Capítulo 6

Mordi os lábios

Eu só senti o amargo na garganta, misturado com o ódio que só crescia a cada segundo.

Eu só precisava dali.

— E aí minha gente! — Aquela voz eu conheci perfeitamente.

Minha expressão se transformou assim que vi Davi atravessar a porta, seu olhar varrendo o ambiente até pousar em nós. Meu coração deu um salto involuntário — Ali estava ele, depois de tanto tempo.

Senti falta dele.

— Olha só quem apareceu! — Rafa se levantou, o sorriso crescendo enquanto puxava Davi para um abraço caloroso.

— Vem cá, brother! Senta com a gente.

Davi retribuiu o abraço com o mesmo entusiasmo, os dois se cumprimentando. Ele riu ao se acomodar ao nosso lado e olhou para nós com um brilho nostálgico.

— É muito bom ver gente da minha cidade. — disse Davi, de tom leve, mas cheio de significado.

Sem pensar duas vezes, me levantei com um sorriso e estendi os braços.

— Vem cá, Davi! — murmurei, puxando-o o loiro para um abraço apertado. — Meu Deus, que saudade! — To muito feliz de te ver de novo! E, olha, parabéns, futuro veterinário. — Acrescentei, meu tom meio brincalhão, meio orgulhosa

Lembrei de tantas memórias…

Ele deu um sorriso tímido, mas orgulhoso. E ali, naquele instante, senti como se estivéssemos todos em casa, como se o tempo não tivesse passado.

A atenção dele desviou-se rapidamente para minha mãe, que eu tinha tentado esconder com guardanapos, mas o sangue ali ainda teimava em aparecer.

— O que é isso? — perguntou Davi, com o olhar preocupado. — Você se machucou? — Quer que eu veja?

Ele aproximou a mão, quase tocando a minha, e seus olhos fixaram-se nos meus. Suspirei, tentando aliviar a tensão do momento.

— Olha, Davi — comecei, levantando a mão ferida de um jeito meio dramático. — Pelo que eu sei, você escolheu cuidar de bichos, não de gente. Ou vai me dizer que sou sua primeira “paciente” de duas pernas

Ao redor, algumas risadas escaparm, ele suspirou, balançando a cabeça com um sorriso divertido

— Muito engraçado — ele respondeu, cruzando os braços, mas os olhos ainda fixos no machucado. — Mas só não reclama depois se precisar de uns pontos de verdade.

— É só um corte bobo. E aliás Hoje é dia de festa, não de consulta.

Ele balançou a cabeça, ainda com o sorriso no rosto, mas desistiu de insistir.

— Isso mesmo, hoje é dia de festa com os amigos, né, Davi? — Rafa lançou o olhar para ele, que concordou com um sorriso cúmplice.

Antes que pudéssemos responder, Isabel interrompeu, com um ar de quem sabia exatamente como as coisas funcionam dali para frente.

— Podem comemorar o quanto quiserem — disse ela, com os olhos levemente divertidos. — Porque quando as aulas começarem, o tempo vai ser bem escasso. Aproveitem enquanto podem, crianças!

Rafa riu, pegando as chaves no bolso e acenando para mim e para Davi.

— Então, vamos nessa, brother? — disse ele, empolgado. — A gente vai para um dos esquenta com os amigos

Estava empolgada e mal podia esperar para conhecer todos.

— Eu não gosto disso, filha — disse meu pai, firme. — Esses esquentas... você sabe o tipo de coisa que acontece lá dentro. É droga, é gente perdida... Não posso permitir que você esteja nesse tipo de lugares.

— Papai, por favor!

Fiquei ali, em silêncio, processando as palavras dele. A mesma ladainha de sempre. Ele não entendia, nunca entendia, que eu sabia muito bem me cuidar.

— Relaxa, German, a gente vai ficar junto o tempo todo. Estamos aqui para se divertir, nada mais. Eu cuido dela. — Rafael tentando suavizar o clima.

— Cuidar? — Meu pai lançou um olhar afiado para ele. — Não sei se você entende o que significa realmente cuidar. Com festas, bebida e música alta? Eu espero outra coisa de vocês.

— Germann! — Rafa — So pra deixar claro: Eu sou o motorista da noite. Prometo que não vai passar uma gota de álcool por aqui, e quando você ligar, eu vou estar mais sóbrio que uma feira.

Todo mundo riu, mas era aquele tipo de risada que escondia um certo nervosismo, porque a expressão do meu pai não suavizou nem um pouco. Ele ainda o olhava de cima a baixo, como se estivesse tentando ver algo além das palavras de Damião.

Ele forçou mais um sorriso e estendeu a mão, num gesto de “confia em mim. — Olha, eu prometo — reforçou ele, fazendo questão de manter o tom sério.

Meu pai cruzou os braços, a sobrancelha arqueada, sem se deixar convencer tão facilmente.

— Tio! — Davi se aproximou — É só um encontro de amigos. Nada de mais. A gente promete que vamos ficar de olho.

Papai suspirou, mas um leve aceno de cabeça entregava que, pelo menos por agora, ele aceitava.

— Sei — ele disse, mas sem tirar os olhos de nós três. Aquele "sei" carregava mais peso do que qualquer discurso longo. Era um “sei” de quem ficaria de olho, custasse o que custasse.

— Pai, com todo o respeito, eu sei o que eu tô fazendo. — Minhas palavras saíram firmes, quase desafiadoras. — E, sinceramente, eu sei muito bem me cuidar.

Houve um silêncio tenso, meu pai me observando com olhos avaliadores. E naquele instante, talvez ele tenha visto que eu não era mais a garotinha que ele tanto queria proteger. Ele respirou fundo e deu um breve aceno.

— Tá bom, tá bom. — Ele me apontou o dedo, o olhar afiado. — E você... nem pense em beber nada. Entendeu?

Balancei a cabeça, com um sorriso inocente, como quem promete que vai se comportar.

Mentira pura.

Eu ia beber, sim. e aproveitar muito, cada segundo. Afinal, era a primeira noite em tanto tempo que eu podia me soltar de verdade.

(•••)

Leia este capítulo gratuitamente no aplicativo >

Capítulos relacionados

Último capítulo