Era quase meio-dia quando Gisele acordou com o barulho da campainha tocando. Exatamente como prometera, Rodolfo passara a madrugada inteira disposto a várias rodadas de sexo, das formas mais criativas possíveis, e agora ela estava um caco.
Assim que conseguiu abrir os olhos, pesados e grudados do rímel da noite anterior, que ela esquecera de tirar, percebeu que seu noivo não estava mais do seu lado na cama. Estava sozinha. Sobre o travesseiro, havia um bilhete avisando que ele tivera que ir ao escritório para resolver um problema urgente, mas que estaria de volta para o jantar. Pedia que ela estivesse pronta, pois a levaria em seu restaurante favorito. Era sempre assim que ele resolvia suas ausências. Naquele sábado em particular, eles tinham combinado de resolver juntos algumas últimas decisões da festa de casamento, mas, pelo visto, ela teria que fazer isso sozinha.
Apesar disso, a campainha continuava a tocar, insistente, e, apesar de estar muito tentada a permanecer na cama até a chegada de Rodolfo, foi obrigada a se levantar para receber quem quer que a estivesse importunando.
— Já vai! — gritou, mesmo sabendo que a pessoa não ouviria do outro lado da porta, principalmente porque ela estava no segundo andar da cobertura.
Vestiu um robe correndo, uma vez que ainda estava completamente nua, e desceu as escadas com pressa, enquanto ainda o amarrava e ajeitava os cabelos, que deveriam estar caóticos depois da noite animada.
Chegou a porta e olhou pelo olho mágico, mas não reconheceu a figura do outro lado.
— Quem é? — indagou, embora imaginasse que se tratava de um engano. Se realmente aquele homem fosse um vendedor de alguma coisa, ela com certeza iria enxotá-lo dali a pontapés.
— Meu nome é Rodrigo, senhora. Sou irmão de Rodolfo. Acho que, sem querer, nos falamos ontem por telefone.
Ah, sim, ela reconhecia a voz. E como esqueceria daquela criatura tão mal educada?
Deu mais uma olhada pelo olho mágico e o analisou com um pouco mais de cuidado, embora a visão através da lente não fosse das mais claras. Pelo que podia ver, tratava-se de um homem de cabelos compridos, presos por um rabo de cavalo, muito — muito mesmo — alto, parado, esperando, com uma postura quase militar.
Gisele hesitou. Por que deveria abrir a porta? Estava sozinha, não conhecia aquele homem e pelo pouco contato que tivera com ele, já podia perceber que não era muito amigável.
Ficou ali parada, observando a porta fechada um bom tempo, sem ação. Essa demora levou Rodrigo a novamente bater, desta vez com um pouco mais de força. Ele não estava nem um pouco disposto a desistir. Antes que ele colocasse a porta abaixo, ela precisava resolver o “problema”.
Sim, porque aquele homem só podia ser um problema.
Passando a chave na fechadura, ela abriu a porta com cautela, já pronta para odiar seu cunhado, que tinha acabado de saber que existia.
Já estava quase esperando que ele entrasse na sala como um trovão, empurrando-a de lado, principalmente a julgar por sua aparência rústica e seu tamanho gigantesco. Mas, não. Ele se manteve parado, de frente para ela, parecendo um poste, ainda em sua postura rígida.
— Acho que somos cunhados, não é mesmo? — ele finalmente falou alguma coisa, cruzando os braços extremamente musculosos contra o peito. Instintivamente, Gisele deu um passo para trás, por conta da aparência ameaçadora do homem à sua frente.
Contudo, logo tentou se recuperar, empertigando-se.
— Em que posso te ajudar? — indagou, forçando-se a parecer segura.
— Posso entrar? — Rodrigo ergueu uma sobrancelha, em um tom de desafio, e tudo que Gisele queria responder era um não bem grande, mas sabia que não poderia fazer isso, até porque não seria muito difícil, para ele, entrar sem ser convidado.
Sem dizer nada, ela abriu o caminho e o deixou passar. Fechando a porta, aproximou-se e indicou o sofá para que ele se sentasse.
— Prefiro ficar de pé.
Tinham trocado apenas poucas palavras, mas Gisele já estava mais do que estressada com aquele homem. Seria assim tão difícil tentar ser simpático por um único momento? Mediante a resposta que ele lhe deu, embora estivesse com o corpo dolorido, ela decidiu também ficar em pé, para não se sentir tão intimidada.
— Vou perguntar outra vez: em que posso te ajudar? — Cruzou os braços, impaciente, tencionando manter o controle da situação e demonstrar que ele não a intimidava. Contudo, Rodrigo não respondeu nada em um primeiro momento, ficou apenas observando-a, estudando-a, com o cenho franzido. Aquilo já a estava irritando, tanto que ergueu as sobrancelhas, levemente contrariada e disse: — Estou esperando...
Então ele fez exatamente o que ela não esperava que ele fizesse: sorriu.
Não era um sorriso alegre nem muito animado, mas apenas um curvar de lábios, quase de zombaria. Será que estava tirando sarro dela? Se sim, Gisele não poderia permitir. Mas antes que pudesse protestar, ele finalmente falou, com aquela voz grave, forte e calma, como se tivesse todo o tempo do mundo.
— Vocês da cidade grande são muito impacientes. Quando se vive uma vida como a minha, aprende-se a esperar. O tempo da natureza é diferente do nosso, moça. Espera-se para que um bezerro nasça, para que um cavalo cresça o suficiente para ser vendido, para que uma galinha choque seus ovos... Por que, então, o ser humano não pode analisar as coisas com mais calma e ter paciência?
Mas que diabos ele estava falando? O rei dos xingamentos e palavrões estava realmente falando sobre calma e paciência? Por um momento Gisele acreditou que encontraria uma câmera escondida no apartamento e que estava participando de uma pegadinha.
— Puxa vida... — O homem à sua frente novamente falou, girando em torno de si mesmo, observando a casa. — Vocês moram em um apartamento e tanto. Rodolfo nos enviou uma carta, uma vez, há uns três anos, e foi por isso que consegui esse endereço. Dei sorte de ele não ter se mudado ainda, porque nunca fomos convidados a vir aqui. — Quando parou novamente de frente para ela, estendeu a mão. — A propósito, meu nome é Rodrigo. Tenho certeza que nunca fui mencionado a você, não é mesmo?
Relutante, Gisele aceitou o cumprimento, mas ficou sem saber o que responder. Talvez a verdade fosse a melhor saída.
— Me desculpe, eu realmente não sabia.
— Não precisa se envergonhar. A culpa não é sua. Mas eu realmente preciso de sua ajuda agora. Preciso muito falar com Rodolfo.
— Ele não está.
Rodrigo cerrou os punhos, em uma clara demonstração de raiva, e Gisele jurou que ele estava pronto para socar a primeira coisa que visse na frente. Naquele caso, era ela, então, por via das dúvidas, afastou-se um pouco mais.
— Muito conveniente, como sempre... — ele sussurrou, mais falando sozinho do que com qualquer outra pessoa.
— Não tínhamos como imaginar que você viria... se tivesse avisado, ele com certeza esperaria... — Gisele tentou argumentar, embora não acreditasse em suas próprias mentiras. Sem nem mesmo conhecer a história, já suspeitava que Rodolfo não tinha o menor interesse em ver o irmão.
— Como não? Eu mandei um e-mail ontem de noite avisando que se ele não me atendesse viria procurá-lo. Hoje de manhã mandei várias mensagens, tanto para o celular dele quanto para o e-mail dizendo que estava a caminho. Ele está fugindo de mim como o diabo foge da cruz — vociferou, fazendo sua voz reverberar pela casa inteira. Passou a mão pelo rosto, como se tentasse espantar sua decepção, que, aliás, estava estampada em seus olhos, e quando olhou novamente para ela, pareceu um pouco mais calmo: — Desculpa. Você não tem nada a ver com isso e está ouvindo esporro no lugar de Rodolfo. Tem alguma chance de eu esperar por ele aqui?
Não, não tinha. De forma alguma. Inconcebível.
Apesar disso, ela balançou a cabeça em afirmativa, resignada, como se não tivesse outra alternativa. Apenas precisou lidar com a situação de que teria que passar a tarde com um homem totalmente desconhecido em sua casa. O jeito seria tentar fingir que ele não estava ali.
— Pode sentar-se, se quiser. Vou pedir algo para almoçarmos.
— Olha, eu estou bem, não precisa se preocupar comigo. Tomei um belo café da manhã no caminho.
— Bem, você pode ter se alimentado muito bem, mas eu acabei de acordar. — Assim que ela disse isso, Rodrigo ergueu as sobrancelhas, parecendo muito surpreso. Contudo, logo mudou sua expressão quando reparou que estava sendo um pouco intrusivo e intrometido. — Vou pedir uma pizza — ela disse, já pegando o telefone sem fio.
— Pizza? Quem é que almoça pizza?
— Bem, hoje é sábado, folga da nossa empregada, e pode apostar que você não vai querer que eu cozinhe nada ou vai ter que chamar o corpo de bombeiros, no mínimo — ela afirmou, sentando-se no braço do sofá, com o telefone sem fio em uma mão e o celular em outra, pronta para procurar o número da pizzaria.
— Não precisa pedir nada. Se você tiver alguns ingredientes, posso preparar algo para comermos.
Aquilo era uma surpresa e tanto. Será que ele sabia mesmo cozinhar? E será que Gisele deveria pagar para ver? Provavelmente Rodolfo não iria gostar nada de ver o irmão — que nem de longe parecia ser o seu melhor amigo — mexendo nas coisas em seu apartamento e alimentando sua noiva, estando ambos sozinhos ali. Porém, se pensasse com a razão, Rodolfo a tinha abandonado ali para receber o intruso e os sermões e fugido, como um verdadeiro covarde, principalmente se a história que Rodrigo lhe contara, sobre ter enviado mensagens avisando que estava chegando, fosse verdadeira. E provavelmente era.
— Vá em frente. Não sei muito bem o que temos, mas veja se consegue encontrar algo na despensa e na geladeira. Vou tomando um banho enquanto isso, se não se importar.
— Ótimo...
No momento em que Rodrigo se levantou, sem nem perceberem como, os dois se esbarraram. Ele a segurou pelos braços, para minimizar o impacto e não deixar que caísse no chão, e essa foi a primeira vez que Gisele percebeu o quanto ele era imenso. Era uma mulher alta, mas, na frente daquele gigante, sentia-se como uma criança. Também não podia negar que era atraente, com seus olhos castanhos escrutinadores e desconfiados, o maxilar proeminente, a barba cerrada e os lábios carnudos.
Contudo, não era hora de pensar nele como um homem bonito. Precisava lembrar que era grosseiro e que tinha problemas com Rodolfo, o noivo que ela tanto amava e com quem ia se casar.
Sendo assim, apenas com um meneio de cabeça, Gisele se afastou, indo direto ao banheiro para tentar despertar em definitivo. Aquele dia já estava começando todo errado.
***
Chegava a ser ironia pensar que ele gostava tanto de silêncio, mas que estivesse se sentindo sufocado por ele naquele momento. O único barulho da sala era o dos talheres tilintando no prato de porcelana fina — se é que aquela porra era mesmo porcelana, uma vez que Rodrigo não entendia porcaria nenhuma dessas coisas —, da respiração dos dois e, volta e meia, da comida sendo mastigada. Apesar de ter se servido de uma porção quase ínfima do macarrão à bolonhesa feito por ele, Gisele parecia estar apreciando a comida, principalmente por sua expressão de satisfação.
Ele tentou engatar alguns assuntos triviais, mas Gisele não parecia ser exatamente a rainha da simpatia ou estava fazendo, realmente, um enorme esforço para ignorá-lo. Claro que ele não agiu da forma mais cortês possível, nem no telefone nem pessoalmente, mas tinha pedido desculpas. Devia valer de alguma coisa, não devia?
Mas a verdade era que ela aparentava estar, além de tudo, muito cansada, como se não tivesse dormido nada. Havia olheiras sob seus olhos, que pareciam pesados ao ponto de ela chegar a fechá-los em determinados momentos, sem nem perceber. As faces estavam levemente pálidas, e sua fala, arrastada. Não que isso apagasse sua beleza. De forma alguma. Gisele era uma bela mulher, com seus traços comuns, mas nem um pouco triviais, as feições delicadas, o corpo atraente e lindos cabelos cheios, com ondas discretas, que ela não tentava mudar com alisamentos desnecessários. Aliás, apesar de ser uma moça com uma condição financeira bem favorável, prestes a se casar com um homem muito rico, ela era natural. O que ele sem dúvida apreciava muito.
Contudo, o maior problema ali — se é que poderia ser chamado de problema — e que fazia Rodrigo, um homem direto e acostumado ao bom e velho contato olhos nos olhos, desviar o olhar sempre que conseguia travar um projeto de diálogo com ela, eram os lábios. Gisele tinha uma boca em um formato perfeito, com os lábios inferiores cheios, carnudos, e os superiores um pouco mais finos, ambos rosados, muito sensuais.
Mas tudo que Rodrigo podia pensar, infelizmente, era que Rodolfo era um homem de muita sorte.
— Como você e meu irmão se conheceram? — ele perguntou, provavelmente em sua vigésima tentativa de estabelecer um diálogo razoavelmente duradouro.
Ainda parecendo muito cansada, Gisele olhou para ele quase desorientada, como se tivesse sido tirada de um devaneio ou acordada de um sonho, embora estivesse desperta.
— Ah... eu trabalho como gerente de uma das lojas... — ela respondeu sem muito entusiasmo, novamente não dando brecha para que o assunto prosseguisse. Mas ele estava disposto a insistir.
— E isso faz quanto tempo?
— Faz... — Antes que Gisele pudesse responder, seu celular tocou. O aparelho estava ao lado dela sobre a mesa, com o nome de Rodolfo piscando no visor.
Pediu licença a Rodrigo, levantou-se e se afastou, indo atender na varanda, para que ninguém pudesse ouvi-la. Com certeza tinha a intenção de reclamar da presença do cunhado ali e exigir que o noivo chegasse logo. Ela estava visivelmente desconfortável com a situação. Porém, depois de apenas cinco minutos de conversa — ou talvez menos —, ela voltou, ainda com o telefone grudado na orelha, mas com uma expressão muito aflita.
Assim que se aproximou, estendeu o celular na direção de Rodrigo, com suas mãos trêmulas. Confuso e preocupado, ele pegou o aparelho e atendeu:
— Alô? — disse.
— Rodrigo! — Era Rodolfo. Parecia tão aflito quanto ela, com a voz alterada. Havia muitos barulhos ao seu redor, principalmente de vento, como se estivesse dirigindo. — Meu Deus, que bom que você está aí! Preciso que leve Gisele para a fazenda com você.
— O quê? — Rodrigo se surpreendeu com aquele pedido.
— Por favor, cara. Tem uns homens atrás de mim. Acho que eles querem me sequestrar e já ameaçaram fazer mal a ela também. Estou tentando fugir, sair da cidade, mas eles estão na minha cola!
Aquilo parecia irreal demais, tanto que se a voz de Rodolfo não estivesse tão desesperada, Rodrigo acreditaria que era mentira.
— Mas por que estão te perseguindo? O que você fez?
— Porra, Rodrigo! Pelo amor de Deus, quer tentar me dar um voto de confiança pelo menos uma vez na vida? Eu não fiz nada! Não faço ideia do que podem querer comigo, mas sou rico, não sou? Dono de uma empresa de joias. Podem estar querendo resgate. — Ele fez uma pausa, e Rodrigo ouviu um barulho de pneus cantando. — Ah, merda, eles não vão desistir!
— Me fale onde você está que vou te ajudar... — Rodrigo ficou preocupado de verdade, e seu tom de voz, além de suas palavras, fizeram com que Gisele se desesperasse, levando as mãos à boca, contendo uma exclamação de pânico.
— Não! Preciso que cuide de Gisele para mim, irmão. Sei que tenho te abandonado e sido negligente com minha família, mas ela não tem nada a ver com isso. É uma ótima garota, e eu não me perdoaria se algo lhe acontecesse.
Rodrigo ouvia o irmão falar, enquanto observava a cunhada, tentando conter as emoções.
— Ela é minha responsabilidade a partir de agora. Ninguém vai tocar em um único fio de cabelo dela.
— Obrigado, irmão. Muito obrigado. E, por favor, me perdoe por...
A ligação foi cortada subitamente.
— Rodolfo? Rodolfo? — preocupado, Rodrigo começou a chamá-lo, mas a linha já estava muda.
— O que aconteceu? — Gisele perguntou angustiada.
— Não sei. A ligação caiu.
— O que ele disse? O que estava acontecendo? Por que ele parecia tão aflito e por que você falou que iria ajudá-lo?
— Ele não te contou? — Gisele respondeu que não com a cabeça. — O que foi que te disse?
— Ele não falou quase nada. Assim que atendi fui logo dizendo que você estava aqui e que iria esperá-lo. Pensei que ficaria furioso, mas soltou um “graças a Deus” e pediu para que eu passasse o telefone para você imediatamente. Estava muito nervoso, ofegante. Por favor, Rodrigo, não minta para mim. O que aconteceu?
Ele hesitou. Odiava ser inserido naquela situação de forma tão súbita e ser o portador de notícias tão ruins a uma mulher que mal conhecia. Mas, merda! Exatamente como tinha prometido ao irmão, tencionava cuidar dela a partir daquele momento. Era bom com promessas, ainda mais quando envolviam a segurança de uma pessoa. Sendo assim, devia a verdade a Gisele, principalmente para que ela soubesse o quão grave era o problema para que pudesse cooperar e agir com o máximo de prudência possível.
— Estavam atrás de Rodolfo. Ele acha que queriam sequestrá-lo — começou a contar devagar, com cautela.
— Sequestrá-lo? Ah, meu Deus! — Gisele praticamente se jogou no sofá, parecendo ter perdido as forças para ficar em pé. — Mas quem?
— Eu não faço a menor ideia, e pelo visto ele também não. Só me pediu para levá-la comigo para a minha fazenda.
— O quê? — com os olhos arregalados, ela o fitou, como se aquela ideia fosse completamente absurda.
— Ele acha que você também pode estar em perigo. Seja lá quem for que o estava perseguindo também ameaçou você.
Gisele não conseguiu dizer nada. Estava chocada, atordoada, com as ideias completamente embaralhadas. Ouvira o que Rodrigo tinha lhe dito, mas não sabia se conseguira realmente absorver as palavras de uma forma compreensível.
Estaria mesmo em perigo? Será que Rodolfo tinha sido pego? Será que o estavam machucando naquele momento? Ou acabariam por matá-lo? Qual seria o propósito de quem o perseguia?
Uma angústia insuportável começou a crescer em seu peito, fazendo-a levantar-se novamente e correr em direção ao aparelho de celular, que Rodrigo tinha deixado sobre a mesa de jantar. Contudo, assim que o pegou, foi agarrada pelo cunhado, que decidira impedi-la de telefonar.
— Não, você não vai fazer isso. Não vai ligar para ele.
— E por que não? Preciso saber se está bem! — ela tentava se debater para se soltar, já que ele tinha conseguido arrancar o telefone da mão dela, mas era impossível; Rodrigo era imenso, e seu aperto ao redor de seu corpo era como o de garras de aço.
Impaciente, Rodrigo agarrou-a pelos braços e a virou para si, fazendo-a olhar em seus olhos.
— Ele não está bem. Estava sendo perseguido e a ligação caiu. Algo aconteceu, se entrarmos em contato com ele agora, pode ser muito pior.
Um pânico evidente se instalou no rosto de Gisele, além de uma palidez mortal, e Rodrigo imediatamente se arrependeu, não do que disse, mas da forma como a informação saiu. Fora cruel e desnecessária. Não era dela que ele sentia raiva; era das circunstâncias. Parecia que estava lendo um livro de ação com uma reviravolta completamente inesperada. Aparecera ali, no Rio de Janeiro, com a intenção apenas de conversar com um irmão ausente, mas agora tinha a segurança de uma pessoa em suas mãos.
Mas tudo tornou-se ainda pior quando ela começou a chorar.
E o que mais ele poderia fazer além de puxá-la para si e confortá-la com um abraço?
Merda! Mil vezes merda! Aquilo estava ficando cada vez mais errado.
— Me desculpa, Gisele. Eu não queria falar com você dessa maneira, mas também estou nervoso. Rodolfo é meu irmão, também estou com medo por ele.
Em um rompante de raiva, Gisele se soltou dos braços de Rodrigo e o olhou com uma raiva que ele jamais poderia imaginar que ela sentia. Ainda mais por ele, que sequer conhecia.
— Não está droga nenhuma! Sei que você o odeia. Li os e-mails que trocaram. Exatamente por isso eu não vou com você a lugar nenhum! — Ela estava descontrolada. — É melhor que saia da minha casa. Vou chamar a polícia e avisar que Rodolfo está em perigo.
— E vai mandá-los para onde? Ele por acaso te informou em que parte da cidade estava? E se o levaram para algum lugar? Não fazemos ideia de como encontrá-lo! — Rodrigo elevou a voz.
Gisele ficou sem resposta. Toda a sua lógica tinha desaparecido e sentia-se tentada a falar coisas sem pensar. Claro que ele estava certo, não sabia onde Rodolfo estava.
— Ainda assim... — ela começou a falar, mas foi interrompida. Rodrigo novamente se aproximou, agarrando-a pelo braço.
— Ainda assim, você vai comigo. Fiz uma promessa que não pretendo quebrar. Você está certa quando disse que tive uma desavença com meu irmão, mas sou leal à minha família, diferente dele. Um dia você vai entender tudo, mas agora não estou com tempo nem paciência para explicar. Então, é melhor que vá arrumar uma mala, precisamos sair daqui o quanto antes.
— Já disse que não vou a lugar nenhum com você.
Ardendo de ódio, quase soltando fumaça pelas ventas, Rodrigo olhou bem fundo em seus olhos.
Cerrando os punhos, sentiu vontade de socar alguma coisa. Não ela, é claro, por mais que fosse a causadora de sua raiva, ele jamais machucaria uma mulher. Contudo, estava conseguindo estressá-lo. Não que fosse uma coisa muito difícil nos últimos dias. Andava com a cabeça a mil, nadando em problemas sem encontrar uma solução.
E agora lhe aparecia mais um.
Na verdade, ele deveria simplesmente deixar para lá. Deveria voltar para sua cidadezinha, viver sua vida, cuidar de seu pai, da fazenda, e esquecer a existência daquela tal de Gisele. Se ela queria colocar-se em perigo, o problema era dela. Talvez fosse maluca, imprudente e fora da realidade.
Mas era uma porra de uma maldição. Ele sabia que seria incapaz de deixá-la por sua própria conta. Não quando conhecia a gravidade do problema. E depois de vê-la chorar, tão frágil, foi que tudo desandou. Não conseguiria pensar nela de outra forma que não fosse como uma linda mulher indefesa.
E Rodrigo tinha um fraco por criaturas indefesas. Fosse um bezerro, um pássaro ou uma mulher.
Não necessariamente nesta ordem.
Contou até dez mentalmente, na intenção de se acalmar, e quando falou, tentou fazê-lo com o tom de voz mais brando que conseguiu extrair de sua garganta. Não queria assustá-la ainda mais.
— Vá arrumar suas coisas, Gisele, ou terei que te jogar nos meus ombros e levá-la assim mesmo, com a roupa do corpo.
Ela abriu a boca para protestar, mas nem teve tempo de dizer nada, pois uma forte pancada na porta a interrompeu.
Sem nem saber o motivo, Rodrigo colocou-se em alerta, e Gisele pareceu perceber, pois, apesar de ter suas hesitações em relação a ele, aproximou-se, como se buscasse proteção. Assim que a viu ao seu lado, ele fez um sinal para que ficasse em silêncio. Não importava quem estava do lado de fora da porta, fosse o porteiro, um entregador de encomenda, o Papa... ele não estava nem aí. Teria que desistir como se não houvesse ninguém em casa.
Foi quando um barulho ainda mais alto foi ouvido. A pessoa — ou as pessoas — já não mais batiam esperando que fossem atendidas; alguém tentava arrombar a porta.
Apavorada, Gisele voltou-se para Rodrigo, colocando a mão em seu braço. Aproveitando a maior proximidade, ele abaixou-se e sussurrou em seu ouvido:
— Vão arrombar a porta. Precisamos sair daqui imediatamente. O apartamento tem outra saída?
— Tem! A escada de emergência. Na cobertura.
Rodrigo assentiu. Estavam em um prédio com um apartamento por andar, então, poderiam usar aquela alternativa. Claro que poderia haver alguém esperando por eles no térreo, mas precisavam tentar.
Ele nem respondeu nada, apenas a agarrou pelo braço e a puxou consigo, não dando espaço para hesitações. Não havia tempo para isso.
A cobertura ficava no terceiro andar, e eles voaram pelas escadas. Ao chegarem lá em cima, ela parou um pouco ao olhar para as escadas aflitivas e respirou fundo.
— Estamos no vigésimo andar! — ela alertou, ofegante e assustada. — Não será perigoso? Eles podem nos ver.
— É a única opção que temos. E fique calma, se você se cansar e não aguentar mais, posso te carregar pelos andares restantes — dizendo isso, ele a puxou novamente, começando a correr pelos andares abaixo.
Carregá-la? Descendo uma escada? Quem ele pensava que era, o Super-homem? E mais... será que achava que ela estava assim tão fora de forma que não iria conseguir descer todos aqueles degraus?
Deus! Gisele só poderia estar mesmo em pânico para pensar coisas tão banais em um momento como aqueles. Que se danasse o que ele pensava, ela só queria sair dali sã e salva.
Assim que terminaram a jornada, ele a segurou, dando a entender que precisavam esperar um pouco. Colocou-a encostada em uma parede e deu uma boa olhada ao redor, somente retornando quando concluiu que estavam seguros.
Pegando em sua mão, ele correu em direção a um SUV preto, onde entraram, sentaram-se e ele deu a partida, arrancando a toda velocidade.
Dentro da escuridão do carro, absorvida pelo silêncio e pela tênue sensação de segurança, ela começou a reviver os minutos de tensão que tinha acabado de passar. Era como se a adrenalina estivesse caindo, inicialmente como suaves gotas de chuva, atingindo sua cabeça de maneira gentil, mas aumentando gradativamente até se tornarem um temporal de proporções catastróficas.
— Meu Deus, o que foi que acabou de acontecer? — ela perguntou, ainda com o coração na boca. — O que eles queriam? — Eles. Ela nem sabia de quem estava falando, era apenas uma suposição, mas parecia a forma mais simples de se referir às pessoas que queriam fazer mal a ela e a Rodolfo.
— Não sei, mas vou descobrir. Agora só quero sair daqui. Está segura comigo, Gisele. Eu juro.
Ela apenas balançou a cabeça em afirmativa, tentando acreditar no que ele dizia. Rodolfo pedira que ele cuidasse dela, então, tinha que confiar que sabia o que estava fazendo.
Aliás, pensar em Rodolfo fazia com que seu coração apertasse. Ela tivera tempo de fugir, estava sendo levada para um lugar aparentemente seguro. Mas e ele? O que aconteceria com seu noivo?
O que aconteceria dali em diante, afinal?
Seu pai diria que estava louco. E só poderia estar mesmo levando aquela garota consigo, para ficar instalada em sua fazenda. Provavelmente a tinha salvado; a julgar pela violência com que tinham tentado arrombar a porta, com certeza não queriam apenas sentar, tomar um café e conversar. Queriam pegá-la, talvez para chantagear Rodolfo. Pediriam dinheiro? Talvez. Poderiam até não fazer mal à moça, mas ele não acreditava muito nisso. Diante desse cenário, como poderia ficar de braços cruzados? Se Rodolfo estava com problemas, impossibilitado de ajudar, era seu dever proteger a mulher que ele deixara para trás. Era isso que um homem honrado faria. Até porque não era a primeira vez que agia dessa forma. Estava cansado de limpar as merdas que
Não havia nada para fazer. Gisele não era uma mulher que se entediava fácil, até porque estava sempre atarefada, cheia de reuniões sociais e profissionais que preenchiam quase todas as suas noites, e ainda havia Rodolfo para entretê-la quando precisava de carinho e atenção. Naquela casa que não lhe pertencia, entretanto, passava o dia inteiro olhando para o teto e tentando não pensar demais. Cada pensamento que surgia em sua mente parecia uma faca afiada espalhando dor por cada partezinha escondida em seu corpo. De acordo com o relógio sobre o criado-mudo, já passava das sete da noite, o que significava que aquele tinha sido o dia mais improdutivo de toda sua existência. Precis
Rodrigo não queria se preocupar, não queria estar pensando no irmão com pesar e nem com vontade de quebrar a casa inteira só de imaginar que alguém poderia estar machucando-o ou pior. Não, não podia pensar no pior. Embora ele nem soubesse o que era o pior. Não temia a morte. E achava que nenhum ser humano deveria temê-la, afinal, ela era muito mais fácil do que a vida. Ah, essa sim o assustava. Intrigava-lhe a forma como as pessoas escolhiam viver suas vidas, como deixavam que coisas banais se tornassem importantes demais quando deveriam ser apenas problemas passageiros. E os seres humanos também matavam outros seres humanos. Que era exatamente o que Rodrigo não compreendia
Rodrigo tinha uma especial afeição especial pelo mato. Na verdade, era uma outra forma de dizer que gostava demais de seu cantinho para se afastar dele por muito tempo. Tanto que todas as vezes que precisava ir ao Rio de Janeiro para resolver qualquer problema com fornecedores ou compradores, sentia como se estivesse recebendo um convite VIP para o inferno. Em sua mente, todos os tipos de reclamação surgiam: calor demais, frio demais, poluição, pessoas mal educadas, preços exorbitantes, motoristas loucos, trânsito caótico e violência desmedida. Parecia um velho ranzinza. E talvez não estivesse muito longe disso, afinal. O mais longe de casa que conseguia ir era até o centro de Valença. E em poucos minutos já sentia vontade de correr para sua fazenda. Não tinha jeito mesmo.&nb
― Ainda bem que eu não enxergo para não ver o baita estrago que você vai fazer nesse chão de tanto andar de um lado para o outro. Era uma piadinha. Rodrigo podia ouvir o sarcasmo entranhado em cada letra da frase que ouviu. Em qualquer outra ocasião teria entrado na brincadeira, pois era raro ter o pai tão brincalhão, especialmente falando de sua deficiência com humor. Deveria ser algo para se comemorar, para ser enxergado como uma pequena vitória, mas ele não estava muito animado naquele momento. Apesar disso, preferiu não comentar nada. Tentando se acalmar, Rodrigo fialmente se sentou ao lado do pai, que sentiu sua presença e colocou a mão caleijada sobre a perna do filho, dando dois tapinhas camaradas para acalmá-lo.&nbs
Gisele estava esperando uma espelunca qualquer. Um bar daqueles bem xexelentos, com música sertaneja de raíz tocando, bêbados por todos os lados, mesa de sinuca e cheiro de urina. Mas já deveria imaginar que Rodrigo jamais a levaria para um lugar como esses. Era cavalheiro demais para isso. E levemente esquentado também, ainda mais com aquela firme ideia de protegê-la. Acabaria arrumando encrenca, com certeza. Quando ele parou o carro na frente de um depósito de bebidas e pediu que ela esperasse no carro, Gisele não compreendeu quais eram seus planos em um primeiro momento. Nem mesmo quando o viu colocando um engradado de cerveja e mais algumas garrafas de vodka na caçamba da picape. Ela só foi entender o que ele tinha em mente quando chegaram à fazenda. Por um mo
Gisele sentia como se estivesse flutuando em um mar turvo. Afogava-se, mas nem sequer tentava lutar para se salvar, apenas aceitava seu destino. A consciência ia e vinha, em um ritmo vertiginoso, mas ela permanecia inerte, presa à escuridão. Ouvia vozes ao redor a chamá-la. Sabia que tentavam reanimá-la, que deveria estar deixando todos muito preocupados, mas só queria ser um pouco egoísta e permanecer fora de si por mais um tempo. Se acordasse e se deparasse novamente com a vida real, acabaria se lembrando das imagens que vira pouco antes de perder os sentidos. E não queria lembrar. Não queria pensar que estava rolando na grama e beijando outro homem enquanto Rodolfo era torturado e passava por maus lençóis. Já tinha decidido que não o amava tanto quanto pensara, mas o correto seria conversar e tentar encontrar a melhor
Protegida nos braços do homem por quem — agora sabia — estava perdidamente apaixonada, Gisele refletia. Tentava buscar em sua mente algum resquício de arrependimento pelo que tinha acabado de acontecer, mas estava tão em êxtase, que mal conseguia esconder. E não queria. Fazia tempo demais que não sorria daquela forma tão plena, que se sentia uma boba, uma adolescente. Tanto que começou a gargalhar sem nenhum motivo. Rodrigo, que estivera com os olhos fechados até então, abriu-os e estreitou os braços ao redor dela, também sorrindo e sendo contagiada. — Do que está rindo? — ele indagou curioso.&nbs