Gisele estava esperando uma espelunca qualquer. Um bar daqueles bem xexelentos, com música sertaneja de raíz tocando, bêbados por todos os lados, mesa de sinuca e cheiro de urina. Mas já deveria imaginar que Rodrigo jamais a levaria para um lugar como esses. Era cavalheiro demais para isso. E levemente esquentado também, ainda mais com aquela firme ideia de protegê-la. Acabaria arrumando encrenca, com certeza.
Quando ele parou o carro na frente de um depósito de bebidas e pediu que ela esperasse no carro, Gisele não compreendeu quais eram seus planos em um primeiro momento. Nem mesmo quando o viu colocando um engradado de cerveja e mais algumas garrafas de vodka na caçamba da picape.
Ela só foi entender o que ele tinha em mente quando chegaram à fazenda. Por um mo
Gisele sentia como se estivesse flutuando em um mar turvo. Afogava-se, mas nem sequer tentava lutar para se salvar, apenas aceitava seu destino. A consciência ia e vinha, em um ritmo vertiginoso, mas ela permanecia inerte, presa à escuridão. Ouvia vozes ao redor a chamá-la. Sabia que tentavam reanimá-la, que deveria estar deixando todos muito preocupados, mas só queria ser um pouco egoísta e permanecer fora de si por mais um tempo. Se acordasse e se deparasse novamente com a vida real, acabaria se lembrando das imagens que vira pouco antes de perder os sentidos. E não queria lembrar. Não queria pensar que estava rolando na grama e beijando outro homem enquanto Rodolfo era torturado e passava por maus lençóis. Já tinha decidido que não o amava tanto quanto pensara, mas o correto seria conversar e tentar encontrar a melhor
Protegida nos braços do homem por quem — agora sabia — estava perdidamente apaixonada, Gisele refletia. Tentava buscar em sua mente algum resquício de arrependimento pelo que tinha acabado de acontecer, mas estava tão em êxtase, que mal conseguia esconder. E não queria. Fazia tempo demais que não sorria daquela forma tão plena, que se sentia uma boba, uma adolescente. Tanto que começou a gargalhar sem nenhum motivo. Rodrigo, que estivera com os olhos fechados até então, abriu-os e estreitou os braços ao redor dela, também sorrindo e sendo contagiada. — Do que está rindo? — ele indagou curioso.&nbs
Rodrigo dirigia em silêncio, com os dedos firmemente presos ao volante. Segurava-o com tanta força que os nós de seus dedos chegavam a ficar brancos. Gisele, ao seu lado, também estava calada, preocupada. Era como se aquela estrada à frente fosse um corredor da morte, a julgar pela morbidez de suas expressões. A cada quilômetro que avançavam, Rodrigo dava uma olhada nela, quase com a esperança de que mudasse de ideia e pedisse, assustada, que ele desse meia volta e retornasse para Valença, para a fazenda onde ele sabia que poderia mantê-la segura. A partir do momento que cruzassem a entrada para o Rio de Janeiro, não poderia prometer mais nada. O tempo, inclusive, combinava com seus humores. O dia estava cinzento, cheio de nuve
Ainda um pouco desorientado, Rodrigo começou a abrir os olhos. A dor lancinante em sua nuca manifestou-se como uma punhalada, deixando-o zonzo por mais alguns segundos. Tanto que precisou se deitar novamente no chão, incapaz de se levantar. Não conseguiu se lembrar de muita coisa nos primeiros minutos depois de recuperar a consciência, mas aos poucos sua memória começou a retornar. Flashes de pessoas mascaradas partindo para cima dele invadiam sua mente, e ele logo compreendeu o que tinha acontecido. Então, um único pensamento sobrepujou todos os outros: Gisele. Ainda não se sentia completamente estável para se levantar, mas o fez, mesmo cambaleante, e subiu as escadas de dois em dois degraus. Abr
Um gosto amargo na boca, uma dor lancinante na nuca e uma estranha sensação de não conseguir se mexer. Gisele sentia as pálpebras pesadas, o corpo dolorido deitado sobre algo concreto e duro que — definitivamente — não era a sua cama. Estava confusa também. Não fazia ideia do que tinha acontecido ou onde estava, só sabia que temia abrir os olhos. As memórias começaram a retornar à sua mente de forma perigosa. Não pareciam dispostas a lhe dar trégua ou suavizar as notícias. Antes mesmo de precisar olhar ao seu redor, já sabia que tinha sido sequestrada. Estava com tornozelos atados e com os punhos presos às costas. O gosto amargo na língua provinha de um pano que a amordaçava e que não parecia dos mais limpos.&nbs
Rodrigo podia jurar que iria furar o chão de tanto que andava de um lado para o outro na sala de espera do hospital. Queria notícias, mas apenas Célia e o marido puderam subir para o andar da Unidade de Terapia Intensiva. Ele tivera que ficar no andar da recepção, em companhia de Rodolfo, o que era um pouco constrangedor. Este, na verdade, estava um pouco mais calmo, embora também parecesse preocupado, mantendo a mão na cabeça, com uma expressão sofrida no rosto. Um médico surgiu, e Rodrigo praticamente pulou em cima dele, mas não se tratava do mesmo que estava operando Gisele. Ainda não havia nenhuma novidade. — Rodrigo, por favor, se controle. Isso não vai ajudar Gisele em nada.&
Os saltos do sapato Loubotin batiam no piso de porcelanato do restaurante conforme ela andava. O som, ao qual ela sequer prestaria atenção em qualquer outro momento, parecia tão irritante quanto o zumbido de uma abelha instalada bem dentro do ouvido. Não que isso fizesse diferença, afinal, ela já estava irritada o suficiente. Tinha acabado de saltar de seu carro e naquele exato instante caminhava em direção a mesma mesa de sempre: a redonda, para seis lugares, na varanda do estabelecimento. Não que precisassem de espaço, mas Célia Loureiro queria ter controle sobre tudo e gostava de ter mais coisas do que realmente necessitava. Até mesmo cadeiras em uma mesa estúpida de um restaurante.&n
Como um leão enjaulado, ele caminhava de um lado para o outro, marchando sobre o piso impecavelmente limpo que cheirava a limão. Rodrigo não gostava de esperas. Não gostava de portas fechadas, muito menos de cochichos e olhares cúmplices onde não participava do segredo. Odiava ser deixado de lado ou enganado. Principalmente porque, sendo um homem justo, dificilmente enganava a alguém. Seu pai sempre dizia que esperava demais das pessoas, que nem todos os seres humanos pensavam da mesma forma, que cada criatura tinha uma alma diferente, que agia conforme sua própria índole. Muitas vezes, o bom e velho Chico Baroni resmungava reclamando que Deus poderia ter colocado um filho com um pouco menos de caráter em sua vida, pois el