Os saltos do sapato Loubotin batiam no piso de porcelanato do restaurante conforme ela andava. O som, ao qual ela sequer prestaria atenção em qualquer outro momento, parecia tão irritante quanto o zumbido de uma abelha instalada bem dentro do ouvido.
Não que isso fizesse diferença, afinal, ela já estava irritada o suficiente.
Tinha acabado de saltar de seu carro e naquele exato instante caminhava em direção a mesma mesa de sempre: a redonda, para seis lugares, na varanda do estabelecimento. Não que precisassem de espaço, mas Célia Loureiro queria ter controle sobre tudo e gostava de ter mais coisas do que realmente necessitava. Até mesmo cadeiras em uma mesa estúpida de um restaurante.
A cada passo que dava, sentia o coração bater mais apressado. Isso fazia com que acreditasse que era uma idiota, afinal, tratava-se apenas de sua mãe. Mas, para Gisele, isso significava muito mais do que uma simples reunião de família, especialmente porque o assunto que estaria em pauta em sua conversa daria um grande motivo para que ela se intrometesse em sua vida. Seu passatempo preferido.
Agarrando a alça da bolsa, como se isso fosse defendê-la de alguma coisa, ela finalmente chegou à mesa e deparou-se com sua mãe avaliando-a de cima a baixo, como sempre fazia.
Ela mal sentou-se e o primeiro comentário já veio:
― Acordou atrasada novamente?
― Não entendi a pergunta...
― Foi o que deduzi, ou seja, é a única explicação para a forma desleixada como está vestida.
Inconscientemente, Gisele baixou os olhos e checou suas próprias roupas. Naquele momento, usava uma calça jeans de uma marca bem cara, uma blusa de seda, de mangas longas, cor de pêssego, e um sapato meia pata preto. Não parecia haver nada de errado, se não levasse em consideração o fato de que Célia Loureiro vivia coberta por Chanel dos pés à cabeça.
― Eu vim tomar café da manhã com você e depois vou trabalhar. Não posso ir para a loja vestida como se estivesse indo receber o Oscar.
A resposta não foi das piores, mas a verdade é que todas as vezes que aquele tipo de conversa acontecia, Gisele se perguntava por que tinha que dar tantas explicações, por que sempre deixava que ela a diminuísse daquela forma, que fizesse com que se sentisse tão mal.
― Você é a futura esposa do dono da loja. Não só daquela onde trabalha, mas de toda a marca. Deveria se comportar como tal. Ou melhor, já deveria ter parado de trabalhar.
E tudo sempre se resumia a dinheiro e posição social. Gisele adorava dinheiro, sabia que não saberia viver sem alguns dos luxos com os quais estava acostumada desde que Célia se casara com seu padastro ― um homem santo, aliás ―, mas sua mãe excedia os limites. Era ostentadora e gostava de manter as aparências, mesmo que o mundo estivesse praticamente caindo sobre sua cabeça.
O que não era o caso de Gisele. A vida andava sorrindo para ela nos últimos tempos.
Pensando nisso, tentando deixar de lado a irritação que sua mãe sempre lhe provocava, ela tocou o pingente azul, preso à correntinha de ouro. A mesma com a qual fora presenteada anos atrás, a mesma pedrinha mágica da sorte.
― Não sei por que ainda guarda essa pedra estúpida. Quando era criança eu até entendia, mas agora, que é uma mulher adulta, não pode acreditar que é mesmo mágica ― Célia afirmou com desdém.
― E como não acreditaria? Se eu tinha qualquer dúvida, ela desapareceu seis meses atrás. Um dia depois de eu recuperar esta pedra, conheci Rodolfo.
― Está vendo, Gisele? É por isso que sua vida está sempre um caos. Se acreditasse menos em fantasia e focasse no que realmente é importante, já estaria com a bendita aliança na mão esquerda.
Ela quase gargalhou com a colocação da mãe. Estava namorando há apenas seis meses e já tinha sido pedida em casamento. Não que pudesse ser considerado um recorde, afinal, a própria Célia tinha levado o atual marido para o altar em poucas semanas.
― Esta pedrinha é a única lembrança que tenho do papai.
Pronto. Lá estava a confissão que não queria fazer. Odiava mostrar-se frágil na frente da mãe, mas sentira-se na obrigação de mencionar o pai. Por mais que ele não estivesse mais entre elas, era Gisele quem sempre se preocupava em manter suas memórias sempre vivas. A perda ainda lhe doía no coração, e ela acreditava que o sofrimento não desapareceria, como uma cicatriz eterna e feia, marcando-a para sempre.
Além disso, aquele era, talvez, o único assunto que fazia com que Célia perdesse um pouco daquele ar superior e intocável. No exato instante em que Gisele o mencionou, percebeu que ela respirou fundo, como se tivesse lhe faltado o ar. Seus olhos se fecharam instantaneamente, e Gisele sabia que ela fazia isso, porque temia que eles denunciassem seus sentimentos. Ainda havia amor dentro daquela mulher, mas ele fora enterrado junto com o marido. Embora, é claro, ela nunca o tivesse demonstrado, nem mesmo para ele.
Alguns minutos se passaram, onde um silêncio embaraçoso se colocou entre elas. Na verdade, sempre havia algo entre elas, mas nunca se tratava de um sentimento positivo, algo que pudesse assemelhar-se mais a um relacionamento entre mãe e filha.
Foi então que Célia mudou de assunto. Claro, até mesmo as conversas corriam da forma como ela queria. Estava sempre no comando.
― Mas não foi para construir um muro das lamentações que viemos até aqui. Vamos falar logo desse casamento; não tenho tempo a perder...
Ah, claro! Provavelmente ela não tinha mesmo tempo a perder. Com certeza tinha alguma hora marcada no salão de beleza.
Obedecendo-a, como sempre fazia, Gisele pegou sua bolsa Louis Vitton e retirou de lá, com todo o cuidado uma agendinha. Colocou-a sobre a mesa e começou a folheá-la até encontrar os dias que precisava checar.
― Aqui estão as indicações de fornecedores da Vânia, aquela amiga do Rodolfo que casou recentemente. A fotógrafa fez as fotos do casamento de várias celebridades.
― Celebridades? Você não é uma celebridade. É a futura esposa de um renomado empresário. Não pode se comparar a esse povo que sobe na vida usando o corpo... ― o desdém impregnado em sua voz era sempre irritante.
― Mas eu adorei as fotos. São de muito bom gosto... Olha... ― na mesma hora Gisele pegou seu iPhone e abriu o site da fotógrafa, como se necessitasse desesperadamente da aprovação dela.
Colocando seus óculos de grau da marca Cartier, Célia pegou o aparelho nas mãos e avaliou algumas fotos. A sobrancelha levantada era, sem dúvida, um sinal de seu desprezo pelo que via.
― Achei razoável. Fotos de casamento são para a vida inteira, você não vai querer que elas sejam razoáveis.
As malditas fotos eram incríveis. Cheias de emoção, bem trabalhadas e perfeitamente tiradas. Não havia nada de razoáveis nelas.
Isso era o que Gisele deveria ter dito. Mas não disse.
― Eu conheço um fotógrafo bem melhor ― Célia entregou-lhe um cartão de visitas simples, mas chique. Hesitante, Gisele o pegou e analisou. ― Diga que é minha filha e eles encontrarão um espaço na agenda. Aliás, acho melhor que eu deixe com você os nomes dos fornecedores das festas que organizo. Eles não trabalham em festas de celebridades, mas em eventos de políticos, empresários e pessoas da alta sociedade carioca. Você não vai querer envergonhar a família de Rodolfo com suas escolhas.
Quando deu por si, Gisele já tinha uma pasta completa nas mãos. Lá tinha cartões e folders de vários fornecedores, desde iluminação a floriculturas e bandas de classe. Ela não teria trabalho algum. O dinheiro trabalharia por ela.
― O que seria de você sem mim, Gisele? ― com um sorriso vitorioso no rosto, Célia bebericou seu chá gelado e observou enquanto o garçom as servia com um belíssimo café da manhã com waffles, tortinhas de limão, frutas e panquecas, além de variados sabores de geleias, patês e frios.
Estava tão irritada, enquanto avaliava o material que tinha nas mãos que nem percebeu que sua mão estava indo direto no prato das tortinhas. Em qualquer ocasião, se fosse qualquer outra pessoa, Gisele poderia dizer que sua mãe estava apenas tentando ajudar. E claro que aqueles profissionais eram os melhores no ramo e proporcionariam uma festa dos sonhos para qualquer mulher. E ela queria uma festa dos sonhos... queria ser uma princesa por um dia, a princesa que seu pai sempre dizia que ela era. Mas, por mais que quisesse um casamento luxuoso, também queria poder ter o prazer de escolher cada detalhe, de fazer as coisas com amor. Afinal, não era por amor que estava casando?
Tudo que sua mãe lhe oferecia parecia tão frio quanto ela mesma. O que não era de se surpreender.
― Gisele, tem certeza que vai comer isso? É uma bomba calórica! Não vai querer parecer um bolo confeitado no seu próprio casamento, não é?
E isso foi o limite.
― Mas que merda, mãe! ― com força, ela fechou a pasta e elevou a voz, fazendo com que várias pessoas ao redor voltassem seus olhos para a mesa onde elas estavam. ― Não pode controlar tudo! É o meu casamento! É a minha droga de vida... e eu posso comer o que eu quiser. Você não manda mais em mim... Não vou deixar!
A última frase saiu como um sussurro, como se, por mais que tivesse tentado soar segura, ainda não tivesse a força necessária para enfrentar a mulher que a atormentava desde pequena.
― Já terminou? ― com a mesma calma de sempre, Célia olhou para a filha da mesma forma como tinha olhado minutos antes de Gisele ter explodido: como se ela fosse um ser inferior. ― Espero que tenha liberado todo seu estresse, que é particularmente compreensível por causa da proximidade do casamento, porque não vou tolerar outra grosseria como essa. Sabe que se tentar fazer as coisas por si mesma vai dar tudo errado. Sempre dá. Você não é muito talentosa em muitas coisas e tem que aceitar isso. Foi uma sorte ter nascido bonita.
Ela deveria encarar aquilo como um elogio, pois era o único que iria receber em muito tempo. Na verdade nem se lembrava de já ter recebido algum vindo dela em toda sua vida.
― Mãe, acho melhor eu ir embora. Estou mesmo muito nervosa por causa dos preparativos, e não vamos conseguir conversar direito. Obrigada pela ajuda e me desculpe.
Célia não disse nada, apenas meneou a cabeça em uma afirmativa e novamente levou a xícara de porcelana à boca, como se nem se importasse com qualquer ação da filha. Como se ter ou não ter sua presença ali não fizesse a menor diferença.
Conforme caminhava para fora do restaurante, novamente ouvindo o barulho chato dos saltos dos sapatos, sentia-se desapontada consigo mesma. Conseguira levantar sua voz, demonstrar sua opinião, iniciar uma batalha por seus direitos, mas novamente falhara. Queria despertar qualquer emoção naquela mulher fria e insensível; queria vê-la gritar também, abandonar aquela postura de controle e segurança e reagir como uma pessoa normal. Mas nunca acontecia.
E talvez nunca acontecesse. Só lhe restava perder as esperanças e se contentar com o que tinha.
E não tinha, exatamente, muito o que reclamar. Estava prestes a se casar com um homem que não apenas a tratava como uma princesa, mas que também tinha condições de lhe dar uma vida de realeza. No final das contas, era tudo que importava naquele momento.
***
Uma dor bastante incômoda queimava suas têmporas, como em um princípio de resfriado. Contudo, ela sabia muito bem que sua doença tinha nome: Célia Loureiro.
Apesar disso, decidiu que a melhor escolha era deixar aquilo para lá, como sempre fazia. Até porque, estava chegando em casa, de volta ao seu palácio. E, afinal de contas, todo conto de fadas tinha uma bruxa malvada, não é mesmo? Por que seria diferente com ela?
Por mais que já morasse ali há um mês, Gisele sempre sentia-se um pouco abismada com a beleza e a opulência daquele lugar.
A cobertura estava localizada em um dos bairros mais caros do Rio de Janeiro: o Leblon. Tratava-se de um imóvel de mais de trezentos metros quadrados, triplex, com uma incrível vista para a Lagoa Rodrigo de Freitas. A decoração era elegante e minimalista, mas Rodolfo sabia dar valor a tudo de bom que seu dinheiro podia comprar. Os quadros de Salvador Dali originais, cada um avaliado em pouco mais de um milhão de reais, os tapetes persa, as peças de cristal... tudo ali cheirava a riqueza. E Gisele não podia reclamar nem um pouco, pois ela adorava tudo aquilo; adorava tudo que o dinheiro lhe proporcionava, afinal, sua mãe sempre lhe ensinara que ele pode lhe tornar mais bonita, mais legal e mais respeitável.
Normalmente não dava muitos créditos às coisas que Célia Loureiro dizia, principalmente porque suas habilidades como mãe não eram exatamente admiráveis, mas ela tinha razão quando se tratava de dinheiro.
Subiu, portanto, as escadas sem nenhuma pressa e chegou ao quarto que partilhava com Rodolfo. Um quarto dos sonhos, é claro. Um pouco masculino ainda, porque ela morava ali há muito pouco tempo para ter mudado qualquer coisa, mas já tinham combinado que ela teria total aval para modificar o que quisesse depois do casamento.
Casamento... precisava confessar que a palavra ainda a assustava um pouco. Nunca podia comentar tal coisa com qualquer uma de suas amigas ― muito menos com a mãe ―, porque todas afirmavam a mesma coisa: como ela poderia estar insegura com o fato de que estava prestes a se casar com um verdadeiro príncipe encantado? Rodolfo Baroli era bonito, rico, gentil e a amava. Ela sabia disso, não apenas porque ele sempre fazia questão de repetir, mas principalmente porque ele demonstrava. E havia um grande abismo entre palavras e ações. Palavras desaparecem de sua mente como um lampejo de tempestade, são efêmeras; enquanto atitudes permanecem muito mais tempo em suas lembranças. São elas que restam, no final das contas.
Pensar em tudo isso era melancólico e até um pouco mórbido; e Gisele sempre fugia de pensamentos como aquele.
Por isso, tirou a roupa e começou a encher a banheira para tomar um banho exatamente como merecia. Tinha o dia inteiro para aquilo, afinal era sábado e estava sozinha, uma vez que Rodolfo estava trabalhando. E Gisele apreciava imensamente a solidão.
Apreciava os momentos que passava consigo mesma, quando podia conversar com sua consciência e descobrir um pouco mais de si mesma. Naquele momento, por exemplo, enquanto seu corpo relaxava depois da conversa estressante com sua mãe, ela sentia-se realizada, forte, como se nada pudesse abalar suas estruturas. Mas e quando fechava os olhos e tentava, por meio de reflexões mais íntimas, enxergar o que realmente havia em sua alma? Será que se reconhecia como a mulher que tinha se tornado?
Talvez ela não soubesse exatamente a resposta, pois sempre evitava aquele tipo de pensamento. Era muito mais fácil aceitar a realidade. Mas, apesar disso, sempre insistia em questionar-se o que teria acontecido com sua vida se seu pai ainda estivesse vivo. Tinha plena certeza que seria uma pessoa diferente, teria feito escolhas diferentes. Perguntava-se principalmente se ele teria orgulho da mulher que ela tinha se tornado ou se por muitas vezes sentia vontade de retornar, de onde quer que estivesse, para lhe puxar as orelhas e colocá-la de volta no caminho certo.
Salva pelo gongo, Gisele ouviu seu celular tocando. Já sabendo que deveria ser Rodolfo, uma vez que quase ninguém lhe telefonava, apenas esticou a mão, pegou uma toalha para secá-la e depois buscou o aparelho.
Exatamente como imaginara, era o noivo. Não que houvesse muitas outras opções. Gisele não era o que se podia chamar de uma pessoa muito popular.
― Olá, querida! ― com a voz animada, como sempre, Rodolfo a cumprimentou antes mesmo que ela dissesse qualquer coisa. ― Como foi com sua mãe?
― Precisa perguntar?
Rodolfo deu uma risadinha. Não tencionava soar sarcástico, apenas demonstrar que compreendia exatamente o porquê de ela ter respondido sua pergunta com outra indagação.
E por mais que o assunto fosse desagradável, ela não podia deixar de pensar no quanto a risada dele era sexy.
― Então vou mudar a pergunta: está ocupada?
― Estou tomando um banho... de banheira! Bem preguiçosa, molhada e nua...
Mais uma risadinha.
― Você não deveria me provocar desse jeito... Estou no intervalo de uma reunião, e vou ficar pensando nessa imagem até te encontrar novamente ― a voz de Rodolfo, já rouca e sensual naturalmente, assumiu um tom ainda mais sussurrante, que era capaz de enlouquecê-la. Daquela vez, portanto, foi ela quem riu.
― Por que perguntou se eu estou ocupada? Precisa de alguma coisa?
― Você já foi ao escritório?
― Não.
― Então quero que saia da banheira e vá lá, por favor...
Gisele não estava entendendo onde ele queria chegar, mas sabia que Rodolfo sempre era bom em surpreendê-la, então, decidiu entrar na brincadeira. Pedindo um minuto, portanto, ela colocou o celular no chão e saiu da banheira com todo cuidado, enrolando-se em uma toalha.
Já de pé e começando a caminhar, ela pegou de volta o telefone e foi na direção do escritório da bela cobertura.
Assim que chegou lá, enquanto Rodolfo esperava pacientemente e em silêncio, ela abriu a porta e logo viu uma sacola da Gucci sobre a mesa.
― Você é louco?
― Encontrou?
― Sim! ― exclamou ela, como uma criança quando ganha uma bicicleta no Natal. Imediatamente colocou o celular no viva-voz, sobre a mesa, e começou a abrir o embrulho.
Depois que terminou de abrir a surpresa, um lindo vestido preto, minimalista, de um ombro só, de cintura marcada e saia rodada, foi revelado. Os olhos de Gisele brilharam. Era um presente maravilhoso; mais um, uma vez que Rodolfo sempre a surpreendia com coisas lindas e caras.
― Rodolfo! É maravilhoso!
― Que bom que gostou... ― ele falou com falsa modéstia, uma vez que conhecia exatamente o gosto da noiva. ― Mas isso não é tudo. Abra a primeira gaveta da minha mesa.
Mais uma vez ela obedeceu. Daquela vez, portanto, ela encontrou uma caixinha de veludo que deixou pouco espaço para sua imaginação. Quando ela a abriu, deparou-se com um incrível par de brincos de diamantes, em fomato de gota, que combinavam perfeitamente com a pedrinha "mágica", presente de seu pai, que ela sempre usava consigo. Rodolfo, além de muito generoso com presentes, era sempre sensível. Exatamente por ele saber o quanto aquela pedrinha era especial para ela, Gisele sentiu o coração aquecer por ele.
― São lindos. Obrigada ― sensibilizada pelo gesto, ela mal sabia o que dizer. Havia um bolo em sua garganta e a promessa de lágrimas no canto de seus olhos.
― Quero que use, tanto o vestido quanto os brincos, hoje à noite.
― Vamos sair?
― Sim. Mário e Ângela nos convidaram para um jantar. Você bem que poderia usar o anel de noivado da família?
Quando a pediu em casamento oficialmente, Rodolfo a presenteou com um anel valiosíssimo de diamante azul, estimado em mais de quinze milhões de reais. Fora um presente do tataravô Baroni para sua esposa e foi passando de geração em geração. Foi a única riqueza que a família possuiu por muito tempo, uma vez que os avós de Rodolfo foram muito pobres — pelo que ele contou —, mas mesmo assim ninguém o vendeu. Conseguiram criar sua fazenda por méritos próprios. Sendo assim, Gisele o tinha guardado dentro de seu cofre pessoal, no apartamento, para que não o perdesse ou fosse assaltada. Usara apenas na festa de noivado e chamou demais a atenção de todos. Depois disso, decidiu que usaria apenas no casamento, optando por, no dia a dia, usar a aliança de ouro comum.
— Mário e Ângela? — ela tentou disfarçar uma careta.
Aquela não era uma notícia animadora para Gisele. Primeiro porque não estava muito animada com a ideia de sair e ficar acordada até tarde. Tinha planos de passar a noite apenas com Rodolfo, conversando sobre os preparativos para o casamento, tomando uma boa taça de vinho e fazendo amor preguiçosamente. Porém, não era apenas isso... O maior problema era que o casal mencionado não era o seu favorito. Ângela era uma mulher muito fútil e burra. Não que Gisele não tivesse seus momentos de futilidade, mas ao menos sabia conversar de assuntos que não fossem roupas, acessórios e maquiagens. Já Mário, era um fanfarrão pedante que gostava de diminuir pessoas e fazer piadinhas sem graça.
Apesar disso, e apesar de não terem nada a ver com eles, Rodolfo os adorava e sempre que podia marcava aqueles encontros que eram torturantes para ela. Por isso, precisava ser complacente e aceitar.
― Tudo bem, amor. Que horas devo estar pronta?
― Vou m****r um carro buscá-la às nove. Pode ser?
― Claro.
― Ótimo! Estou ansioso para vê-la nesse vestido. Até mais.
E desligou.
Imediatamente, Gisele pegou seus presentes e levou-os para a suite presidencial, onde iria experimentar tudo que tinha ganhado. Se precisasse trocar o vestido, ainda teria tempo.
Contudo, conforme ela já esperava, a roupa caiu perfeitamente em seu corpo, melhor até do que se ela tivesse comprado.
Rodolfo nunca fazia nada errado... nunca cometia um deslize, nem mesmo errar o manequim da futura esposa.
Ainda usando o belo vestido, Gisele deitou-se na cama de barriga para cima, fitando o teto do quarto. Sentia-se estranha, nostálgica e melancólica, e esperava que fosse por causa da aproximação do casamento, que aconteceria em mais ou menos três meses. Não tinha nenhuma amiga próxima com quem pudesse conversar, mas acreditava ― ou queria acreditar ― que a insegurança que sentia era normal para uma noiva.
Sabia que amava Rodolfo, que era o homem dos sonhos dela e de qualquer outra mulher. Sabia que ele seria um marido exemplar, carinhoso, generoso e leal.
Quer dizer... será que sabia mesmo?
Conhecia-o há muito pouco tempo para poder afirmar com convicção todas aquelas coisas. E havia outras que ela nem saberia especular pela breve convivência. Não saberia dizer se Rodolfo a apoiaria em um momento difícil, se ele se orgulharia dela em uma vitória, se ainda a chamaria de linda quando a visse doente, passando mal com uma virose ou uma gripe... Não poderia afirmar se ele a amaria incondicionalmente, se a escolheria mesmo quando descobrisse todos os seus defeitos. Como amante, ele era incrível, mas seria também um bom amigo ao longo da convivência?
Se estivesse ao lado de sua mãe, desabafando daquela forma ― coisa que ela nunca faria, em hipótese alguma ―, ela lhe diria que estava sendo idiota e infantil, que um homem perfeito como Rodolfo Baroni não batia na porta de uma mulher todos os dias e que deveria ser crime pensar em tais coisas depois de ter recebido dois presentes tão incríveis.
Bem, e era nisso que Gisele tinha que focar. Havia sentimento, havia paixão e haveria vestidos e brincos como aquele. Tinha que levantar as mãos para o céu e deixar de ser tola. Tinha tudo nas mãos, só restava fechar os dedos e agarrar a sorte, antes que ela lhe escapasse...
Como um leão enjaulado, ele caminhava de um lado para o outro, marchando sobre o piso impecavelmente limpo que cheirava a limão. Rodrigo não gostava de esperas. Não gostava de portas fechadas, muito menos de cochichos e olhares cúmplices onde não participava do segredo. Odiava ser deixado de lado ou enganado. Principalmente porque, sendo um homem justo, dificilmente enganava a alguém. Seu pai sempre dizia que esperava demais das pessoas, que nem todos os seres humanos pensavam da mesma forma, que cada criatura tinha uma alma diferente, que agia conforme sua própria índole. Muitas vezes, o bom e velho Chico Baroni resmungava reclamando que Deus poderia ter colocado um filho com um pouco menos de caráter em sua vida, pois el
Era quase meio-dia quando Gisele acordou com o barulho da campainha tocando. Exatamente como prometera, Rodolfo passara a madrugada inteira disposto a várias rodadas de sexo, das formas mais criativas possíveis, e agora ela estava um caco. Assim que conseguiu abrir os olhos, pesados e grudados do rímel da noite anterior, que ela esquecera de tirar, percebeu que seu noivo não estava mais do seu lado na cama. Estava sozinha. Sobre o travesseiro, havia um bilhete avisando que ele tivera que ir ao escritório para resolver um problema urgente, mas que estaria de volta para o jantar. Pedia que ela estivesse pronta, pois a levaria em seu restaurante favorito. Era sempre assim que ele resolvia suas ausências. Naquele sábado em particular, eles tinham combinado de resolver juntos algumas últimas decisões da festa de casamento, mas, pelo visto, ela teria que
Seu pai diria que estava louco. E só poderia estar mesmo levando aquela garota consigo, para ficar instalada em sua fazenda. Provavelmente a tinha salvado; a julgar pela violência com que tinham tentado arrombar a porta, com certeza não queriam apenas sentar, tomar um café e conversar. Queriam pegá-la, talvez para chantagear Rodolfo. Pediriam dinheiro? Talvez. Poderiam até não fazer mal à moça, mas ele não acreditava muito nisso. Diante desse cenário, como poderia ficar de braços cruzados? Se Rodolfo estava com problemas, impossibilitado de ajudar, era seu dever proteger a mulher que ele deixara para trás. Era isso que um homem honrado faria. Até porque não era a primeira vez que agia dessa forma. Estava cansado de limpar as merdas que
Não havia nada para fazer. Gisele não era uma mulher que se entediava fácil, até porque estava sempre atarefada, cheia de reuniões sociais e profissionais que preenchiam quase todas as suas noites, e ainda havia Rodolfo para entretê-la quando precisava de carinho e atenção. Naquela casa que não lhe pertencia, entretanto, passava o dia inteiro olhando para o teto e tentando não pensar demais. Cada pensamento que surgia em sua mente parecia uma faca afiada espalhando dor por cada partezinha escondida em seu corpo. De acordo com o relógio sobre o criado-mudo, já passava das sete da noite, o que significava que aquele tinha sido o dia mais improdutivo de toda sua existência. Precis
Rodrigo não queria se preocupar, não queria estar pensando no irmão com pesar e nem com vontade de quebrar a casa inteira só de imaginar que alguém poderia estar machucando-o ou pior. Não, não podia pensar no pior. Embora ele nem soubesse o que era o pior. Não temia a morte. E achava que nenhum ser humano deveria temê-la, afinal, ela era muito mais fácil do que a vida. Ah, essa sim o assustava. Intrigava-lhe a forma como as pessoas escolhiam viver suas vidas, como deixavam que coisas banais se tornassem importantes demais quando deveriam ser apenas problemas passageiros. E os seres humanos também matavam outros seres humanos. Que era exatamente o que Rodrigo não compreendia
Rodrigo tinha uma especial afeição especial pelo mato. Na verdade, era uma outra forma de dizer que gostava demais de seu cantinho para se afastar dele por muito tempo. Tanto que todas as vezes que precisava ir ao Rio de Janeiro para resolver qualquer problema com fornecedores ou compradores, sentia como se estivesse recebendo um convite VIP para o inferno. Em sua mente, todos os tipos de reclamação surgiam: calor demais, frio demais, poluição, pessoas mal educadas, preços exorbitantes, motoristas loucos, trânsito caótico e violência desmedida. Parecia um velho ranzinza. E talvez não estivesse muito longe disso, afinal. O mais longe de casa que conseguia ir era até o centro de Valença. E em poucos minutos já sentia vontade de correr para sua fazenda. Não tinha jeito mesmo.&nb
― Ainda bem que eu não enxergo para não ver o baita estrago que você vai fazer nesse chão de tanto andar de um lado para o outro. Era uma piadinha. Rodrigo podia ouvir o sarcasmo entranhado em cada letra da frase que ouviu. Em qualquer outra ocasião teria entrado na brincadeira, pois era raro ter o pai tão brincalhão, especialmente falando de sua deficiência com humor. Deveria ser algo para se comemorar, para ser enxergado como uma pequena vitória, mas ele não estava muito animado naquele momento. Apesar disso, preferiu não comentar nada. Tentando se acalmar, Rodrigo fialmente se sentou ao lado do pai, que sentiu sua presença e colocou a mão caleijada sobre a perna do filho, dando dois tapinhas camaradas para acalmá-lo.&nbs
Gisele estava esperando uma espelunca qualquer. Um bar daqueles bem xexelentos, com música sertaneja de raíz tocando, bêbados por todos os lados, mesa de sinuca e cheiro de urina. Mas já deveria imaginar que Rodrigo jamais a levaria para um lugar como esses. Era cavalheiro demais para isso. E levemente esquentado também, ainda mais com aquela firme ideia de protegê-la. Acabaria arrumando encrenca, com certeza. Quando ele parou o carro na frente de um depósito de bebidas e pediu que ela esperasse no carro, Gisele não compreendeu quais eram seus planos em um primeiro momento. Nem mesmo quando o viu colocando um engradado de cerveja e mais algumas garrafas de vodka na caçamba da picape. Ela só foi entender o que ele tinha em mente quando chegaram à fazenda. Por um mo