Rodrigo podia jurar que iria furar o chão de tanto que andava de um lado para o outro na sala de espera do hospital. Queria notícias, mas apenas Célia e o marido puderam subir para o andar da Unidade de Terapia Intensiva. Ele tivera que ficar no andar da recepção, em companhia de Rodolfo, o que era um pouco constrangedor. Este, na verdade, estava um pouco mais calmo, embora também parecesse preocupado, mantendo a mão na cabeça, com uma expressão sofrida no rosto.
Um médico surgiu, e Rodrigo praticamente pulou em cima dele, mas não se tratava do mesmo que estava operando Gisele. Ainda não havia nenhuma novidade.
— Rodrigo, por favor, se controle. Isso não vai ajudar Gisele em nada.
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Os saltos do sapato Loubotin batiam no piso de porcelanato do restaurante conforme ela andava. O som, ao qual ela sequer prestaria atenção em qualquer outro momento, parecia tão irritante quanto o zumbido de uma abelha instalada bem dentro do ouvido. Não que isso fizesse diferença, afinal, ela já estava irritada o suficiente. Tinha acabado de saltar de seu carro e naquele exato instante caminhava em direção a mesma mesa de sempre: a redonda, para seis lugares, na varanda do estabelecimento. Não que precisassem de espaço, mas Célia Loureiro queria ter controle sobre tudo e gostava de ter mais coisas do que realmente necessitava. Até mesmo cadeiras em uma mesa estúpida de um restaurante.&n
Como um leão enjaulado, ele caminhava de um lado para o outro, marchando sobre o piso impecavelmente limpo que cheirava a limão. Rodrigo não gostava de esperas. Não gostava de portas fechadas, muito menos de cochichos e olhares cúmplices onde não participava do segredo. Odiava ser deixado de lado ou enganado. Principalmente porque, sendo um homem justo, dificilmente enganava a alguém. Seu pai sempre dizia que esperava demais das pessoas, que nem todos os seres humanos pensavam da mesma forma, que cada criatura tinha uma alma diferente, que agia conforme sua própria índole. Muitas vezes, o bom e velho Chico Baroni resmungava reclamando que Deus poderia ter colocado um filho com um pouco menos de caráter em sua vida, pois el
Era quase meio-dia quando Gisele acordou com o barulho da campainha tocando. Exatamente como prometera, Rodolfo passara a madrugada inteira disposto a várias rodadas de sexo, das formas mais criativas possíveis, e agora ela estava um caco. Assim que conseguiu abrir os olhos, pesados e grudados do rímel da noite anterior, que ela esquecera de tirar, percebeu que seu noivo não estava mais do seu lado na cama. Estava sozinha. Sobre o travesseiro, havia um bilhete avisando que ele tivera que ir ao escritório para resolver um problema urgente, mas que estaria de volta para o jantar. Pedia que ela estivesse pronta, pois a levaria em seu restaurante favorito. Era sempre assim que ele resolvia suas ausências. Naquele sábado em particular, eles tinham combinado de resolver juntos algumas últimas decisões da festa de casamento, mas, pelo visto, ela teria que
Seu pai diria que estava louco. E só poderia estar mesmo levando aquela garota consigo, para ficar instalada em sua fazenda. Provavelmente a tinha salvado; a julgar pela violência com que tinham tentado arrombar a porta, com certeza não queriam apenas sentar, tomar um café e conversar. Queriam pegá-la, talvez para chantagear Rodolfo. Pediriam dinheiro? Talvez. Poderiam até não fazer mal à moça, mas ele não acreditava muito nisso. Diante desse cenário, como poderia ficar de braços cruzados? Se Rodolfo estava com problemas, impossibilitado de ajudar, era seu dever proteger a mulher que ele deixara para trás. Era isso que um homem honrado faria. Até porque não era a primeira vez que agia dessa forma. Estava cansado de limpar as merdas que
Não havia nada para fazer. Gisele não era uma mulher que se entediava fácil, até porque estava sempre atarefada, cheia de reuniões sociais e profissionais que preenchiam quase todas as suas noites, e ainda havia Rodolfo para entretê-la quando precisava de carinho e atenção. Naquela casa que não lhe pertencia, entretanto, passava o dia inteiro olhando para o teto e tentando não pensar demais. Cada pensamento que surgia em sua mente parecia uma faca afiada espalhando dor por cada partezinha escondida em seu corpo. De acordo com o relógio sobre o criado-mudo, já passava das sete da noite, o que significava que aquele tinha sido o dia mais improdutivo de toda sua existência. Precis
Rodrigo não queria se preocupar, não queria estar pensando no irmão com pesar e nem com vontade de quebrar a casa inteira só de imaginar que alguém poderia estar machucando-o ou pior. Não, não podia pensar no pior. Embora ele nem soubesse o que era o pior. Não temia a morte. E achava que nenhum ser humano deveria temê-la, afinal, ela era muito mais fácil do que a vida. Ah, essa sim o assustava. Intrigava-lhe a forma como as pessoas escolhiam viver suas vidas, como deixavam que coisas banais se tornassem importantes demais quando deveriam ser apenas problemas passageiros. E os seres humanos também matavam outros seres humanos. Que era exatamente o que Rodrigo não compreendia
Rodrigo tinha uma especial afeição especial pelo mato. Na verdade, era uma outra forma de dizer que gostava demais de seu cantinho para se afastar dele por muito tempo. Tanto que todas as vezes que precisava ir ao Rio de Janeiro para resolver qualquer problema com fornecedores ou compradores, sentia como se estivesse recebendo um convite VIP para o inferno. Em sua mente, todos os tipos de reclamação surgiam: calor demais, frio demais, poluição, pessoas mal educadas, preços exorbitantes, motoristas loucos, trânsito caótico e violência desmedida. Parecia um velho ranzinza. E talvez não estivesse muito longe disso, afinal. O mais longe de casa que conseguia ir era até o centro de Valença. E em poucos minutos já sentia vontade de correr para sua fazenda. Não tinha jeito mesmo.&nb
― Ainda bem que eu não enxergo para não ver o baita estrago que você vai fazer nesse chão de tanto andar de um lado para o outro. Era uma piadinha. Rodrigo podia ouvir o sarcasmo entranhado em cada letra da frase que ouviu. Em qualquer outra ocasião teria entrado na brincadeira, pois era raro ter o pai tão brincalhão, especialmente falando de sua deficiência com humor. Deveria ser algo para se comemorar, para ser enxergado como uma pequena vitória, mas ele não estava muito animado naquele momento. Apesar disso, preferiu não comentar nada. Tentando se acalmar, Rodrigo fialmente se sentou ao lado do pai, que sentiu sua presença e colocou a mão caleijada sobre a perna do filho, dando dois tapinhas camaradas para acalmá-lo.&nbs