Javier
O restaurante estava lotado, mas nenhum ruído penetrava na sala privada em que eu estava.
A iluminação era baixa, e o som de jazz suave preenchia o ambiente, um contraste com o peso do que estava prestes a acontecer ali.
Do meu lado da mesa, mantive uma postura impassível, sem desviar o olhar de Juan Carlos, que estava sentado à minha frente. Ele se servia de vinho tinto com uma calma perturbadora, como se o encontro não fosse mais do que um jantar casual entre velhos amigos.
Mas eu não era amigo dele. Nunca fui. Ele sabia disso e não se importava; a única coisa que importava para ele era o poder. E, agora, aparentemente, esse poder passava pelo casamento entre a enteada dele e eu.
Espero até ele levantar a taça e dar o primeiro gole antes de finalmente quebrar o silêncio.
— Então, Juan Carlos — começo, mantendo o tom frio e controlado. — Isso é uma confirmação?
Ele deixa a taça pousada sobre a mesa e me lança um olhar que continha algo entre uma satisfação sádica e um toque de cinismo. Ele sempre foi assim: sorridente na superfície e venenoso por dentro.
— É claro, Javier — diz ele, com uma calma que só pessoas como nós conseguíamos sustentar em situações assim. — Isso tudo é pelo bem dos nossos negócios. E, pelo que vejo, você já entendeu que os interesses maiores de nossas famílias devem estar acima de… sentimentos pessoais.
Eu rio, um som seco e desprovido de humor.
Juan Carlos sabia exatamente o que estava fazendo, manipulando cada peça para conseguir o que queria. Casar com Camille significava unir duas potências do tráfico, mas também significava prender uma garota que ele dizia ser parte da família em um jogo que a esmagava.
— Sentimentos? — retruco. — Achei que você soubesse que sentimentos nunca fizeram parte dos meus negócios.
— Então estamos na mesma página. — Ele recostou-se na cadeira, cruzando os braços, enquanto um sorriso calculado se espalhava por seu rosto. — Camille vai se casar com você. Ela ainda não aceita, mas, a essa altura, você é o único a quem ela vai precisar se acostumar.
Engulo em seco, observando Juan Carlos.
Eu sabia que, por trás das suas palavras, havia uma ameaça velada. Talvez não contra mim, mas contra a própria Camille. Ele não estava me oferecendo a mão dela por simples aliança. Era um movimento estratégico para garantir o controle completo de sua própria família.
— E como ela reagiu à decisão? — pergunto, disfarçando o interesse. Parte de mim queria saber até onde Diego estava disposto a ir.
Ele dÁ de ombros, como se a opinião da enteada fosse tão irrelevante quanto uma peça de xadrez.
— Ela não tem escolha. E, se souber o que é bom para ela, vai entender que esse é o único caminho para garantir a segurança… dela e da família dela.
Aquelas palavras, ditas com uma casualidade que me enojava, deixavam claro que ele faria qualquer coisa para garantir sua vontade. Ele sequer tentava disfarçar. Era como se ele quisesse que eu soubesse que ela estava sob o seu domínio — e que, caso eu tivesse qualquer interesse em proteger sua segurança ou bem-estar, eu deveria estar ciente disso.
O silêncio entre nós se prolongou, e continuei observando ele com uma calma fria, tentando compreender suas intenções, embora, no fundo, soubesse que, para ele, tudo era apenas um jogo de poder.
Ele finalmente quebra o silêncio.
— Javier, sei que você é um homem que aprecia… liberdade. E entendo que esse tipo de aliança pode parecer, hum… um peso. Mas é algo de que ambos precisamos para manter o controle e, quem sabe, expandir nossas operações sem interferências.
Aceno lentamente, mantendo a expressão neutra.
Juan Carlos sabia que eu era calculista o suficiente para entender os benefícios de um casamento com Camille. Sabia também que eu jamais me comprometeria com nada que me fizesse perder o controle de meus próprios planos.
— E o que ela pensa sobre tudo isso? — pergunto, desafiador, esperando que, por uma vez, ele deixasse escapar alguma reação genuína.
Ele sorri, mas seus olhos ficaram frios.
— Ela pensa… que está sendo obrigada. Mas ela é inteligente e vai perceber que esse é o caminho. Aliás, ela não tem escolha. Ela é uma Mendonza querendo ou não, Javier. E, como Mendonza, ela sabe que o dever sempre vem antes do desejo.
Aquilo me irritou, embora eu não demonstrasse.
Ele realmente tratava a enteada como uma peça descartável, e talvez, no fundo, eu soubesse que aceitar isso fazia de mim cúmplice. Mas minha posição como líder do cartel Herrera exigia alianças que, por vezes, não respeitavam sentimentos ou vontades individuais.
Respiro fundo e o encaro, sem desviar o olhar.
— Que assim seja, então — digo, finalmente. — Vamos oficializar esse acordo.
O sorriso dele se alargou, e fez um gesto para um dos seus homens, que prontamente se aproximou com uma pasta. Ele a colocou sobre a mesa e abriu, revelando o contrato que tornava tudo isso oficial.
— É o que eu esperava ouvir — Juan Carlos mantém o sorriso, levantando a taça de vinho em um brinde silencioso.
Levanto minha própria taça e toco na dele, sem realmente brindar, apenas um gesto vazio para selar o acordo.
Deixo a taça de lado e, antes de me levantar, encaro Juan Carlos pela última vez.
— Espero que tenha deixado claro para ela que, agora, será minha responsabilidade. E não pretendo lidar com interferências externas.
Ele assenti, seu sorriso jamais deixando o rosto.
— Camille agora é sua, Javier. Quanto a isso, você não precisa se preocupar. Nos vemos mais tarde em minha casa, assim que o advogado garantir que está tudo certo com a papelada.
Nos despedimos com um aperto de mãos firme, e deixoo restaurante, a mente fervilhando.
A noite estava densa, e a cidade parecia fria sob a luz dos postes. Ao sair do local, meus homens me aguardavam, posicionados ao redor do carro. Assenti, sinalizando para que me acompanhassem, enquanto os pensamentos sobre Camille e o peso do que estava por vir se misturavam.
Se ela achava que estava presa numa armadilha, não fazia ideia de que eu, também, estava preso ao jogo de Juan Carlos, amarrado a uma guerra que tinha me tornado mais prisioneiro do que qualquer um.
Camille 24 horas antesEra meu horário de almoço, e tinha saído correndo da lanchonete para tentar fazer minha mãe entender que aquele casamento com alguém que não conhecia e como Javier Herrera era uma completa insanidade.Tentei mil vezes pedir outra conversa a sós com Juan Carlos, mas ele sempre me ignorava. Então, decidi apelar para ela, esperando que ela pudesse ao menos falar com ele. Ela era a única que talvez pudesse fazê-lo mudar de ideia.Assim que entro na loja de roupas, vi minha mãe, Roberta, folheando araras, com o rosto calmo, como se o mundo ao redor estivesse perfeito.Ela segurava um vestido azul e analisava as costuras, absorta, sem parecer notar minha presença. Esse contraste entre a tranquilidade dela e o caos que explodia dentro de mim me irritava de uma forma que não conseguia controlar.— Mãe, a gente precisa conversar. — Minha voz saiu mais dura do que eu pretendia, mas eu não conseguia mais fingir que estava bem com aquilo.Ela olha para mim, estreitand
Javier Ajeito o colarinho da camisa no espelho, tentando me convencer de que aquela era só mais uma questão de negócios. Na verdade, já estava acostumado com compromissos impessoais e decisões estratégicas. Mas algo naquele casamento me incomodava de um jeito que ainda não conseguia entender. Talvez fosse a ideia de que, dessa vez, alguém mais estava pagando um preço pelas minhas escolhas.Ouço o som leve dos pés da minha irmã, Suzu, quando entra no quarto. Ela se senta na cama, cruzando as pernas, o rosto em uma expressão de leve desaprovação.— Então é isso, Javier? — Sua a voz soa baixa mas firme. — Você realmente vai fazer isso?Termino de ajustar o relógio no pulso, mantendo o olhar no espelho e evitando o dela.Sabia que, para Suzu, todo o conceito desse casamento parecia estranho, até errado. Ela sempre acreditou que havia algo mais em mim do que os negócios e o sangue. Talvez até tivesse razão. Mas aquele não era o momento para explorar essas possibilidades.— Você sabe que
Camille A volta para o interior da mansão foi um borrão de sensações que eu mal podia distinguir. Os segundos pareciam se arrastar, e ao mesmo tempo, correr depressa demais.Minhas mãos ainda estavam frias, mas agora não era só o pânico que me consumia, era o choque de tudo o que havia acabado de acontecer.Javier Herrera. Ele me encontrou em minha tentativa de fuga, me acalmou, e depois, como se quisesse jogar sal em uma ferida, revelou ser o homem que eu tanto odiava.Cada vez que revivia o momento em que ele pronunciou seu nome, sentia um nó apertar ainda mais em minha garganta.Quando chego na mansão, quase tropeçando nos próprios pés, encontro seu interior em silêncio. A mansão Mendonza, sempre tão opressiva, estava escura e quieta, com exceção das luzes do escritório de Juan Carlos, no segundo andar.Respiro fundo e entro, sabendo que enfrentar meu padrasto era inevitável. Ele já deveria estar sabendo da minha tentativa de fuga, e o que quer que fosse, não seria leve.Quando c
Camille A manhã seguinte chegou com um peso esmagador.Mal havia dormido, e o bilhete de Javier ainda pulsava na minha mente como um aviso ameaçador.Cada passo que eu dava para descer as escadas parecia um movimento calculado rumo ao inevitável. As paredes da mansão me sufocavam, enquanto os sons abafados dos empregados circulando pela casa pareciam me lembrar do destino inescapável que me aguardava.Assim que desço, sou informada de que ele estava me esperando na biblioteca. Ele já tinha vindo até aqui, para me encontrar. A formalidade de se ter uma “conversa” antes do casamento era tão fria quanto o próprio Javier.Respiro fundo antes de abrir a porta, tentando controlar o nervosismo e ignorando o aperto no estômago. Ele já tinha visto minha fraqueza uma vez, mas não deixaria que visse novamente.Quando entro, Javier estava em pé, de costas para mim, observando os livros na estante. Ele usava um terno escuro que acentuava suas feições severas, o ar de alguém que sabia exatamente o
O calor escaldante do México parecia atravessar as paredes da igreja, se somando à pressão que latejava em minha cabeça.O véu caía sobre meu rosto, abafando a visão e o ar, e eu sentia o suor frio escorrendo pela nuca. Minha pele parecia presa em seda e renda, mas aquilo não era nem de longe uma armadura.Era o traje de uma prisioneira prestes a cumprir uma sentença.A Catedral de Guadalupe estava lotada. Cada canto era ocupado por figuras importantes, aliados de ambos os cartéis, além dos curiosos que sabiam da cerimônia e queriam ver a união dos Mendonzas e dos Herrera. Para eles, aquilo era um espetáculo. Uma aliança histórica. Um “conto de fadas” de poder e influência, onde as famílias mais temidas da região colocavam as armas de lado e se uniam sob o pretexto de paz. Mas, para mim, tudo continuava sendo uma sentença perpétua.Olho para o altar, onde Javier me esperava, o rosto oculto sob a mesma máscara impassível que ele vestia em todas as nossas interações.Ele parecia uma es
Javier A catedral estava repleta de rostos que e conhecia — aliados, rivais disfarçados, amigos de conveniência. Todos observavam com uma atenção calculada enquanto eu aguardava Camille no altar. O ambiente tinha aquele peso de cerimônias que uniam interesse e tradição. Mas desta vez, o noivo era eu. E a sensação de estar diante de algo irrevogável me surpreendia mais do que eu gostaria de admitir.Observo Juan Carlosao lado do altar, o olhar orgulhoso da obra que ele havia arquitetado. Esse casamento era seu troféu, o golpe mestre que silenciaria as ameaças que atormentaram nossas famílias por gerações.Camille e eu éramos peões importantes no tabuleiro dele, mas, para mim, isso nunca foi um problema — sempre estive disposto a fazer o que fosse necessário pelo meu próprio legado e pelo poder que ele me daria. Mas, naquele momento, o peso de tudo isso parecia diferente, como se algo profundo estivesse se rebelando contra o rumo das coisas.Quando as portas se abriram e ela começou a
A música suave preenchia o salão, mas para mim era apenas um ruído, abafado pelo peso do que eu acabara de fazer.Meus olhos vagavam pela multidão — rostos conhecidos e desconhecidos me lançando olhares curiosos, condescendentes, alguns até invejosos.Juan Carlos estava ao lado da minha mãe, conversando com um dos homens de confiança do cartel, e, a cada tanto, me lançava olhares que eu não conseguia ignorar. O brilho severo em seus olhos deixava claro que ele esperava nada menos que obediência. Eu deveria ser uma esposa exemplar, uma Mendonza que soubesse jogar esse jogo com sutileza e elegância.— Querida, você precisa se lembrar do que está em jogo aqui. — A voz de Roberta soou do meu lado, baixa e sem hesitação, enquanto ela me puxava de volta ao foco. Seu tom era gentil, mas o peso das palavras era esmagador. — Juanjá nos deu muito. É graças a ele que temos tudo isso, Camille. Tudo. Então, seja obediente, mostre que pode honrar nosso nome.Quis responder, dizer algo que a fizess
O vento cortante da madrugada me feria a pele enquanto eu atravessava os jardins da mansão Mendonza, o coração batendo tão rápido que eu sentia uma pressão sufocante no peito. Cada passo parecia um eco na escuridão, um lembrete de que estava sozinha naquela tentativa de fuga. A qualquer momento, algum dos seguranças poderia me ver e me deter. Mas a possibilidade de ser pega não era o suficiente para me fazer parar.Precisava sair dali antes que o sol nascesse e meu destino fosse selado para sempre.Tudo o que sabia era que tinha que fugir.Precisava escapar da vida que Diego havia decidido para mim. Tentava segurar as lágrimas enquanto corria em direção à garagem. A promessa de liberdade era como uma chama fraca dentro de mim, algo que eu sabia que poderia apagar a qualquer segundo.Alcanço o carro preto, o único que sabia estar ali destrancado. Minhas mãos tremiam enquanto tentava uma ligação direta. Havia lido algo sobre fazer uma “luxação direta” na ignição para ligar o carro sem c