Como um leão enjaulado, ele caminhava de um lado para o outro, marchando sobre o piso impecavelmente limpo que cheirava a limão. Rodrigo não gostava de esperas. Não gostava de portas fechadas, muito menos de cochichos e olhares cúmplices onde não participava do segredo. Odiava ser deixado de lado ou enganado. Principalmente porque, sendo um homem justo, dificilmente enganava a alguém.
Seu pai sempre dizia que esperava demais das pessoas, que nem todos os seres humanos pensavam da mesma forma, que cada criatura tinha uma alma diferente, que agia conforme sua própria índole. Muitas vezes, o bom e velho Chico Baroni resmungava reclamando que Deus poderia ter colocado um filho com um pouco menos de caráter em sua vida, pois ele simplesmente não sabia lidar com uma pessoa que se alterava tanto diante de uma injustiça.
Quantas vezes não fora chamado no colégio porque Rodrigo defendera algum colega de modo nada ortodoxo? Quantas vezes não tivera que acalmá-lo em situações onde não se podia fazer nada além de observar?
Mas todas as vezes que seu pai falava uma gracinha dessas, Rodrigo ria, pois sabia que era uma mentira deslavada. Seu velho não era muito diferente dele mesmo. Por isso se amavam tanto.
E era por causa desse amor que Rodrigo estava tão agoniado, na sala de espera do hospital, ansioso ─ ou quem sabe desesperado ─ por notícias.
Assim que a porta do quarto onde ele era examinado foi aberta, Rodrigo praticamente pulou sobre o médico, disposto a exigir explicações.
─ Como ele está? E não adianta dizer que ainda precisam fazer mais exames, porque eu juro que...
─ Calma, Rodrigo! ─ O doutor Louzada era um amigo da família há anos. Até porque, em uma cidade pequena como Valença era comum que as pessoas se conhecessem pelo nome. Na maioria das vezes sabiam muito mais sobre sua vida do que você gostaria. ─ Seu pai está bem. Foi uma pancada leve, um acidente.
─ Acidente uma ova! Deram uma porrada na cabeça dele com um taco de madeira, doutor. Uma porra de uma covardia.
Conhecendo aquele rapaz como conhecia, o médico sabia que Rodrigo deveria estar se remoendo de culpa por dentro. O que era uma besteira, é claro. Apesar de seu instinto protetor extremamente aguçado, ele não podia vigiar o pai a todo momento. Até porque desde o acidente, há alguns anos, que deixara Chico cego ─ que também ainda não tinha sido muito bem explicado ─ era o garoto que administrava toda a fazenda. E estava fazendo um trabalho danado de bom.
Sabendo que ele carregava uma grande responsabilidade nas costas, José Louzada deu alguns tapinhas camaradas em seu ombro.
─ Seu pai é forte, garoto. Aliás, acho que é uma qualidade de família. Você só precisa entender que não pode querer controlar tudo. Não pode ser herói dia e noite. Até mesmo o Superman tinha seus momentos de folga.
Rodrigo ficou em silêncio. Por mais que tivesse muitas coisas a dizer, para contestar as palavras do médico, ele reconhecia o valor de um conselho. Sabia, principalmente, que eles nunca diziam claramente o que a pessoa precisava ouvir, sempre vinham acompanhados por entrelinhas enigmáticas que precisavam ser analisadas com cautela. Aquele que tinha acabado de ouvir, em específico, sabia que não estava falando apenas do episódio daquela noite. Havia mais, muito mais a ser pensado. Coisa que ele não estava muito disposto a fazer naquele momento. Tinha preocupações muito maiores.
─ Posso vê-lo? ─ Foi a primeira coisa que ele falou, nem sequer se preocupando em fazer algum comentário a respeito do que Louzada tinha dito.
─ Pode, garoto... pode. ─ Rindo, o médico colocou a mão nas costas de Rodrigo e guiou-o até o quarto, onde seu pai aguardava por alta.
Assim que foram deixados sozinhos, Rodrigo precisou de um momento antes de alertar ao pai que estava ali. Não tinham feito nenhum barulho ao entrar, talvez propositalmente, por isso, ele iria aproveitar.
Com seus um metro e noventa e três de altura e os noventa e cinco quilos de puro músculo, esculpidos pelo trabalho pesado da fazenda, Rodrigo sabia que era um homem fisicamente forte, que conseguia jogar sacos pesados de adubo nas costas e até deixar um oponente inconsciente com um ou dois socos. Também considerava-se emocionalmente estável, se fossem levadas em consideração as merdas que já tinham acontecido em sua vida. E não eram poucas. Apesar disso, ele ainda estava ali, de pé, lutando e sobrevivendo da melhor forma possível. No entanto, apenas uma coisa era capaz de desmoroná-lo, de deixá-lo de joelhos: o homem deitado naquela cama à sua frente.
Chico Baroni tivera seus anos de glória. Também fora atlético e costumava comandar a fazenda com inteligência e usando de sua força física. Isso durou até o momento em que fora privado de um de seus sentidos: a visão.
O acidente até aquele momento não tinha sido explicado. E por mais que a lembrança e a dúvida fizessem parte de seu dia a dia, Rodrigo não gostava muito de pensar. O que estava feito, estava feito. Não havia cura, nem volta. Porém, por mais que tentasse convencer ao pai que tudo era como antes, que ainda era o mesmo homem, ele mesmo sabia que tinha mudado. Que o sufocava com seus cuidados, redobrara sua preocupação para com ele e deixara sua vida de lado para protegê-lo. O que era constantemente motivo de brigas. Chico sempre insistia que Rodrigo era jovem demais para se tornar um cego junto com o pai, vivendo uma vida que não era sua. Achava que estava na hora de ele encontrar uma boa garota, se apaixonar, casar e lhe dar netos. O que nem sequer passava pela cabeça dele. Já tinham lhe arrancado o coração uma vez, não daria chance para que acontecesse de novo.
No exato instante em que sentiu os olhos arderem, um claro sinal de que estava prestes a chorar, limpou o canto dos olhos com as costas das mãos e chamou:
─ Pai? ─ Mas que merda! Por que sua voz tinha que soar tão fragilizada?
─ Filho? Há quanto tempo está aí?
─ Acabei de chegar. Falei com o médico. Está tudo bem com o senhor.
─ Graças a Deus, mas eu já imaginava. Vaso ruim não quebra.
Quem dera aquilo não fosse verdade e alguns vasos podres acabassem quebrando e desaparecendo do mapa.
De repente, o sorriso que estava estampado no rosto de Chico foi substituído por uma expressão preocupada e séria.
─ Filho, pode vir aqui, por favor?
Sem nem hesitar, Rodrigo aproximou-se da cama do pai, sentando-se na cadeira bem ao lado da cabeceira, onde poderiam conversar com mais privacidade.
— Antes de sofrer o acidente, Rosa me entregou um recorte de jornal sobre seu irmão. Parece que ele vai se casar.
Chico estendeu um papel na direção de Rodrigo. Uma vez que ficara cego, sua audição tornara-se mais aguçada, por isso, ele sabia exatamente que o filho estava à sua direita, e não à esquerda.
Assim que tomou o papel na mão, Rodrigo, involuntariamente, bufou com desdém. Ele e Rodolfo nunca foram verdadeiramente amigos, principalmente porque eram muito diferentes. Enquanto seu irmão era o príncipe, ele era o vagabundo.
E pelo que podia ver, ele não tinha mudado nada. Bem vestido, sorridente e bonito como sempre, quase pronto para estrelar um comercial de perfume estrangeiro. Ele tinha tudo que Rodrigo não tinha: dinheiro, elegância e cara de pau suficiente para nunca mais procurar a família. Se é que ele lembrava que ainda tinha uma.
Era sempre assim que reagia quando via uma reportagem onde ele aparecia ou era mencionado, o rancor de Rodrigo chegava ao limite. Daquela vez, principalmente, chegou a sentir seu sangue ferver.
Como diabos ele tinha coragem de anunciar um casamento para o mundo inteiro, mas não tivera a decência de ligar para convidar o próprio pai?
— E aí? Ela é bonita? — Chico indagou, arrancando Rodrigo de seus resmungos internos.
Ah, merda! Como ele queria que respondesse aquela pergunta? A mulher pertencia ao seu irmão, nem tinha reparado se era bonita ou feia.
Mentira...
Uma porra de uma mentira das mais cabeludas.
Seria um louco ou cego se não reparasse em uma mulher como aquela.
— Sim. É bonita. — Foi tudo o que respondeu. Mas não era nem metade do que realmente achava da garota.
— Rosa não me disse muitas coisas... Tem a data da festa aí?
— Daqui a três meses.
Fora exatamente isso o que deixara Rodrigo ainda mais irritado. O casamento já estava prestes a acontecer e, com certeza, os convites já tinham sido enviados. A não ser que o deles estivesse chegando por pombo-correio, realmente tinham sido excluídos do grande evento, afinal, nada parecido chegara na fazenda.
O coração de Tate se endurecia só de pensar nisso. Não por si mesmo. Estava pouco se lixando para uma porcaria de festa de gente rica e besta, mas sabia o quanto aquele descaso iria afetar seu pai. Já podia ver em sua expressão sempre melancólica e na forma como se remexia na maca do hospital o quanto estava decepcionado.
Contudo, foi ele que colocou a mão no ombro do filho, apertando-o suavemente.
— Não fique com raiva do seu irmão, Rodrigo. Ele tem o jeito dele e nós temos o nosso. Cada macaco no seu galho — ele tentou brincar, mas sem sucesso.
— Quero que ele e essa noiva se explodam!
— Garoto! Não fale assim! Não na minha frente! — vociferou. — Posso estar debilitado, mas ainda consigo te dar umas bengaladas bem dadas.
— Como quer que eu fale? Que estou feliz por ele? Que quero que prospere ainda mais à custa dos outros?
— Se não consegue ter nenhum sentimento bom em relação a ele, ao menos tente não sentir nada. Mas não lhe deseje mal, pois vai acabar se arrependendo.
Mal sabia ele que Rodrigo pedia todos os dias aos céus para que realmente conseguisse odiar o irmão. Ódio doía menos do que amor não correspondido. Apesar de tudo, amava aquele almofadinha e para cada lembrança ruim, um monte de outras boas surgiam de quando eram pequenos. Ele fora um garotinho franzino e medroso, e Rodrigo volta e meia tinha que tirá-lo de uma enrascada. Mas era seu papel de irmão mais velho, protetor, e sabia que o desempenhara muito bem. Sua consciência estava limpa em todos os sentidos. Mas, mesmo assim, não conseguia dormir em paz. Havia muitos problemas em sua cabeça; Rodolfo era apenas o menor deles. Agora precisava se preocupar com o pai, além da fazenda, onde algumas coisas um tanto quanto estranhas andavam acontecendo.
Não ia dar conta sozinho... precisava de ajuda.
***
Ainda eram oito e meia da noite, mas Gisele já estava pronta. Odiava atrasos e uma de suas maiores virtudes sempre fora a pontualidade.
Olhava-se no espelho e aprovava o resultado. Tinha prendido o cabelo liso e cheio, que usava no comprimento do meio do pescoço, em um coque frouxo, que deixava sua franja lateral pendendo desarrumadamente sobre seus olhos. Normalmente gostava de usá-los soltos, pois gostava da combinação que o tom dourado dos fios fazia com sua pele branquinha e sedosa. Os olhos, em um tom amendoado, estavam maquilados de preto, bem marcados, valorizando sua expressão que muitos diziam ser extremamente sensual. Os lábios cheios tinham sido pintados com um batom pouco mais escuro que a boca, e as maçãs do rosto tinham sido ressaltadas com um blush cor de pêssego. Nada exagerado, nada muito simples. Gisele sabia exatamente como Rodolfo gostava de vê-la, e como atraía a atenção dos homens.
Achava-se uma mulher bonita, sem dúvidas, e sabia o poder que sua aparência tinha. Sabia também, principalmente, que uma bela mulher era capaz de mexer com o brio de um homem, que poderia controlá-lo facilmente. Mas não era o seu caso. E também não era o caso de Rodolfo. Ele também sabia perfeitamente o quanto era belo, poderoso e sedutor e que isso, usado com inteligência, poderia ser muito, muito, valioso.
Sabendo que ainda esperaria por mais meia hora, decidiu ir até o escritório e escolher um livro para ler. Não que Rodolfo possuísse muitos títulos pelos quais ela pudesse se interessar, mas era melhor do que ficar sentada em um sofá, parada, observando o nada e se perdendo em pensamentos estranhos e confusos.
Antes, porém, decidiu ligar o computador para checar seus e-mails. No entanto, com um movimento no mouse, percebeu que ele já estava ligado e que Rodolfo o estava utilizando no acesso remoto.
Sua primeira reação instintiva foi ter vontade de desligar o monitor, mas algo a impediu.
Havia um e-mail aberto no Outlook e seu noivo o respondia; ou seja, na mesma tela, ela conseguia ler tanto o enviado quanto a resposta. O assunto, entretanto, era o mais curioso: "Estou cansado do seu silêncio". Isso atiçou-lhe a curiosidade de tal forma, que Gisele nem sequer se importou por estar invadindo a privacidade de outra pessoa ― principalmente de seu futuro marido ―, apenas sentou-se na cadeira e começou a ler o que ali estava escrito.
O remetente do primeiro e-mail chamava-se Rodrigo Baroni. Nome que Gisele nunca tinha ouvido em seis meses de relacionamento, mas que, com certeza, pertencia a alguém da família de Rodolfo. E seja lá quem fosse essa pessoa, não parecia nem um pouco satisfeito com ele.
O e-mail dizia:
Remetente: rodrigo.baroni@rrmail.com
Assunto: "Estou cansado do seu silêncio."
Qual será a desculpa desta vez? Será possível que nem com o seu pai você se preocupa?
Tem alguém querendo foder com a fazenda, sei que você está pouco se lixando, mas isso está começando a nos afetar de forma mais preocupante. Nosso pai sofreu um atentado na quinta-feira e está de cama e você só se preocupa com esse casamento.
Aliás, parabéns! Vi no jornal, já que você não se dignou a m****r um convite para seu próprio pai.
Você precisa vir aqui nos ajudar; não posso dar conta de tudo sozinho.
Isso aqui também será seu um dia, porra!
Já a resposta de Rodolfo, era a seguinte:
Remetente: rbaroni@baroni.com.br
Assunto: RES: Estou cansado do seu silêncio.
Caro irmão,
Primeiro de tudo, peço que compreenda que meu silêncio não é intencional. Ando muito ocupado com os negócios e, é claro, com o casamento, mas isso não quer dizer, em hipótese alguma, que não me preocupe com vocês.
Sobre o atentado que papai sofreu, vocês alertaram a polícia? Se sim, já estão investigando? Eu não sabia que as coisas estavam assim tão sérias.
Vou cancelar meus compromissos da semana que vem e viajar para visitá-los. Vamos resolver isso juntos. E vou levar minha noiva para que possa conhecê-los, além do convite, pessoalmente. Acha mesmo que eu iria enviar pelo correio? Sei que temos nossas diferenças, mas precisamos nos acertar. Somos uma família, afinal.
Vai dar tudo certo. Contem comigo.
Chegava a ser assustador. Ou talvez uma história inimaginável, ao menos na realidade de Gisele.
Desligando o monitor quase que no susto, ela afundou o corpo na cadeira e começou a pensar no que tinha acabado de ler.
Não era nada fora do comum — exceto pela parte de uma pessoa ter sofrido um atentado — e poderia ser interpretado como uma simples desavença de família. Isso, claro, se fosse levado em consideração que Rodolfo nunca mencionara a existência de um pai, muito menos de um irmão. Gisele nunca ousara perguntar sobre família, pois, uma vez que ele não tinha lhe dito nada, ela imaginara que era um assunto doloroso para ele, talvez por causa de alguma morte.
Além disso, a imagem que tinha de seu futuro marido era completamente diferente daquela que estava se formando à sua frente. Nunca imaginara que ele, que demonstrava ser tão pacato e equilibrado, pudesse ter algum problema em sua família, ainda mais daquela magnitude. A forma como o tal de Rodrigo falara com ele era prova suficiente de que a tensão entre os dois era enorme. Só restava saber os motivos... afinal, todas as histórias tinham dois lados.
Mas também não podia negar que aquele Rodrigo parecia ser um tanto quanto grosseiro. Qual era a necessidade de tantas palavras rudes?
Tudo era perturbador na mensagem, contudo, por mais fútil que pudesse ser, ela não conseguia parar de se perguntar o motivo por ele não ter contado à família que estava prestes a se casar. Não os tinha nem convidado! Por quê?
Mas Gisele não teve tempo de especular qualquer coisa naquele momento, pois o interfone tocou, avisando que um carro a esperava.
Contudo, ela sabia que a imagem daqueles dois e-mails não sairia de sua mente. Muito menos quando uma enorme insegurança tocava seu coração... uma insegurança que poderia significar todo o seu futuro.
***
Foi a última a chegar no restaurante. Ótimo. Achava extremamente deselegante ficar esperando sozinha. Rodolfo logo a enxergou de onde estava, gesticulando para que ela o encontrasse mais facilmente. A expressão em seus olhos ao vê-la a agradou. Tinha realmente caprichado na produção, e os olhares dos homens ao redor, enquanto ela passava pelos corredores entre as messas provavam isso. Também gostava de ser admirada por outros quando sabia que o noivo estava vendo. Gostaria que ele demonstrasse um pouco mais de ciúme, que fosse um pouco mais passional, mas, de qualquer forma, era bom para o seu ego.
Aproximou-se da mesa, onde Rodolfo já estava de pé para recebê-la e foi beijada com paixão, mesmo na frente dos amigos. Hummm, talvez Rodolfo fosse um pouquinho ciumento, mas do seu jeito. Não que ela pudesse reclamar.
Em um gesto cavalheiresco, ele puxou a cadeira para que ela se sentasse, assim que terminou o beijo, e ela se acomodou. Ao seu lado estava Ângela, em quem ela deu dois beijinhos, e, à sua frente, Mário, para quem ela estendeu a mão, à qual ele beijou.
Aquele estava longe de ser o casal preferido de Gisele, mas tentou ser simpática, embora já soubesse que o grupo iria se dividir entre homens e mulheres, e ela teria que fazer companhia à fútil e levemente burra Ângela.
A mulher era linda como uma atriz de Hollywood. Já passava dos trinta e cinco anos, mas possuía uma pele de pêssego, cabelos loiros platinados e um corpo de fazer inveja a qualquer mocinha, que ela mantinha com Pilates e Ioga. Claro que os seios eram puro silicone, mas isso não vinha ao caso. Apesar de sua aparência de Barbie, seus assuntos se limitavam a dieta, roupas de grife, viagens — onde ela apenas mencionava as partes das compras que fizera — e fofocas de pessoas que conheciam em comum.
Em apenas quarenta minutos de jantar, ela já estava entediada e levemente embriagada, pois tomara mais taças de vinho do que de costume para aguentar aquela mala. Quando podia jurar que já estava a ponto de explodir, o celular de Rodolfo tocou.
Ele tirou o aparelho do bolso do paletó, deu uma olhada no visor para ver quem chamava e rejeitou a ligação.
Poderia ser qualquer coisa, mas Gisele tinha a nítida impressão de que poderia ser o misterioso irmão que lhe enviara e-mail algumas horas atrás.
Cinco minutos depois, o aparelho tocou novamente, e, daquela vez, Rodolfo simplesmente o desligou, com um sorriso envergonhado.
— Não estou a fim de resolver coisas de trabalho agora. Só quero relaxar com meus amigos e minha linda noiva. — Ele levou a mão de Gisele aos lábios e a beijou.
Aquele gesto carinhoso a teria feito sorrir em qualquer outra ocasião, então, tentou mostrar-se satisfeita, torcendo para que ele não reparasse no quão falsa estava sendo.
Depois daquele episódio, ela passou o resto do jantar quase inteiro em silêncio, apenas fingindo sorrisos e balançando a cabeça em afirmativa, embora não estivesse prestando atenção a nada do que Ângela dizia. De vez em quando soltava uma ou outra exclamação animada, tentando parecer simpática.
Já passava de meia-noite quando finalmente Rodolfo decidiu que era hora de ir. Por ele, teriam ficado mais tempo, principalmente quando Mário sugeriu que esticassem a noite em um barzinho ali perto, mas Gisele tentou de todas as formas demonstrar, em linguagem corporal, que estava muito cansada. Para sua sorte, ele compreendeu.
Chegaram em casa, e Rodolfo logo partiu para o banheiro para tomar um banho. Assim que ouviu o barulho da porta sendo trancada, ela correu em direção ao paletó, que ele tinha deixado pendurado em uma cadeira da mesa de jantar, e pegou seu celular.
Sentia-se como uma gatuna ou uma daquelas mulheres ciumentas que precisa desesperadamente checar o celular do companheiro para verificar se está sendo traída. A sensação de traição era a mesma, embora — até onde ela sabia — não houvesse nenhuma mulher na história.
Ligou o aparelho, torcendo para que inicializasse rápido, e quando a tela inicial apareceu, logo percebeu que havia mais indicações de ligações perdidas. Oito, para ser mais exata. Todas do mesmo número.
Ninguém poderia dizer que a pessoa não era insistente.
Lentamente, pé ante pé, dirigiu-se à varanda e retornou a chamada para o número que não conhecia. A pessoa do outro lado atendeu com apenas um toque.
— Ah, seu desgraçado, agora me liga, né? Falei que nosso pai está na porra de um hospital, e você não tem nem a decência de perguntar como ele está, muito menos de atender ao telefone. E se eu estivesse ligando para dizer que ele tinha morrido? Será que não ia pesar na sua consciência? — Era uma voz masculina forte, que mais parecia um trovão com um leve tom rouco, que a tornava ainda mais assustadora. Gisele chegou a se encolher, amedrontada, como se o homem estivesse ao lado dela e pudesse agredi-la. Ficou em silêncio, ainda em linha, incapaz de desligar o telefone, mas quase ansiosa para ouvir o que ele tinha mais a dizer. — Vai ficar calado, seu babaca? Só não te chamo de filho da puta porque a senhora nossa mãe não tem culpa... Ou talvez tenha; ela sempre deu muito mole para você. — Completo silêncio. — Porra!!! Fala alguma coisa, não é possível que não tenha nada a dizer...
— Me desculpe... — Gisele soltou sem querer, já agoniada.
— Ah, caralho! — o homem exclamou sem o menor pudor. Além de irritado, ele era um boca suja, não tinha a menor educação, nem mesmo falando com uma mulher. — Eu que peço desculpas. Você não deveria ter ouvido nada disso. Eu... eu... — ele parecia envergonhado. — Peça, por favor, a Rodolfo que ligue para mim. É urgente!
— T-tudo bem... — Gisele gaguejou. Não era o tipo de mulher que fraquejava diante de nada, mas aquela história a estava confundindo demais. Além de tudo, estava um pouco afetada pelo álcool, cansada... tudo isso contribuía para suas reações exageradas.
Do outro lado da linha, o homem murmurou um grunhido ininteligível e simplesmente desligou.
Gisele ficou por mais um tempo com o telefone na mão, sem entender o que tinha acabado de acontecer. Como era possível haver tanto ódio entre irmãos? Ela não tinha nenhum, era filha única, mas sempre quisera ter alguém de seu próprio sangue para compartilhar segredos, com quem pudesse contar em momentos difíceis e com quem vibrar nas vitórias. Sabia que brigas aconteciam nas melhores famílias, mas não naquele estágio. Ou aquele homem era louco, ou Rodolfo tinha feito algo realmente muito grave para deixá-lo tão puto.
Ainda estava inerte, remoendo seus pensamentos, quando ouviu o barulho da fechadura do banheiro. Apressou-se para devolver o celular para o bolso do paletó, como se nada tivesse acontecido.
O problema seria fingir que não sabia de nada.
Foi para o quarto e começou a tirar a roupa para apenas vestir uma camisola. Sentia as costas doerem, principalmente, na região da nuca, por conta da tensão e tudo que queria era cama. Não estava planejando fazer sexo, ainda mais depois de tudo que tinha acontecido naquele dia, mas, especialmente depois que bebia, Rodolfo era incansável.
Ainda estava apenas de calcinha quando sentiu seus braços rodearem sua cintura por trás, apertando-a contra si com força. Antes que pudesse protestar, sentiu-o afastar seus cabelos loiros, liberando sua nuca, começando a beijar sua pele. As mãos imediatamente se fecharam em concha em seus seios, enquanto os polegares brincavam com seus mamilos.
— Rodolfo... — Gisele queria soar firme e demonstrar que não estava disposta a fazer amor naquele momento; estava pronta para prometer um dia intenso de sexo no dia seguinte, já que seria sábado, mas sua voz saiu como um gemido. Rodolfo sabia o jeito exato de excitá-la.
— O que foi, gatinha? Não está gostando? — Enquanto uma de suas mãos se mantinha em seu seio, a outra começou a percorrer a barriga lisa até chegar ao ponto mais sensível e íntimo de seu corpo. O dedo indicador foi direto ao clitóris, que começou a ser massageado com movimentos circulares e contínuos.
— Eu... — ela não conseguiu proferir nenhuma palavra, pois já estava completamente embriagada de prazer.
— Diga... Diga o que você quer! Quer que eu pare? — ele sussurrou em seu ouvido.
— Não... continue...
— E como você quer?
— Quero forte.
Gisele sabia que era o que ele queria ouvir. Não que ela não gostasse do sexo selvagem que faziam, que a deixava exausta e suada no final, porém, já que havia um forte sentimento entre eles, às vezes sentia falta de um pouco mais de carinho, de ser realmente amada.
Mas, no final das contas, não podia reclamar que sua vida sexual não era emocionante.
Assim que ela respondeu, ele a segurou com mais força, tirando a mão que ainda sustentava seu seio e levando-a ao seus cabelos, agarrando-os e puxando-os para trás, imobilizando sua cabeça. Depois, cobriu seus olhos, vendando-a. Deixando-a assim, quase indefesa, começou a penetrar um dedo em sua fenda úmida, em um movimento de entra e sai que se tornava cada vez mais rápido.
Gisele emitiu um gemido involuntário, e Rodolfo puxou a cabeça dela ainda mais para trás, grudando seu ouvido em seus lábios para novamente murmurar:
— Fique quieta. Se emitir mais um som, será castigada.
Ele sabia que aquela frase era como apertar um botão. Os castigos de Rodolfo eram sempre muito bem-vindos, então, ela também sussurrou:
— Talvez eu queira ser castigada...
Gisele ouviu a gargalhada rouca de Rodolfo em seu ouvido. Ainda com a mão em seus olhos, ele começou a puxá-la para um canto do quarto, e quando ela menos esperava, uma gravata foi usada em seus olhos, como venda, e outra amarrou seus punhos nas costas.
Agarrou seu braço com força e a guiou até colocá-la de frente para uma parede, encurralada, amassada entre o concreto e o corpo masculino e bem feito de Rodolfo. Ela logo sentiu que ele já estava completamente nu e com uma enorme ereção. Sim, ele adorava aqueles joguinhos.
— Agora você está mesmo de castigo. Vamos ver quanto tempo vai aguentar de pé.
Ele continuou a masturbá-la, mas daquela vez com mais força e mais vontade. Os dedos de Rodolfo escorregavam facilmente de tão molhada que ela estava, então, ela logo o sentiu penetrá-la de verdade, com seu pênis já ereto, apenas erguendo um pouco seus quadris para facilitar o acesso.
Como sempre, ele investia com força, deixando-a agoniada por tocá-lo, por senti-lo, mas não podia, era sua prisioneira.
Sentia as gotas de suor empaparem sua testa e grudar seus cabelos na pele, enquanto sua boca seca emitia gemidos incontroláveis. Não demorou muito para que sentisse um orgasmo se aproximando, consumindo-a inteira.
Mas Rodolfo nunca estava satisfeito.
Assim que percebeu que ela já tinha atingido o clímax, saiu de dentro dela e jogou-a na cama com violência, deitando-se por cima, posicionando-a de lado e novamente encaixando-se em seu corpo e recomeçando todo o ritual.
— Grite para mim, gatinha...
Ele nem precisava pedir. Assim que ouviu a voz sensual em seu ouvido, ela emitiu um alto gemido. Rodolfo ainda se ocupava de seus seios, causando uma fricção que era uma tortura. Também mordia sua pele, sem machucá-la, apenas deixando leves marcas, que ela sabia que desapareceriam em poucos segundos. Ele jamais a deixaria se apresentar na frente dos outros como uma mulher vulgar — o que era sua opinião. Sua preferência era por uma mulher liberal na cama, mas uma dama para a sociedade.
Quando Gisele sentiu outro orgasmo se aproximando, Rodolfo pareceu também prestes a atingi-lo, e o clímax veio ao mesmo tempo para os dois amantes.
Satisfeito, ela sentiu Rodolfo se virar na cama, de barriga para cima, respirando profundamente.
Gisele sentia falta de ser abraçada, de receber beijos e carinhos depois do sexo, mas Rodolfo dificilmente fazia isso. Gostava de espaço depois de gozar, e ela sempre lhe concedia.
Sentiu o colchão se remexer, sinal de que ele iria cumprir seu ritual de sempre: iria ao banheiro, se lavar e depois voltaria para a cama para dormir. Contudo, ao ouvir seus passos, Gisele alertou:
— Amor, pode me soltar, não pode? — falou com um sorriso no rosto, ainda com os punhos presos e vendada.
Ouviu uma risadinha e sentiu que ele se aproximava. Depositou um beijo em sua boca e novamente apertou seu seio de forma brincalhona.
— Não pretendo te soltar tão cedo. Quero você assim a noite inteira, pronta para mim e indefesa. Vou me aproveitar de você...
Ao dizer isso, ele continuou eu caminho e fechou a porta, realmente deixando-a ali.
Gisele suspirou, um pouco cansada, mas resignada. Seria uma noite muito longa, e ela não sabia se estava animada para tanto. Mas iria tentar aproveitar e se divertir.
Era quase meio-dia quando Gisele acordou com o barulho da campainha tocando. Exatamente como prometera, Rodolfo passara a madrugada inteira disposto a várias rodadas de sexo, das formas mais criativas possíveis, e agora ela estava um caco. Assim que conseguiu abrir os olhos, pesados e grudados do rímel da noite anterior, que ela esquecera de tirar, percebeu que seu noivo não estava mais do seu lado na cama. Estava sozinha. Sobre o travesseiro, havia um bilhete avisando que ele tivera que ir ao escritório para resolver um problema urgente, mas que estaria de volta para o jantar. Pedia que ela estivesse pronta, pois a levaria em seu restaurante favorito. Era sempre assim que ele resolvia suas ausências. Naquele sábado em particular, eles tinham combinado de resolver juntos algumas últimas decisões da festa de casamento, mas, pelo visto, ela teria que
Seu pai diria que estava louco. E só poderia estar mesmo levando aquela garota consigo, para ficar instalada em sua fazenda. Provavelmente a tinha salvado; a julgar pela violência com que tinham tentado arrombar a porta, com certeza não queriam apenas sentar, tomar um café e conversar. Queriam pegá-la, talvez para chantagear Rodolfo. Pediriam dinheiro? Talvez. Poderiam até não fazer mal à moça, mas ele não acreditava muito nisso. Diante desse cenário, como poderia ficar de braços cruzados? Se Rodolfo estava com problemas, impossibilitado de ajudar, era seu dever proteger a mulher que ele deixara para trás. Era isso que um homem honrado faria. Até porque não era a primeira vez que agia dessa forma. Estava cansado de limpar as merdas que
Não havia nada para fazer. Gisele não era uma mulher que se entediava fácil, até porque estava sempre atarefada, cheia de reuniões sociais e profissionais que preenchiam quase todas as suas noites, e ainda havia Rodolfo para entretê-la quando precisava de carinho e atenção. Naquela casa que não lhe pertencia, entretanto, passava o dia inteiro olhando para o teto e tentando não pensar demais. Cada pensamento que surgia em sua mente parecia uma faca afiada espalhando dor por cada partezinha escondida em seu corpo. De acordo com o relógio sobre o criado-mudo, já passava das sete da noite, o que significava que aquele tinha sido o dia mais improdutivo de toda sua existência. Precis
Rodrigo não queria se preocupar, não queria estar pensando no irmão com pesar e nem com vontade de quebrar a casa inteira só de imaginar que alguém poderia estar machucando-o ou pior. Não, não podia pensar no pior. Embora ele nem soubesse o que era o pior. Não temia a morte. E achava que nenhum ser humano deveria temê-la, afinal, ela era muito mais fácil do que a vida. Ah, essa sim o assustava. Intrigava-lhe a forma como as pessoas escolhiam viver suas vidas, como deixavam que coisas banais se tornassem importantes demais quando deveriam ser apenas problemas passageiros. E os seres humanos também matavam outros seres humanos. Que era exatamente o que Rodrigo não compreendia
Rodrigo tinha uma especial afeição especial pelo mato. Na verdade, era uma outra forma de dizer que gostava demais de seu cantinho para se afastar dele por muito tempo. Tanto que todas as vezes que precisava ir ao Rio de Janeiro para resolver qualquer problema com fornecedores ou compradores, sentia como se estivesse recebendo um convite VIP para o inferno. Em sua mente, todos os tipos de reclamação surgiam: calor demais, frio demais, poluição, pessoas mal educadas, preços exorbitantes, motoristas loucos, trânsito caótico e violência desmedida. Parecia um velho ranzinza. E talvez não estivesse muito longe disso, afinal. O mais longe de casa que conseguia ir era até o centro de Valença. E em poucos minutos já sentia vontade de correr para sua fazenda. Não tinha jeito mesmo.&nb
― Ainda bem que eu não enxergo para não ver o baita estrago que você vai fazer nesse chão de tanto andar de um lado para o outro. Era uma piadinha. Rodrigo podia ouvir o sarcasmo entranhado em cada letra da frase que ouviu. Em qualquer outra ocasião teria entrado na brincadeira, pois era raro ter o pai tão brincalhão, especialmente falando de sua deficiência com humor. Deveria ser algo para se comemorar, para ser enxergado como uma pequena vitória, mas ele não estava muito animado naquele momento. Apesar disso, preferiu não comentar nada. Tentando se acalmar, Rodrigo fialmente se sentou ao lado do pai, que sentiu sua presença e colocou a mão caleijada sobre a perna do filho, dando dois tapinhas camaradas para acalmá-lo.&nbs
Gisele estava esperando uma espelunca qualquer. Um bar daqueles bem xexelentos, com música sertaneja de raíz tocando, bêbados por todos os lados, mesa de sinuca e cheiro de urina. Mas já deveria imaginar que Rodrigo jamais a levaria para um lugar como esses. Era cavalheiro demais para isso. E levemente esquentado também, ainda mais com aquela firme ideia de protegê-la. Acabaria arrumando encrenca, com certeza. Quando ele parou o carro na frente de um depósito de bebidas e pediu que ela esperasse no carro, Gisele não compreendeu quais eram seus planos em um primeiro momento. Nem mesmo quando o viu colocando um engradado de cerveja e mais algumas garrafas de vodka na caçamba da picape. Ela só foi entender o que ele tinha em mente quando chegaram à fazenda. Por um mo
Gisele sentia como se estivesse flutuando em um mar turvo. Afogava-se, mas nem sequer tentava lutar para se salvar, apenas aceitava seu destino. A consciência ia e vinha, em um ritmo vertiginoso, mas ela permanecia inerte, presa à escuridão. Ouvia vozes ao redor a chamá-la. Sabia que tentavam reanimá-la, que deveria estar deixando todos muito preocupados, mas só queria ser um pouco egoísta e permanecer fora de si por mais um tempo. Se acordasse e se deparasse novamente com a vida real, acabaria se lembrando das imagens que vira pouco antes de perder os sentidos. E não queria lembrar. Não queria pensar que estava rolando na grama e beijando outro homem enquanto Rodolfo era torturado e passava por maus lençóis. Já tinha decidido que não o amava tanto quanto pensara, mas o correto seria conversar e tentar encontrar a melhor