia mais aquele receio de se expressar, Mara estava sentindo-se à vontade com Dona Zilda. Não demorou muito e ouviram-se palmas vindas da frente da residência. Mara saiu apressadamente pela porta da sala, deixando-a aberta, avistando sua mãe parada à frente do portão social pelo lado de fora. Logo que foi aberto, Mara sentiu o forte abraço parecendo que quebraria seus ossos, e, depois de algumas perguntas em torno de como passara a semana, elas entraram na residência onde Zilda aguardava no limiar da porta da sala. As anciãs trocaram abraços e perguntas recíprocas de como passaram a semana, e depois rumaram para a cozinha ande Abigail uniu-se a elas para tom
Mara sentia que o hospital havia sido transferido para a lua, tamanho o desespero, em um momento ela ouviu a voz do motorista dizendo, já chegamos, só falta estacionar. Neste momento um líquido lhe molhou toda, o médico havia lhe alertado sobre este momento, ela sabia o que estava acontecendo, então disse para Zilda que a bolsa estourou. Quando o motorista ouviu isso, parou no meio do estacionamento do hospital, abriu as portas do veículo, e saiu gritando em direção ao balcão de atendimento que estava com uma mulher no carro em trabalho de parto. Isso fez com que algumas enfermeiras de posse de uma maca corressem o mais rápido possível, acomodassem Mara sobre a maca e corressem para a sala de parto.Na sala de parto transferiram Mara para uma cama especial em uma posição ginecológica com a cabeça elevada, ela foi orientada para que p
Mara aprendeu o trabalho rápido, primeiro porque ela se esforçava sempre pensando em Gabriel, segundo porque ela sempre ajudou sua mãe nas tarefas diárias. Em casa ela cuidava das roupas de Gabriel e também ajudava Zilda nas tarefas da casa. Mara passou na experiência de três meses e foi contratada no lugar de Zilda quando Gabriel já estava com alguns meses.Zilda acordou com pequenos ruídos na madrugada de domingo, levantou-se e pela fresta da porta do quarto, viu na sala Gabriel arrumado deitado em um dos sofás, Mara bem-vestida de pé inclinada fechando o zíper de uma enorme bolsa que estava sobre o sofá ao lado. Zilda sentiu seu coração apertar, depois de tudo que ela tinha feito por Mara, apesar de que sua mãe sempre lhe ensinou fazer o bem sem olhar a quem e nunca esperar recompensas, mas era muito injusto o que Mara estava faze