Mara não dormiu, pensando em Alfredo, em como poderia avisá-lo de sua ausência na escola; por fim chegou à conclusão que não tinha outra saída, principalmente porque ela sairia bem cedo, viajaria no mesmo circular com sua mãe e seu pai. O jeito era esperar que Alfredo, ao perceber sua falta, apenas esperasse a sua volta à escola no dia seguinte. Caso ele viesse à sua casa, ela tentaria explicar para a mãe que eram apenas amigos do mesmo grupo de trabalho escolares. Mesmo assim o sono não veio, até que sua mãe a chamou na porta do quarto, dizendo que se levantasse e se aprontasse para saírem.
Ainda estava muito escuro, ao ponto de não se ver outra pessoa. Próximo na calçada, seu pai com uma bolsa a tiracolo, caminhava à frente, e sua mãe, após fechar o portão, apressara o passo procurando se aparelhar a ele, e Mara andava pensativa logo atrás. Entraram no circular que saiu logo em seguida, passando rua por rua, parando em diversos lugares, deixando a impressão que ganhavam por quilômetro rodado e por parada efetuada. Depois de uma hora, sacolejando como se estivesse em um pequeno barco em alto mar, sentindo que tudo dentro da barriga estava como que solto, chegaram ao centro. Seu pai havia descido há uns dois pontos.
Mara desceu do ônibus seguindo de perto sua mãe, depois de andar mais alguns quarteirões avistou o enorme hospital estadual, tomando todo o quarteirão. Era longe na verdade, mas sua mãe dizia que a pessoa chegando ali, saía curada ou no caixão. Referia-se ao fato de o hospital ter também laboratórios, e conforme a solicitação dos médicos em caso de urgência, os resultados dos exames pedidos de manhã, ficavam prontos no início da tarde. A pessoa voltava ao consultório médico, saia com o diagnóstico e a receita para aquisição dos remédios, coisa que em outros lugares poderia demorar semanas ou até meses.
Mara acompanhou sua mãe até um balcão, onde foi marcada uma consulta com o clínico geral. Passaram por uma sala, onde uma enfermeira mediu sua pressão, anotando em uma ficha. Saíram para um corredor enorme onde havia bancos de madeira por toda extensão, sentaram-se. Ao longo de todo o corredor havia também diversas portas de acesso aos consultórios. Já havia diversas pessoas sentadas, e sua mãe logo iniciou um diálogo com uma senhora ao seu lado. Mara ficou olhando a parede sua frente, seu pensamento apenas em Alfredo, em como ele agiria ao perceber sua falta, no fundo sabia que aquele barraco que seu pai havia armado; fazendo sua mãe sair de madrugada para levá-la ao hospital como se ela tivesse uma doença grave era pura perda de tempo, ela sabia que aquilo não teria resultado nenhum, ela não sentia nada, apenas a ânsia de vômito, mas isto talvez por estar com certa sensibilidade no nariz.
Logo se abriu uma porta e uma voz masculina e bem grave vinda de dentro da sala chamou um nome feminino, uma mulher entrou, a porta se fechou e um silêncio terrível reinou no corredor. Depois de um tempo a porta se abriu, a mulher saiu, a voz chamou outro nome, foi assim até que a voz chamou o nome de Mara. Ela e sua mãe entraram no consultório e um homem de meia idade, cabelos grisalhos, vestido com um jaleco branco, estava sentado em uma cadeira por trás de uma mesa. Assim que elas entraram, ele pediu gentilmente que se sentassem, escreveu alguma coisa em um papel sobre a mesa, e por fim levantou os olhos e indagou o que estava acontecendo. Mara já ia dizer que não estava sentindo nada; mas sua mãe tomou a frente relatando as duas vezes que Mara havia vomitado. O médico balançou a cabeça como que concordando, levantou-se, veio em direção a Mara, acomodando em seus ouvidos um aparelho semelhante ao fone para se ouvir música, pousou a extremidade do aparelho semelhante a uma moeda nas costas de Mara, ouviu por um tempo, depois com seu dedo indicador pressionou a pele por baixo do olho fazendo com que Mara arregalasse mesmo sem querer o olho. Ele clareou a pupila do olho de Mara com uma pequena lanterna, enfiou a mão no bolso do jaleco tirou um palito de sorvete, pediu que Mara abrisse a boca, pressionou a língua, clareou a garganta e ficou olhando lá dentro como que desejasse ver o estômago de Mara; depois voltou para sua mesa e disse:
– Vou pedir um exame de sangue com urgência, passa lá no balcão e marca o retorno à tarde, quero ver este exame ainda hoje!
Saíram do consultório, passaram no balcão e marcaram o retorno à tarde; seguiram por um extenso corredor até chegar a outro balcão, onde sua mãe apresentou o pedido do médico. Elas aguardaram até que uma enfermeira a chamou. Mara entrou em uma sala, onde uma enfermeira retirou o seu sangue e, depois de algumas anotações, a enfermeira disse:
– Volte no início da tarde, para retirar o exame!
Mara saiu, seguindo sua mãe pelo corredor, ao final, já vendo o movimento na rua, sua mãe lhe perguntou:
– Quer um lanche? – Ela sabia que Mara adorava o cachorro-quente com batata palha.
Depois de lancharem, e terminado o refrigerante gelado, ficaram sentadas em cadeiras plásticas por um bom tempo olhando o intenso movimento dos pedestres se atropelando pelas calçadas, Mara só pensava em Alfredo, como estaria ele.
Abigail se levantou e Mara imitou-a. Seguiu-a novamente hospital adentro até o balcão onde a enfermeira entregou à sua mãe um envelope branco selado. Por outro corredor, seguiram até o consultório onde passariam novamente pelo médico. Sentaram-se novamente no mesmo banco de madeira e aguardaram até que, depois de algumas chamadas, chegou novamente a vez de Mara. Elas entraram no consultório e o mesmo médico, sentado atrás da mesma mesa, esticou a mão e sua mãe lhe entregou o envelope. Ele abriu e leu sem nenhuma emoção aparente no rosto, depois disse:
– Mara, aguarde lá fora um minutinho, eu já libero sua mãe!
Mara saiu ao virar-se para sentar-se no banco de madeira viu sua mãe fechando a porta do consultório, pelo jeito o médico não desejava que ela ouvisse a conversa que ele teria com sua mãe. Foram os cinco minutos mais angustiantes que Mara passou em toda sua vida. A princípio ela pensou, será que estou com alguma doença grave, mas neste caso, teria que ser eu a primeira a ser informada, afinal de contas, ano que vem serei maior de idade.
Ela não imaginava que as estrelas do seu céu naquele momento estavam caindo uma por uma, e que por fim cairia a sua lua, e, quando amanhecesse, até mesmo o sol teria caído do firmamento, e sua vida entraria em espiral.
Depois de uns cinco minutos a porta do consultório se abriu lentamente, sua mãe apareceu branca como uma vela, ficando emoldurada pelo batente da porta por alguns segundos. A muito custo se arrastou até onde estava Mara, que, assustada, indagou:
– Mãe, a senhora está bem?
Houve um resfolegar por sua mãe, ao acomodar-se no banco de madeira, depois ela passou a palma da mão pela testa como a tirar todo o pensamento negativo de sua mente. Os minutos se passaram sem que ela conseguisse falar, até que por fim ela disse:
– Mara, sou sua mãe, e preciso que você seja muito sincera comigo agora! Vou lhe fazer uma pergunta, por favor, me responda a verdade! – Procurando olhar bem dentro dos olhos de Mara, ela sabia que quando sua mãe agia assim a coisa era muito seria, mas, contudo, era melhor falar a verdade.
– Mara, você tem um namorado, ou tem saído com vários moços?
– Oh, mãe, o que a senhora quer dizer com isso?
– Eu disse para me responder a verdade! Seja qual for, quero a verdade!
– Por que a mãe está perguntando essas coisas?
– Mara, um namorado, ou vários?
– Tá bom mãe; tenho um namorado! Por quê?
– Menos, mal! – Afirmou Abigail.
– O que a senhora quer dizer com isso?
Abigail estendeu para Mara a folha de papel aberta que o médico acabara de ler, e disse:
– Você está grávida Mara!
Mara deu um pulo no banco e, apesar de ter a pele vermelha de índia, ela ficou branca como um fantasma. A boca aberta, os olhos arregalados olhando sua mãe, como a ver um ser de outro planeta. Depois exclamou ainda espantada:
– Não pode ser mãe, o médico está errado!
– Pega seu exame de sangue e mostra a outro médico e ouça o que ele diz! Eu disse o mesmo no consultório, e o doutor chamou outro doutor que passava no corredor de trás, entregou o exame e pediu que dissesse o que estava indicando o exame de sangue, e resposta foi a mesma! Mara, como é este rapaz? É boa pessoa? Pertence a uma boa família? É trabalhador?
– É mãe!
– Onde você o conheceu?
– Na escola!
– Mara, me diga a verdade! Você acredita que ele assumirá a responsabilidade?
– Creio que sim, mãe!
– Então vamos fazer assim, não vou dizer nada a seu pai ainda; direi a ele que o resultado do exame sairá semana que vem. Amanhã você procura o moço, ele assumindo, precisará vir falar com seu pai!
Saíram do hospital em direção ao ponto de ônibus de volta para casa, em silêncio, elas pareciam que estavam indo ao velório de um parente próximo. Mara estava chocada, não acreditava; o circular passava rua por rua, praça por praça, cada vez se aproximando mais de casa. Por um lado, Mara estava alegre, desejava muito ver Alfredo. Depois de uma viagem longa chegaram, já estava entardecendo, a terra deixava escapar os últimos raios solares vermelhos alaranjados no poente, semelhante a um animal feroz que vai engolindo um pássaro e ficam faltando apenas as últimas penas das asas.Elas entraram em casa, Mara foi direto ao seu quarto, ela não sentia fome; além do mais, teriam que conversar com seu pai, o que não era tarefa fácil. Ela preferiu deixar para sua mãe, que tinha um jeitinho especial para essa
Depois do almoço, Mara ajudou sua mãe nas tarefas domésticas. Por fim foi para seu quarto, o sono veio, ela não viu seu pai, acordou apenas de manhã para ir à escola.Na escola ela não viu Alfredo na entrada, certo temor começou a tomar conta de si, mas ela pensou, bobagem, ele pode ter se atrasado e entrará na segunda aula. Ela estava ansiosa pelo horário do recreio quando eles se encontrariam, mas no intervalo do recreio ela não o encontrou em parte alguma. Perguntou a alguns alunos da classe de Alfredo, e eles informaram que ele havia faltado.As últimas aulas foram um tormento, ela via os professores à frente da classe, mas não os ouvia, e o horário parecia uma eternidade, as horas não passavam, seu pensamento vagava. Por fim a sirene tocou anunciando o fim das aulas naquele pe
Mara sentia o vento agradável no rosto fazendo seus cabelos passarem dos ombros para as costas, às vezes o sentia forçar o guidão para fazer uma curva à direita ou à esquerda, e ouvia durante todo o trajeto ele assobiar uma canção que ela nunca soube a letra, talvez uma canção da época de sua juventude. Primeira parada, como um ritual, a sorveteria, depois de descerem e se aproximarem do balcão, ele dizia para ela escolher quantas bolas de massa e o sabor do sorvete. Ele escolhia o seu e ambos sentavam-se em cadeiras plásticas brancas do lado de fora sob uma cobertura metálica, onde podiam ver o movimento na rua. Quando terminavam, ele sempre a orientava a não dizer nada para sua mãe a respeito do sorvete, Dona Abigail não aprovava que Sr. José desse sorvete a Mara; ela afirmava que esse era o motivo de Mara estar às vezes gripada. Montava-se novamente na bicicleta e a próxima parada era o supermercado, e, com algumas sacolas pl
Cautelosa, Abigail ia aos poucos tecendo um sábio diálogo, era como suas costuras na máquina, ela começava costurando as beiradas dos tecidos e por fim formava-se uma bela peça de roupa, e ela esperava com aqueles comentários amenizar o choque que José sofreria ao saber da novidade, pois ele amava demais a filha única e era capaz de fazer o impossível para ver o sorriso espontâneo no rosto de sua amada Mara. Depois de muitos rodeios, Abigail disse:– José, sabe aqueles exames que eu levei Mara para fazer? José se impacientou, moveu-se rápido no sofá e instantaneamente indagou:
Já eram altas horas quando ela, ainda acordada, ouviu o barulho dele chegando. Sua mãe foi recepcioná-lo na porta da sala, carinhosamente mostrando preocupação e o indagando sobre o horário, porém ele se limitou a dizer asperamente que estava chegando naquele horário porque esperava que todos estivessem dormindo. Ele novamente deixou claro que não desejava de maneira alguma ver Mara novamente, e aproveitou para indagar a mãe sobre quando Mara desocuparia a casa. Elas novamente passaram a noite em claro, e, pela manhã antes que ele fosse ao trabalho, Mara ouviu seu pai indagar asperamente sua mãe se Mara sairia da casa naquele dia. Sua mãe tentou dialogar sobre a dificuldade do moço que fora a São Paulo procurar um emprego, mas Sr. José não permitiu que Abigail terminasse a exposição, cortando-a asperamente com um grito, coisa que ele nunca fizera em toda vida de casado, bradou dizendo:
Sua mãe não esperou mais que um segundo, saiu novamente pela porta da sala para a calçada, esperou Mara fazer o mesmo, já trancando a porta por fora e saindo em passos rápidos, seguida de perto por Mara. Muito rápido chegaram e pararam no ponto de ônibus do bairro; não houve diálogo até entrarem no circular, passarem pela catraca que estava sendo vigiada por um cobrador obeso, de cabelo encaracolado negro e um espesso bigode, vestido com o uniforme da empresa, que só fez um pequeno gesto de simpatia após o recebimento do dinheiro referente às duas passagens. Mara percebeu sua mãe procurando assento bem ao fundo no circular, com certeza ela esperava aproveitar o tempo sentadas inertes durante a viagem para lhe explicar o que estava acontecendo.
O sonhado sábado chegara. Mara se levantou cedo, fez o café e logo Dona Zilda chegou à cozinha, pois não trabalhava aos sábados, e as duas tomaram o café sentadas em lados opostos da mesa. Zilda se mostrava cada vez mais amável, os diálogos agora fluíam com facilidade, não havia mais aquele receio de se expressar, Mara estava sentindo-se à vontade com Dona Zilda. Não demorou muito e ouviram-se palmas vindas da frente da residência. Mara saiu apressadamente pela porta da sala, deixando-a aberta, avistando sua mãe parada à frente do portão social pelo lado de fora. Logo que foi aberto, Mara sentiu o forte abraço parecendo que quebraria seus ossos, e, depois de algumas perguntas em torno de como passara a semana, elas entraram na residência onde Zilda aguardava no limiar da porta da sala. As anciãs trocaram abraços e perguntas recíprocas de como passaram a semana, e depois rumaram para a cozinha ande Abigail uniu-se a elas para tom
Mara sentia que o hospital havia sido transferido para a lua, tamanho o desespero, em um momento ela ouviu a voz do motorista dizendo, já chegamos, só falta estacionar. Neste momento um líquido lhe molhou toda, o médico havia lhe alertado sobre este momento, ela sabia o que estava acontecendo, então disse para Zilda que a bolsa estourou. Quando o motorista ouviu isso, parou no meio do estacionamento do hospital, abriu as portas do veículo, e saiu gritando em direção ao balcão de atendimento que estava com uma mulher no carro em trabalho de parto. Isso fez com que algumas enfermeiras de posse de uma maca corressem o mais rápido possível, acomodassem Mara sobre a maca e corressem para a sala de parto.Na sala de parto transferiram Mara para uma cama especial em uma posição ginecológica com a cabeça elevada, ela foi orientada para que p