Rodrigo não queria se preocupar, não queria estar pensando no irmão com pesar e nem com vontade de quebrar a casa inteira só de imaginar que alguém poderia estar machucando-o ou pior. Não, não podia pensar no pior. Embora ele nem soubesse o que era o pior.
Não temia a morte. E achava que nenhum ser humano deveria temê-la, afinal, ela era muito mais fácil do que a vida. Ah, essa sim o assustava. Intrigava-lhe a forma como as pessoas escolhiam viver suas vidas, como deixavam que coisas banais se tornassem importantes demais quando deveriam ser apenas problemas passageiros.
E os seres humanos também matavam outros seres humanos. Que era exatamente o que Rodrigo não compreendia
Rodrigo tinha uma especial afeição especial pelo mato. Na verdade, era uma outra forma de dizer que gostava demais de seu cantinho para se afastar dele por muito tempo. Tanto que todas as vezes que precisava ir ao Rio de Janeiro para resolver qualquer problema com fornecedores ou compradores, sentia como se estivesse recebendo um convite VIP para o inferno. Em sua mente, todos os tipos de reclamação surgiam: calor demais, frio demais, poluição, pessoas mal educadas, preços exorbitantes, motoristas loucos, trânsito caótico e violência desmedida. Parecia um velho ranzinza. E talvez não estivesse muito longe disso, afinal. O mais longe de casa que conseguia ir era até o centro de Valença. E em poucos minutos já sentia vontade de correr para sua fazenda. Não tinha jeito mesmo.&nb
― Ainda bem que eu não enxergo para não ver o baita estrago que você vai fazer nesse chão de tanto andar de um lado para o outro. Era uma piadinha. Rodrigo podia ouvir o sarcasmo entranhado em cada letra da frase que ouviu. Em qualquer outra ocasião teria entrado na brincadeira, pois era raro ter o pai tão brincalhão, especialmente falando de sua deficiência com humor. Deveria ser algo para se comemorar, para ser enxergado como uma pequena vitória, mas ele não estava muito animado naquele momento. Apesar disso, preferiu não comentar nada. Tentando se acalmar, Rodrigo fialmente se sentou ao lado do pai, que sentiu sua presença e colocou a mão caleijada sobre a perna do filho, dando dois tapinhas camaradas para acalmá-lo.&nbs
Gisele estava esperando uma espelunca qualquer. Um bar daqueles bem xexelentos, com música sertaneja de raíz tocando, bêbados por todos os lados, mesa de sinuca e cheiro de urina. Mas já deveria imaginar que Rodrigo jamais a levaria para um lugar como esses. Era cavalheiro demais para isso. E levemente esquentado também, ainda mais com aquela firme ideia de protegê-la. Acabaria arrumando encrenca, com certeza. Quando ele parou o carro na frente de um depósito de bebidas e pediu que ela esperasse no carro, Gisele não compreendeu quais eram seus planos em um primeiro momento. Nem mesmo quando o viu colocando um engradado de cerveja e mais algumas garrafas de vodka na caçamba da picape. Ela só foi entender o que ele tinha em mente quando chegaram à fazenda. Por um mo
Gisele sentia como se estivesse flutuando em um mar turvo. Afogava-se, mas nem sequer tentava lutar para se salvar, apenas aceitava seu destino. A consciência ia e vinha, em um ritmo vertiginoso, mas ela permanecia inerte, presa à escuridão. Ouvia vozes ao redor a chamá-la. Sabia que tentavam reanimá-la, que deveria estar deixando todos muito preocupados, mas só queria ser um pouco egoísta e permanecer fora de si por mais um tempo. Se acordasse e se deparasse novamente com a vida real, acabaria se lembrando das imagens que vira pouco antes de perder os sentidos. E não queria lembrar. Não queria pensar que estava rolando na grama e beijando outro homem enquanto Rodolfo era torturado e passava por maus lençóis. Já tinha decidido que não o amava tanto quanto pensara, mas o correto seria conversar e tentar encontrar a melhor
Protegida nos braços do homem por quem — agora sabia — estava perdidamente apaixonada, Gisele refletia. Tentava buscar em sua mente algum resquício de arrependimento pelo que tinha acabado de acontecer, mas estava tão em êxtase, que mal conseguia esconder. E não queria. Fazia tempo demais que não sorria daquela forma tão plena, que se sentia uma boba, uma adolescente. Tanto que começou a gargalhar sem nenhum motivo. Rodrigo, que estivera com os olhos fechados até então, abriu-os e estreitou os braços ao redor dela, também sorrindo e sendo contagiada. — Do que está rindo? — ele indagou curioso.&nbs
Rodrigo dirigia em silêncio, com os dedos firmemente presos ao volante. Segurava-o com tanta força que os nós de seus dedos chegavam a ficar brancos. Gisele, ao seu lado, também estava calada, preocupada. Era como se aquela estrada à frente fosse um corredor da morte, a julgar pela morbidez de suas expressões. A cada quilômetro que avançavam, Rodrigo dava uma olhada nela, quase com a esperança de que mudasse de ideia e pedisse, assustada, que ele desse meia volta e retornasse para Valença, para a fazenda onde ele sabia que poderia mantê-la segura. A partir do momento que cruzassem a entrada para o Rio de Janeiro, não poderia prometer mais nada. O tempo, inclusive, combinava com seus humores. O dia estava cinzento, cheio de nuve
Ainda um pouco desorientado, Rodrigo começou a abrir os olhos. A dor lancinante em sua nuca manifestou-se como uma punhalada, deixando-o zonzo por mais alguns segundos. Tanto que precisou se deitar novamente no chão, incapaz de se levantar. Não conseguiu se lembrar de muita coisa nos primeiros minutos depois de recuperar a consciência, mas aos poucos sua memória começou a retornar. Flashes de pessoas mascaradas partindo para cima dele invadiam sua mente, e ele logo compreendeu o que tinha acontecido. Então, um único pensamento sobrepujou todos os outros: Gisele. Ainda não se sentia completamente estável para se levantar, mas o fez, mesmo cambaleante, e subiu as escadas de dois em dois degraus. Abr
Um gosto amargo na boca, uma dor lancinante na nuca e uma estranha sensação de não conseguir se mexer. Gisele sentia as pálpebras pesadas, o corpo dolorido deitado sobre algo concreto e duro que — definitivamente — não era a sua cama. Estava confusa também. Não fazia ideia do que tinha acontecido ou onde estava, só sabia que temia abrir os olhos. As memórias começaram a retornar à sua mente de forma perigosa. Não pareciam dispostas a lhe dar trégua ou suavizar as notícias. Antes mesmo de precisar olhar ao seu redor, já sabia que tinha sido sequestrada. Estava com tornozelos atados e com os punhos presos às costas. O gosto amargo na língua provinha de um pano que a amordaçava e que não parecia dos mais limpos.&nbs