Enquanto andava pelas ruas lotadas da feira de Holirya, capital comercial de Naskra, Tess olhava os bolsos mais do que às pessoas.
As damas, sempre com quilos de jóias para atrair os nobres que passavam por ali sempre que havia feira, era o que a atraia até ali. Mas um homem, de aparência rica, chamou sua atenção mais do que as damas. Ele mantinha um saco de couro cheio de moedas amarrado à alça do cinto.
Tão fácil, ela sorriu.
Como Finn a ensinara, ela esbarrou no homem e quase foi ao chão. Recobrando o equilíbrio, ela se virou para o homem com os olhos azuis brilhando com a inocência que nunca teria.
" Sinto muito, senhor. " Ela puxou a trança de cabelos castanhos-claros para o ombro direito.
O homem lançou-lhe um olhar de nojo, como se ela fosse um ser extremamente inferior a ele. " Que não se repita."
Então saiu andando com toda a sua arrogância. Nas mãos da garota, a bolsinha de moedas era um peso bem-vindo. Com as mãos leves, puxara a ponta solta que desatou o nó, fazendo com que o ouro caísse diretamente nos dedos ágeis dela.
Tess foi para um canto da rua, num beco, e contou o dinheiro. Mais vinte e cinco moedas de prata e quatro de ouro para a bolsa maior cuidadosamente presa a si. Já havia conseguido meia dúzia de jóias e bastante ouro e prata.
Como combinado, Tess varreu os lados norte e leste da feira enquanto o irmão varria os outros. Com dedos habilidosos, a ladra ia abrindo fechos de pulseiras de ouro, surrupiando anéis com safiras e pegando bolsas de prata.
Ao final de quase duas horas no sol escaldante, parou na taverna preferida e entrou para descansar. Como faziam pelo menos duas vezes por mês, Tess entrou no Garras de Tigre, desviando com a facilidade de uma cobra dos bêbados que tentavam agarrá-la, e sentou-se numa mesa de dois lugares no canto mais afastado do balcão de bebidas.
Jogou uma moeda de prata para o atendente, que trouxe um copo de suco de cileno, uma frutinha alaranjada.
A frieza das adagas gêmeas faziam-na sentir confortável enquanto o metal estava pressionado em suas botas. Num lugar como aquele, era estupidez ficar desarmada.
A porta abriu e segundos depois um jovem de cabelos loiros como trigo sentou-se na frente de Tess.
" Quanto ouro conseguiu hoje, Finn?" Ela perguntou, sinalizando para o atendente.
" O suficiente. Mas não sabe o que eu ouvi." Ela ergueu as sobrancelhas e ele continuou. " Parece que aquele tal duque de Korlims está na cidade e irá ao baile de inverno hoje. " Ele gargalhou de alegria.
Dois mercenários passaram à mesa deles e um deles deu um passo na direção da mesa dos irmãos, os olhos fixos em Tess que já pegava uma das adagas. Mas o outro agarrou o braço do amigo, os olhos fixos na espada de Finnick.
No ano anterior, Finnick havia conseguido–melhor dizendo, roubado–a espada de um dos guardas do castelo do Lorde de Holirya. A espada tinha no punho um misto de ouro e bronze que terminava numa safira reluzente. A lâmina era boa o suficiente para cortar um homem em dois. A bainha já era ameaçadora o suficiente para intimidar até dois mercenários. E Finnick sabia exatamente como usar a espada.
O atendente deixou uma caneca de cerveja e ganhou duas moedas de prata, mais do que o valor. Agradecendo, ele saiu.
" Sabe, seu aniversário de dezoito anos está chegando. Pensei em irmos para Joraele e passarmos uns dias por lá. Talvez ficar com Maya e seu grupo. Eu sei o quanto gosta daquela cidade e podemos ir se quiser. " Finnick sugeriu.
Os olhos da garota brilharam. " Mesmo? Acha que Maya deixaria que ficássemos lá? " Ela quase quicava na cadeira.
Seu irmão riu. " Claro que sim. Sabe como o líder dela adoraria nos ter no grupo dele. Ainda mais quando eles ficam tão próximos da Fronteira. "
A Fronteira era um muro de mármore que separava o mundo humano e feérico. Só o nome do lugar já dava calafrios à ela.
Jamais um humano havia visto o muro e voltado para contar a história. Dentro, os três reinos feéricos imperavam. As rainhas feéricas Maeve, Mab e Mora mantinham suas cortes e suas legiões. Mas Mora mantinha a vantagem: os Gêmeos da Legião Congelada.
Os Gêmeos eram, segundo as histórias, Clio e Garnett. Nasceram humanos mas, depois de nascer, foram agraciados pela Deusa Mãe e ao fazerem dezoito anos suas almas completaram a ligação. Hoje, Clio mantinha a água sob seu controle e Garnett controlava metais. Juntos, eram mortais e imbatíveis.
Segundo as lendas, quando o primeiro casal de Gêmeos completasse a ligação, outros os seguiriam até completarem os sete casais escolhidos pela Deusa. Então, depois de entrar no reino feérico e aprender a manusear os dons, escolheriam uma das três rainhas para se aliar. Havia boatos de que três casais estavam na Academia Escarlate, o lugar onde os Gêmeos treinariam para usar os dons.
Mas, sinceramente, Tess achava tudo aquilo uma farsa. Jamais vira um feérico, jamais viu qualquer indício de magia em seu reino. Mas diziam que nas Terras dos Três Reinos, todo e qualquer descendente feérico seria bem-vindo. Mas ela não acreditava em nada que não pudesse ver. Ela se recusava a recordar da única exceção, quando seus pais foram mortos pelos...não, ela não pensaria naquela noite, não na frente de tanta gente.
Já Finnick havia enchido o saco dela até completar dezoito anos dizendo que amaria os deuses se eles permitissem que ele fosse um dos Gêmeos. Finn sempre acreditara na magia, por algum motivo.
" Muito bem. Eu vou ao maldito baile esta noite e depois partimos para Joraele. " Ela disse.
Finnick sorriu. " Trate de encher sua bolsa com as jóias da nobreza. Agora vamos, precisamos achar um vestido para você. "
Tess se sentia ridícula naquele vestido cheio de pregas e seda. Mas ela tinha que admitir que gostava de como o filho da dona da loja olhava para ela. O vestido era carmim e prateado. Magnífico. Não eramuito chique, mas deixava-a linda. Era melhor que a túnica velha e as calças rasgadas que normalmente usava. Mas a pior parte ainda era o salto irritante. Ela mal conseguia ficar de pé naquelas duas agulhas. A dona da loja, Ayla, era uma mulher de meia-idade cujo filho, Beau, ajudava-a quando não estava no trabalho como ajudante de mercador. Era uma espécie de amiga para Finnick e Tess, então concordara em arrumar a garota para o baile de inverno pelo custo de duas moedas de ouro. Já era noite quando Ayla finalm
Depois de uma rápida inspeção, Tess descobriu exatamente em qual quarto estava: no de Lady Pearl Valentine, filha de um conde. Ela era famosa por se recusar a usar vestidos em dias comuns. Ela sorriu, pensando em como a sorte estava sorrindo para ela. Tess foi em direção ao quarto de vestir e pegou uma túnica roxa escura, uma calça justa e preta e, para sua felicidade, havia também um manto cinza escuro com capuz. Ela vestiu tudo e pegou também uma bota parecida com a que tinha–mas que não estava em um estado deplorável como a dela–que ia até o joelho. Colocou as adagas no cinto e vestiu a máscara do baile. Antes de sair do quarto, ela viu uma espada longa e prendeu a bainha dela ao seu cinto. Como Pearl era gentil em
Ela sacou a espada, o coração batia irregularmente no peito. Ela estava morrendo de medo. " Fiquem longe." Ela mais pediu do que mandou. Os guardas riram e se aproximaram com uma lentidão agonizante. Ela, buscando um jeito de sair dali, atacou os dois que vinham à sua direita. Ela desferiu um golpe contra a perna de um deles e conseguiu cortá-lo um pouco antes que ele recusasse. Ele fez uma careta de dor. " Eu vou adorar matar você. " Ele rosnou e desembainhou a espada. Ela defendeu os dois primeiros golpes dele, mas o companheiro dele a golpeou com a parte chata da espada, fazendo-a quase cair. Num segundo, a espada do primei
Ela sentiu o calor antes mesmo de acordar. Aos poucos, foi tomando conhecimento do mundo ao seu redor. Estava deitada em algo macio e havia um cobertor por cima dela. Provavelmente havia uma lareira acesa ali perto, pois o fraco brilho avermelhado podia ser visto até de olhos fechados. E o calor. Ah, o calor era maravilhoso depois de quase ter morrido de frio num beco estúpido. Ela abriu os olhos devagar. Estava no que parecia ser uma sala. Estava deitada num sofá com um grosso cobertor de pele de alce sobre si. Era uma sala pequena, cuja maior coisa ali era a lareira de pedra. Não era muito decorada, fora cortinas verdes nas janelas. " Enfim acordou. " Uma voz veio detrás dela. Ela tentou se virar, mas gemeu de dor. A região do e
Tess acordou com um barulho de metal contra metal. Ela abriu os olhos, alerta, e se levantou. Ignorou a dor no abdômen e olhou ao redor. Atrás do sofá onde estava, ela podia ver Alek na cozinha. Como se algo o chamasse, ele olhou na direção dela. "Com fome?" Ele perguntou. Como se esperasse o momento, seu estômago roncou alto. Tão alto que o garoto ouviu da cozinha. Ele riu. " Venha comer." Ela se levantou. Por um milagre, a dor na barriga e nas costelas havia diminuído consideravelmente. " O que colocou nessas bandagens?" Ela tocou a barriga. " Uma pomada para dor. Sou apre
Antes mesmo de acordar, ela viu as imagens da cabeça dele. Ele sonhava com campos que ela sabia e não sabia que eram de Varinth, o antigo lar de Alek. Ele corria sobre um cavalo branco absolutamente lindo. Mas aquilo era errado. Tess não conhecia os campos de Varinth e jamais havia montado num corcel daqueles. Ela acordou abruptamente e se sentou no sofá duro e desconfortável. A dor no estômago e nas costelas havia diminuído consideravelmente no último dia, devido aos cuidados de Alek. Ela ouviu passos apressados vindos do corredor e Alek surgiu na sala. Ele estava sem camisa, apenas com uma calça larga de veludo barato cinza. Seus cabelos estavam espetados e desajeitados. Ela percebeu que ele saíra correndo da cama--isso explicaria os olhos estranhamente alertas.
Tess acordou com um leve balanço. Algo rígido a segurava, percebeu. Ela abriu os olhos devagar e viu que um dos ogros a carregava. Ele tinha o nariz achatado, cabelos ralos e embaraçados e cicatrizes demais no rosto e nos braços. Devia ter quase dois metros de vinte de altura e era extremamente forte, como um mercenário de guerra. O ogro percebeu que ela o examinava e bufou. Gandor, que ia na frente, se virou e sorriu para ela. " Ora, olá garota-Tess. Estamos quase chegando. Sinto muito por ter que usar a Calicia em você, mas vocês dois não estão acostumados a viajar com Narlfe, por isso achei melhor que dormisse. Mas não perderam nada, essa viagem é especialmente chata. Solte-a, Nythu." O ogro ,Nythu, obedeceu e a pousou no chão.
Tess estava na varanda, apreciando a bela vista da terra feérica, quando ouviu passos entrando no quarto. Ela se virou e viu três mulheres, paradas ali, encarando-a. A primeira era uma ninfa gorducha que parecia ter meia-idade, com grossos cachos loiros na cabeça. A segunda era uma Anjana, que se parecia muito com uma humana, mas tinha a pele branca e perfeita demais para isso. Ela usava um vestido de seda rosa fluido e belo e tinha a cabeça adornada com uma coroa de flores coloridas. Já a terceira, era uma fada do tamanho do antebraço de Tess. Tinha cabelos arroxeados e a pele branca como porcelana. Usava um vestido lindo e verde, que combinavam com suas asas. " Ora, então é esta a menina? Mas que beleza! " A ninfa gargalhou. " Olá criança, meu nome é Therae e estas são Danara e Wi