Camille
24 horas antes
Era meu horário de almoço, e tinha saído correndo da lanchonete para tentar fazer minha mãe entender que aquele casamento com alguém que não conhecia e como Javier Herrera era uma completa insanidade.
Tentei mil vezes pedir outra conversa a sós com Juan Carlos, mas ele sempre me ignorava. Então, decidi apelar para ela, esperando que ela pudesse ao menos falar com ele. Ela era a única que talvez pudesse fazê-lo mudar de ideia.
Assim que entro na loja de roupas, vi minha mãe, Roberta, folheando araras, com o rosto calmo, como se o mundo ao redor estivesse perfeito.
Ela segurava um vestido azul e analisava as costuras, absorta, sem parecer notar minha presença. Esse contraste entre a tranquilidade dela e o caos que explodia dentro de mim me irritava de uma forma que não conseguia controlar.
— Mãe, a gente precisa conversar. — Minha voz saiu mais dura do que eu pretendia, mas eu não conseguia mais fingir que estava bem com aquilo.
Ela olha para mim, estreitando o olhar ao perceber que estava vestida com o uniforme do trabalho, e depois sorri como se não percebesse a seriedade da situação.
— Claro, querida. Mas primeiro, o que acha desse vestido? A cor vai combinar com meu tom de pele?
Bufo, cruzando os braços, mas ela não desisti e ergue o vestido contra o corpo, observando o espelho.
— Mãe, você está me ouvindo? Eu preciso que você fale com Juan Carlos sobre esse casamento. Eu não quero isso, não desse jeito.
Ela suspira, como se eu estivesse sendo dramática, e volta a olhar as araras, passando os dedos por tecidos caros e brilhantes.
— Camille, quantas vezes eu já te disse? Juan só quer o melhor para você. Ele está garantindo seu futuro, protegendo você e toda nossa família. Esse casamento é uma bênção, não um castigo.
As palavras dela queimaram.
Uma bênção? Era isso o que ela pensava? Que eu estava sendo abençoada por ser forçada a casar com Javier Herrera, alguém que eu mal conhecia e de quem eu queria distância?
Senti a raiva fervendo, mas me controlei.
— Mãe, por favor… isso não é uma bênção. Ele não me perguntou, não me deu escolha. Eu estou sendo tratada como um objeto, como algo que ele pode usar e trocar pelo que quiser.
Ela para, segurando uma blusa nas mãos e me encara. Seu olhar estava mais sério agora, como se, de repente, tivesse decidido que minha rebeldia precisava ser controlada.
— Cami, você precisa parar de pensar assim. — Sua voz era firme, o tom de alguém que estava dando uma lição. — Juan nos deu tudo. Essa segurança, essa vida. Você sabe como a nossa situação era antes. Você quer voltar a isso? Quer ver a gente morando em algum lugar sujo e perigoso, sem ninguém para proteger você e sua irmã?
Fecho os olhos por um segundo, tentando absorver o impacto das palavras dela. É claro que eu lembrava. Lembrava de cada detalhe da nossa vida antes dele, de como o mundo parecia ameaçador e vazio.
Mas agora eu me sentia ameaçada de outra forma, e ninguém parecia disposto a me ouvir.
— Eu sei o que elefez por nós, e sou grata, mãe. Mas… será que é pedir demais querer ter uma escolha? Eu nem conheço Javier. Ele é… — eu hesitei, pensando nas palavras certas, mas a verdade escapou antes que eu pudesse parar. — Ele é cruel, frio. Ele com certeza não se importa comigo, ele só quer o que o casamento representa para os negócios.
Ela suspira, deixando a blusa de lado, e segura minhas mãos com uma expressão cansada.
— Camille, você precisa entender que, no mundo de Juan, não existe o conceito de “escolha” como você imagina. Ele pensa em nós antes de tudo. Ele protege nossa família, protege sua irmã. Se esse casamento vai garantir nossa segurança, então você tem que aceitar isso. Nem sempre as coisas são como queremos, e às vezes precisamos sacrificar um pouco da nossa liberdade pelo bem maior.
— Sacrificar a minha liberdade? — sussurro, com a voz embargada. — É fácil dizer isso quando não é você que está sendo sacrificada.
Ela solta minhas mãos, cruzando os braços com um olhar firme.
— E você acha que foi fácil para mim? Acha que eu nunca sacrifiquei nada? Juan me deu uma vida que eu nunca sonhei, e eu aceitei as condições. Ele cuida de nós, nos protege, e agora você terá o mesmo. Javier pode não ser o homem dos seus sonhos, mas ele é o homem que elrescolheu. Confie no julgamento dele.
Senti a garganta apertar, e lágrimas ameaçaram aparecer, mas eu as engoli. Eu não ia chorar, não ali, em uma loja de roupas, implorando para minha própria mãe que não me entregasse a um homem que me fazia sentir mais como uma posse do que uma pessoa.
— Mãe… — minha voz saiu como um sussurro —, por favor… fala com ele. Pede para ele me ouvir. Eu não estou pedindo muito, só quero que ele me ouça.
Ela me olha com tristeza, mas seus olhos mostravam uma decisão irredutível.
— Eu não posso. Ele já tomou a decisão, e ele não vai voltar atrás. Eu não vou colocá-lo contra mim, ou contra você. Só… só seja forte, querida. No fim, você vai ver que ele tem razão e trate de sair daquele buraco em que dorme e voltar para casa.
Ela volta a olhar as roupas, como se a conversa tivesse acabado, e tudo dentro de mim gritou de frustração. Meu próprio pedido, minha própria dor, haviam sido tratados como uma criança que pede um brinquedo novo.
Como se eu fosse pequena demais para entender a importância do que estava em jogo.
Me afastei, com o coração apertado e a respiração curta. Tudo parecia mais escuro, mais frio, e percebi que, não importa o quanto lutasse, estava sozinha.
Javier Ajeito o colarinho da camisa no espelho, tentando me convencer de que aquela era só mais uma questão de negócios. Na verdade, já estava acostumado com compromissos impessoais e decisões estratégicas. Mas algo naquele casamento me incomodava de um jeito que ainda não conseguia entender. Talvez fosse a ideia de que, dessa vez, alguém mais estava pagando um preço pelas minhas escolhas.Ouço o som leve dos pés da minha irmã, Suzu, quando entra no quarto. Ela se senta na cama, cruzando as pernas, o rosto em uma expressão de leve desaprovação.— Então é isso, Javier? — Sua a voz soa baixa mas firme. — Você realmente vai fazer isso?Termino de ajustar o relógio no pulso, mantendo o olhar no espelho e evitando o dela.Sabia que, para Suzu, todo o conceito desse casamento parecia estranho, até errado. Ela sempre acreditou que havia algo mais em mim do que os negócios e o sangue. Talvez até tivesse razão. Mas aquele não era o momento para explorar essas possibilidades.— Você sabe que
Camille A volta para o interior da mansão foi um borrão de sensações que eu mal podia distinguir. Os segundos pareciam se arrastar, e ao mesmo tempo, correr depressa demais.Minhas mãos ainda estavam frias, mas agora não era só o pânico que me consumia, era o choque de tudo o que havia acabado de acontecer.Javier Herrera. Ele me encontrou em minha tentativa de fuga, me acalmou, e depois, como se quisesse jogar sal em uma ferida, revelou ser o homem que eu tanto odiava.Cada vez que revivia o momento em que ele pronunciou seu nome, sentia um nó apertar ainda mais em minha garganta.Quando chego na mansão, quase tropeçando nos próprios pés, encontro seu interior em silêncio. A mansão Mendonza, sempre tão opressiva, estava escura e quieta, com exceção das luzes do escritório de Juan Carlos, no segundo andar.Respiro fundo e entro, sabendo que enfrentar meu padrasto era inevitável. Ele já deveria estar sabendo da minha tentativa de fuga, e o que quer que fosse, não seria leve.Quando c
Camille A manhã seguinte chegou com um peso esmagador.Mal havia dormido, e o bilhete de Javier ainda pulsava na minha mente como um aviso ameaçador.Cada passo que eu dava para descer as escadas parecia um movimento calculado rumo ao inevitável. As paredes da mansão me sufocavam, enquanto os sons abafados dos empregados circulando pela casa pareciam me lembrar do destino inescapável que me aguardava.Assim que desço, sou informada de que ele estava me esperando na biblioteca. Ele já tinha vindo até aqui, para me encontrar. A formalidade de se ter uma “conversa” antes do casamento era tão fria quanto o próprio Javier.Respiro fundo antes de abrir a porta, tentando controlar o nervosismo e ignorando o aperto no estômago. Ele já tinha visto minha fraqueza uma vez, mas não deixaria que visse novamente.Quando entro, Javier estava em pé, de costas para mim, observando os livros na estante. Ele usava um terno escuro que acentuava suas feições severas, o ar de alguém que sabia exatamente o
O calor escaldante do México parecia atravessar as paredes da igreja, se somando à pressão que latejava em minha cabeça.O véu caía sobre meu rosto, abafando a visão e o ar, e eu sentia o suor frio escorrendo pela nuca. Minha pele parecia presa em seda e renda, mas aquilo não era nem de longe uma armadura.Era o traje de uma prisioneira prestes a cumprir uma sentença.A Catedral de Guadalupe estava lotada. Cada canto era ocupado por figuras importantes, aliados de ambos os cartéis, além dos curiosos que sabiam da cerimônia e queriam ver a união dos Mendonzas e dos Herrera. Para eles, aquilo era um espetáculo. Uma aliança histórica. Um “conto de fadas” de poder e influência, onde as famílias mais temidas da região colocavam as armas de lado e se uniam sob o pretexto de paz. Mas, para mim, tudo continuava sendo uma sentença perpétua.Olho para o altar, onde Javier me esperava, o rosto oculto sob a mesma máscara impassível que ele vestia em todas as nossas interações.Ele parecia uma es
Javier A catedral estava repleta de rostos que e conhecia — aliados, rivais disfarçados, amigos de conveniência. Todos observavam com uma atenção calculada enquanto eu aguardava Camille no altar. O ambiente tinha aquele peso de cerimônias que uniam interesse e tradição. Mas desta vez, o noivo era eu. E a sensação de estar diante de algo irrevogável me surpreendia mais do que eu gostaria de admitir.Observo Juan Carlosao lado do altar, o olhar orgulhoso da obra que ele havia arquitetado. Esse casamento era seu troféu, o golpe mestre que silenciaria as ameaças que atormentaram nossas famílias por gerações.Camille e eu éramos peões importantes no tabuleiro dele, mas, para mim, isso nunca foi um problema — sempre estive disposto a fazer o que fosse necessário pelo meu próprio legado e pelo poder que ele me daria. Mas, naquele momento, o peso de tudo isso parecia diferente, como se algo profundo estivesse se rebelando contra o rumo das coisas.Quando as portas se abriram e ela começou a
A música suave preenchia o salão, mas para mim era apenas um ruído, abafado pelo peso do que eu acabara de fazer.Meus olhos vagavam pela multidão — rostos conhecidos e desconhecidos me lançando olhares curiosos, condescendentes, alguns até invejosos.Juan Carlos estava ao lado da minha mãe, conversando com um dos homens de confiança do cartel, e, a cada tanto, me lançava olhares que eu não conseguia ignorar. O brilho severo em seus olhos deixava claro que ele esperava nada menos que obediência. Eu deveria ser uma esposa exemplar, uma Mendonza que soubesse jogar esse jogo com sutileza e elegância.— Querida, você precisa se lembrar do que está em jogo aqui. — A voz de Roberta soou do meu lado, baixa e sem hesitação, enquanto ela me puxava de volta ao foco. Seu tom era gentil, mas o peso das palavras era esmagador. — Juanjá nos deu muito. É graças a ele que temos tudo isso, Camille. Tudo. Então, seja obediente, mostre que pode honrar nosso nome.Quis responder, dizer algo que a fizess
O vento cortante da madrugada me feria a pele enquanto eu atravessava os jardins da mansão Mendonza, o coração batendo tão rápido que eu sentia uma pressão sufocante no peito. Cada passo parecia um eco na escuridão, um lembrete de que estava sozinha naquela tentativa de fuga. A qualquer momento, algum dos seguranças poderia me ver e me deter. Mas a possibilidade de ser pega não era o suficiente para me fazer parar.Precisava sair dali antes que o sol nascesse e meu destino fosse selado para sempre.Tudo o que sabia era que tinha que fugir.Precisava escapar da vida que Diego havia decidido para mim. Tentava segurar as lágrimas enquanto corria em direção à garagem. A promessa de liberdade era como uma chama fraca dentro de mim, algo que eu sabia que poderia apagar a qualquer segundo.Alcanço o carro preto, o único que sabia estar ali destrancado. Minhas mãos tremiam enquanto tentava uma ligação direta. Havia lido algo sobre fazer uma “luxação direta” na ignição para ligar o carro sem c
Camille48 horas antesA mansão estava em silêncio.Um silêncio denso e carregado, daqueles que parecem anunciar uma tempestade.Me sentei rigidamente em uma das poltronas de couro do escritório do meu padrasto, Juan Carlos Mendonza, observando os detalhes ao meu redor com uma inquietação que não conseguia aplacar, talvez fosse o cansaço depois de um dia exaustivo de trabalho em uma lanchonete, aonde desejava apenas minha cama de solteiro em um único cômodo que conseguia pagar com o salário que ganhava. Cada móvel e cada peça de arte naquele ambiente carregavam um peso que só alguém como Juan Carlos poderia impor. Cada item parecia um símbolo de poder, de controle absoluto — algo que ele exercia não só sobre sua “família” de sangue, mas sobre todos os que dependiam dele. Incluindo minha mãe e a minha irmã.O relógio na parede indicava meia-noite, e ele ainda não havia chegado.O ar estava abafado, quase sufocante, e o único som que ouvia era o tique-taque incessante do relógio. Me se