O vento cortante da madrugada me feria a pele enquanto eu atravessava os jardins da mansão Mendonza, o coração batendo tão rápido que eu sentia uma pressão sufocante no peito. Cada passo parecia um eco na escuridão, um lembrete de que estava sozinha naquela tentativa de fuga. A qualquer momento, algum dos seguranças poderia me ver e me deter. Mas a possibilidade de ser pega não era o suficiente para me fazer parar.
Precisava sair dali antes que o sol nascesse e meu destino fosse selado para sempre.
Tudo o que sabia era que tinha que fugir.
Precisava escapar da vida que Diego havia decidido para mim. Tentava segurar as lágrimas enquanto corria em direção à garagem. A promessa de liberdade era como uma chama fraca dentro de mim, algo que eu sabia que poderia apagar a qualquer segundo.
Alcanço o carro preto, o único que sabia estar ali destrancado. Minhas mãos tremiam enquanto tentava uma ligação direta. Havia lido algo sobre fazer uma “luxação direta” na ignição para ligar o carro sem chave, e embora não tivesse muita certeza de como aquilo realmente funcionava, estava desesperada para tentar.
Mas minhas mãos estavam ficando cada vez mais trêmulas. O pânico e a ansiedade cresciam em uma onda que não conseguia controlar. A adrenalina que antes me movia agora parecia me engolir, como se uma pressão imensa estivesse esmagando meu peito, dificultando minha respiração.
Comecei a hiperventilar, e meu corpo paralisou. Minhas mãos estavam congeladas no volante, incapazes de continuar com aquele plano que, começava a parecer insano e fracassado. — Não… Não agora… — murmuro, sentindo meu coração disparar ainda mais rápido. Meu peito subia e descia descontroladamente, e um tremor tomou conta de mim.
Cada vez que eu tentava respirar, parecia que o ar me escapava, como se meus pulmões não conseguissem reter nada.
O mundo ao meu redor começou a escurecer, as bordas da minha visão se fechando, até que tudo o que conseguia ver era o painel do carro e o reflexo do meu rosto em puro desespero.
De repente, ouvi uma voz masculina ao meu lado.
— Ei, você está bem?
Viro o rosto bruscamente, ainda tremendo, e vi um homem parado ali, os olhos firmes e atentos em mim. Sua presença me assustou tanto que por um instante achei que iria desmaiar de vez.
Ele se aproximou devagar, levantando as mãos em um gesto de paz, como se quisesse me mostrar que não era uma ameaça.
— Respiro, está bem? Só respire fundo — disse ele, a voz calma, quase reconfortante.
Aquelas palavras me fizeram tentar, mas meu corpo não obedecia.
Era como se eu estivesse presa em um pesadelo, em um pânico que não conseguia controlar.
Ele percebeu isso, e sem esperar, deu a volta para o lado do passageiro e entrou no carro, fechando a porta e se aproximando de mim com um toque suave, colocando uma das mãos em meu ombro.
— Olhe para mim — pediu ele, com uma firmeza gentil que me fez focar em seu rosto. Seus olhos eram escuros, intensos, mas tinham uma calma estranha, quase hipnotizante. — Respire fundo. Puxe o ar devagar e solte.
Eu o encarei, ainda hesitante, mas aos poucos fui tentando fazer o que ele dizia. Puxo o ar e o solto, sentindo a tensão começar a ceder, pouco a pouco.
Ele mantinha a mão em meu ombro, e mesmo sem saber por quê, aquele simples gesto fazia com que me sentisse mais segura.
— Isso. Continue respirando. Devagar — sussurrou, o tom suave como se quisesse me acalmar completamente.
Aos poucos, o mundo ao meu redor começou a voltar ao normal. Minha visão se ajustou, e o ar finalmente começou a preencher meus pulmões. Solto um suspiro tremido e encosto a cabeça no volante, exausta.
— Desculpe — murmuro, ainda sem forças para encará-lo. — Eu… eu precisava sair daqui. Preciso fugir antes que me obriguem a casar com um homem que é considerado um monstro.
O desconhecido ficou em silêncio por um instante, como se absorvesse o que eu acabara de dizer. Ainda estava tensa, mas o momento de pânico tinha passado, graças à sua intervenção.
— Casar contra a sua vontade? — ele perguntou, com um tom de curiosidade genuína misturado com algo que não conseguia decifrar.
Assenti, ainda sem coragem para olhar em seus olhos.
— Meu padrasto… Ele quer que eu me case com Javier Herrera, o herdeiro do cartel rival — digo, sentindo o veneno nas palavras. — Esse casamento… É um pesadelo. Eu não posso. Não consigo.
Ao dizer isso, finalmente olho para o homem ao meu lado. Ele me observava com uma expressão indecifrável, mas havia uma intensidade em seus olhos que me deixava nervosa. Havia algo no modo como ele me olhava, como se ele já soubesse tudo aquilo antes mesmo de eu falar.
— Fugir pode não ser a solução que você espera — ele disse, a voz baixa e séria. — Você tem ideia do que aconteceria com sua família se você fugisse?
Eu abaixei a cabeça, sabendo que ele estava certo. Fugir significava abandonar minha mãe e minha irmã à mercê de Diego Montoya. Sabia que o preço seria alto para elas, mas ainda assim, o medo daquele casamento parecia me devorar por dentro.
— Eu não sei o que fazer — admiti, sentindo as lágrimas se acumularem em meus olhos.
Ele ficou em silêncio por um momento e, então, gentilmente, colocou uma mão sobre a minha, que ainda segurava o volante com força.
— Às vezes, não é tão simples escapar de certos destinos. Especialmente quando existem pessoas que dependem de nós — Sua voz soa calma e segura. — Mas talvez enfrentar essa situação seja o primeiro passo para mudar algo, mesmo que seja pequeno.
Inspiro fundo, tentando absorver o que ele dizia. Havia uma sabedoria em suas palavras, algo que me acalmava, mesmo que a ideia de voltar para a mansão me parecesse tão insuportável quanto antes.
— Volte para casa — ele sugeriu, com uma gentileza surpreendente. — Por mais difícil que seja, talvez esse não seja o melhor momento para tentar escapar. Você pode estar se precipitando.
De alguma forma, aquelas palavras me atingiram profundamente. A raiva e o desespero ainda estavam ali, mas ele havia plantado uma semente de dúvida, uma pequena hesitação que me fazia reconsiderar minhas ações.
Solto um longo suspiro, exausta, e finalmente balancei a cabeça em um gesto de concordância. Eu sabia que ele estava certo. Ir embora sem um plano poderia acabar mal para todos. Mas algo em mim ainda resistia, ainda sentia a dor de uma liberdade perdida.
Antes de abrir a porta para sair, olhei para ele, curiosa.
— Eu nem sei o seu nome.
Ele me olhou de volta, e um pequeno sorriso curvou seus lábios, um sorriso que não era nem gentil, nem ameaçador, mas parecia carregar uma verdade cruel e oculta.
— Javier — disse, pausadamente, como se saboreasse o efeito de sua revelação. — Javier Herrera.
Um arrepio percorreu minha espinha.
Meu corpo inteiro congelou, e senti o sangue gelar em minhas veias.
Ele… ele era Javier Herrera. O homem que eu tinha acabado de confessar que odiava. O homem com quem eu estava prestes a me casar à força. E ele me ouvira desabafar cada palavra de desespero sobre o casamento.
Ele segurou minha mão novamente, a mesma mão que antes eu agarrava ao volante com medo, e seu olhar se fixou no meu com uma intensidade sombria, quase possessiva.
— É melhor você voltar para casa, Camille — ele murmurou, a voz suave, mas com um tom que parecia uma ordem disfarçada de conselho. — Nos vemos em breve.
Sem dizer mais nada, ele abriu a porta e saiu, deixando-me ali, sozinha e paralisada.
Camille48 horas antesA mansão estava em silêncio.Um silêncio denso e carregado, daqueles que parecem anunciar uma tempestade.Me sentei rigidamente em uma das poltronas de couro do escritório do meu padrasto, Juan Carlos Mendonza, observando os detalhes ao meu redor com uma inquietação que não conseguia aplacar, talvez fosse o cansaço depois de um dia exaustivo de trabalho em uma lanchonete, aonde desejava apenas minha cama de solteiro em um único cômodo que conseguia pagar com o salário que ganhava. Cada móvel e cada peça de arte naquele ambiente carregavam um peso que só alguém como Juan Carlos poderia impor. Cada item parecia um símbolo de poder, de controle absoluto — algo que ele exercia não só sobre sua “família” de sangue, mas sobre todos os que dependiam dele. Incluindo minha mãe e a minha irmã.O relógio na parede indicava meia-noite, e ele ainda não havia chegado.O ar estava abafado, quase sufocante, e o único som que ouvia era o tique-taque incessante do relógio. Me se
JavierO restaurante estava lotado, mas nenhum ruído penetrava na sala privada em que eu estava.A iluminação era baixa, e o som de jazz suave preenchia o ambiente, um contraste com o peso do que estava prestes a acontecer ali.Do meu lado da mesa, mantive uma postura impassível, sem desviar o olhar de Juan Carlos, que estava sentado à minha frente. Ele se servia de vinho tinto com uma calma perturbadora, como se o encontro não fosse mais do que um jantar casual entre velhos amigos.Mas eu não era amigo dele. Nunca fui. Ele sabia disso e não se importava; a única coisa que importava para ele era o poder. E, agora, aparentemente, esse poder passava pelo casamento entre a enteada dele e eu. Espero até ele levantar a taça e dar o primeiro gole antes de finalmente quebrar o silêncio.— Então, Juan Carlos — começo, mantendo o tom frio e controlado. — Isso é uma confirmação?Ele deixa a taça pousada sobre a mesa e me lança um olhar que continha algo entre uma satisfação sádica e um toque d
Camille 24 horas antesEra meu horário de almoço, e tinha saído correndo da lanchonete para tentar fazer minha mãe entender que aquele casamento com alguém que não conhecia e como Javier Herrera era uma completa insanidade.Tentei mil vezes pedir outra conversa a sós com Juan Carlos, mas ele sempre me ignorava. Então, decidi apelar para ela, esperando que ela pudesse ao menos falar com ele. Ela era a única que talvez pudesse fazê-lo mudar de ideia.Assim que entro na loja de roupas, vi minha mãe, Roberta, folheando araras, com o rosto calmo, como se o mundo ao redor estivesse perfeito.Ela segurava um vestido azul e analisava as costuras, absorta, sem parecer notar minha presença. Esse contraste entre a tranquilidade dela e o caos que explodia dentro de mim me irritava de uma forma que não conseguia controlar.— Mãe, a gente precisa conversar. — Minha voz saiu mais dura do que eu pretendia, mas eu não conseguia mais fingir que estava bem com aquilo.Ela olha para mim, estreitand
Javier Ajeito o colarinho da camisa no espelho, tentando me convencer de que aquela era só mais uma questão de negócios. Na verdade, já estava acostumado com compromissos impessoais e decisões estratégicas. Mas algo naquele casamento me incomodava de um jeito que ainda não conseguia entender. Talvez fosse a ideia de que, dessa vez, alguém mais estava pagando um preço pelas minhas escolhas.Ouço o som leve dos pés da minha irmã, Suzu, quando entra no quarto. Ela se senta na cama, cruzando as pernas, o rosto em uma expressão de leve desaprovação.— Então é isso, Javier? — Sua a voz soa baixa mas firme. — Você realmente vai fazer isso?Termino de ajustar o relógio no pulso, mantendo o olhar no espelho e evitando o dela.Sabia que, para Suzu, todo o conceito desse casamento parecia estranho, até errado. Ela sempre acreditou que havia algo mais em mim do que os negócios e o sangue. Talvez até tivesse razão. Mas aquele não era o momento para explorar essas possibilidades.— Você sabe que
Camille A volta para o interior da mansão foi um borrão de sensações que eu mal podia distinguir. Os segundos pareciam se arrastar, e ao mesmo tempo, correr depressa demais.Minhas mãos ainda estavam frias, mas agora não era só o pânico que me consumia, era o choque de tudo o que havia acabado de acontecer.Javier Herrera. Ele me encontrou em minha tentativa de fuga, me acalmou, e depois, como se quisesse jogar sal em uma ferida, revelou ser o homem que eu tanto odiava.Cada vez que revivia o momento em que ele pronunciou seu nome, sentia um nó apertar ainda mais em minha garganta.Quando chego na mansão, quase tropeçando nos próprios pés, encontro seu interior em silêncio. A mansão Mendonza, sempre tão opressiva, estava escura e quieta, com exceção das luzes do escritório de Juan Carlos, no segundo andar.Respiro fundo e entro, sabendo que enfrentar meu padrasto era inevitável. Ele já deveria estar sabendo da minha tentativa de fuga, e o que quer que fosse, não seria leve.Quando c
Camille A manhã seguinte chegou com um peso esmagador.Mal havia dormido, e o bilhete de Javier ainda pulsava na minha mente como um aviso ameaçador.Cada passo que eu dava para descer as escadas parecia um movimento calculado rumo ao inevitável. As paredes da mansão me sufocavam, enquanto os sons abafados dos empregados circulando pela casa pareciam me lembrar do destino inescapável que me aguardava.Assim que desço, sou informada de que ele estava me esperando na biblioteca. Ele já tinha vindo até aqui, para me encontrar. A formalidade de se ter uma “conversa” antes do casamento era tão fria quanto o próprio Javier.Respiro fundo antes de abrir a porta, tentando controlar o nervosismo e ignorando o aperto no estômago. Ele já tinha visto minha fraqueza uma vez, mas não deixaria que visse novamente.Quando entro, Javier estava em pé, de costas para mim, observando os livros na estante. Ele usava um terno escuro que acentuava suas feições severas, o ar de alguém que sabia exatamente o
O calor escaldante do México parecia atravessar as paredes da igreja, se somando à pressão que latejava em minha cabeça.O véu caía sobre meu rosto, abafando a visão e o ar, e eu sentia o suor frio escorrendo pela nuca. Minha pele parecia presa em seda e renda, mas aquilo não era nem de longe uma armadura.Era o traje de uma prisioneira prestes a cumprir uma sentença.A Catedral de Guadalupe estava lotada. Cada canto era ocupado por figuras importantes, aliados de ambos os cartéis, além dos curiosos que sabiam da cerimônia e queriam ver a união dos Mendonzas e dos Herrera. Para eles, aquilo era um espetáculo. Uma aliança histórica. Um “conto de fadas” de poder e influência, onde as famílias mais temidas da região colocavam as armas de lado e se uniam sob o pretexto de paz. Mas, para mim, tudo continuava sendo uma sentença perpétua.Olho para o altar, onde Javier me esperava, o rosto oculto sob a mesma máscara impassível que ele vestia em todas as nossas interações.Ele parecia uma es
Javier A catedral estava repleta de rostos que e conhecia — aliados, rivais disfarçados, amigos de conveniência. Todos observavam com uma atenção calculada enquanto eu aguardava Camille no altar. O ambiente tinha aquele peso de cerimônias que uniam interesse e tradição. Mas desta vez, o noivo era eu. E a sensação de estar diante de algo irrevogável me surpreendia mais do que eu gostaria de admitir.Observo Juan Carlosao lado do altar, o olhar orgulhoso da obra que ele havia arquitetado. Esse casamento era seu troféu, o golpe mestre que silenciaria as ameaças que atormentaram nossas famílias por gerações.Camille e eu éramos peões importantes no tabuleiro dele, mas, para mim, isso nunca foi um problema — sempre estive disposto a fazer o que fosse necessário pelo meu próprio legado e pelo poder que ele me daria. Mas, naquele momento, o peso de tudo isso parecia diferente, como se algo profundo estivesse se rebelando contra o rumo das coisas.Quando as portas se abriram e ela começou a