CAPÍTULO 5

Camille 

A volta para o interior da mansão foi um borrão de sensações que eu mal podia distinguir. Os segundos pareciam se arrastar, e ao mesmo tempo, correr depressa demais.

Minhas mãos ainda estavam frias, mas agora não era só o pânico que me consumia, era o choque de tudo o que havia acabado de acontecer.

Javier Herrera. Ele me encontrou em minha tentativa de fuga, me acalmou, e depois, como se quisesse jogar sal em uma ferida, revelou ser o homem que eu tanto odiava.

Cada vez que revivia o momento em que ele pronunciou seu nome, sentia um nó apertar ainda mais em minha garganta.

Quando chego na mansão, quase tropeçando nos próprios pés, encontro seu interior  em silêncio. A mansão Mendonza, sempre tão opressiva, estava escura e quieta, com exceção das luzes do escritório de Juan Carlos, no segundo andar.

Respiro fundo e entro, sabendo que enfrentar meu padrasto era inevitável. Ele já deveria estar sabendo da minha tentativa de fuga, e o que quer que fosse, não seria leve.

Quando começo a subir as escadas, ouço passos atrás de mim. Me viro e vejo um dos seguranças de Juan Carlos, Hugo, me encarando com uma expressão dura.

— O senhor Mendonza está esperando por você no escritório — diz com uma voz firme.

Assinto sem dizer uma palavra. No fundo, sabia que ele faria questão de me deixar clara a "realidade" da minha posição, algo que ele fazia com prazer sempre que tentava resistir.

Meu estômago estava um nó, e cada degrau parecia pesar mais que o anterior. Quando cheguei à porta, respirei fundo e bati duas vezes antes de entrar.

Juan Carlos estava atrás de sua mesa, as mãos cruzadas e o rosto rígido, como uma estátua de mármore. Seu olhar se fixou em mim no segundo em que cruzei a porta.

— Feche a porta, Camille — diz sem sequer levantar a voz. Mas havia algo em seu tom que me fez estremecer.

Fecho a porta e me aproximei, tentando manter a cabeça erguida, mas ele era como uma sombra que sempre pairava sobre mim, uma presença que eu nunca conseguia ignorar. Sua autoridade estava entranhada em cada fibra do meu ser, e ele sabia disso.

— Quer me contar o que passou pela sua cabeça? — pergunta com a voz baixa, mas perigosa.

Por um instante, considerei mentir, mas sabia que não adiantaria. Juan Carlos era astuto demais para se deixar enganar. Então, resolvi ser sincera, mas mantendo a postura firme.

—  Não posso me casar com Javier Herrera, Juan Carlos. Ele… ele é…

Ele ergue uma das mãos, me silenciando.

— Esse casamento não é algo que você possa escolher. — Ele se levanta, contornando a mesa e parando diante de mim. — Esse casamento é necessário. E antes que você comece a falar sobre "direitos" e "vontades", permita-me lembrá-la de uma coisa: sua mãe e sua irmã dependem de mim. Todos os dias.

Essas palavras foram como um soco no estômago. Minha mãe e minha irmã. Juan Carlos sabia exatamente onde atacar para me fazer ceder. Ele não precisava ser explícito. O aviso era claro como um sino.

— Eu sei que isso não é o que você deseja, mas o que você deseja não importa aqui — continuou ele, com uma expressão calma, como se falasse sobre algo trivial. — Este casamento é o alicerce da paz entre os Mendonza e os Herrera, uma paz que irá beneficiar ambas as famílias e que pode trazer estabilidade a todos. Então, você fará o que lhe é mandado, porque não há escolha. A não ser, claro, que prefira ver as consequências.

Fico quieta, lutando contra as lágrimas que ameaçavam escapar. Eu sabia que não podia me dar ao luxo de parecer fraca.

— Entendido? — A voz dele cortou o silêncio, como uma lâmina afiada.

— Sim — respondo, com um fio de voz.

A próxima coisa que senti foi os punhos dele contra meu rosto, incontavéis vezes e apesar de tentar me proteger, era inútil; Juan Carlos era maior que eu e consequentemente tinha o dobro da minha força e, além do mais, não era a primeira vez que ele me castigava pela minha rebeldida.

Quando suas mãos cansaram, foram substituídas pelo cinto de couro que, fez muito bem o que queria pelos próximos minutos, até se cansar.

Sento devagar, tirando o cabelo de frente ao rosto, tentando fazer uma lista mentalmente das áreas em meu corpo que doía, quando ele passa a mão pelo cabelo grisalo, o arrumando para trás.

Ele se aproxima , inclinando-se para falar baixo, num tom quase sussurrado, que tornou suas palavras ainda mais aterrorizantes.

— E antes que pense em fugir novamente, saiba disso: Javier já sabe sobre sua pequena escapada. Aparentemente, ele mesmo te encontrou. E deixe-me dizer que ele não está muito… satisfeito. — Ele deu um sorriso frio. — Isso deve ser o suficiente para que você entenda que, a partir de agora, seus dias de liberdade são coisa do passado.

Senti o chão desaparecer sob meus pés.

Meu coração pulsava em meus ouvidos, e as palavras dele giravam na minha mente. Ele dá um passo para trás, voltando para trás de sua mesa com uma expressão satisfeita, como se tivesse acabado de garantir que eu estava devidamente contida.

— Vá descansar, Camille. Amanhã, você terá muito a fazer para se preparar. A cerimônia será em dois dias.

Dois dias.

Aquilo era um pesadelo sem fim, que só ficava pior. Sem outra escolha, me virei e saí do escritório, com as pernas trêmulas e o coração afundado. Caminhei em direção ao meu quarto, cada passo mais pesado do que o anterior, enquanto o peso da situação me esmagava.

Quando fechei a porta atrás de mim, deixei-me cair na cama, apertando os olhos para segurar as lágrimas.

Estava presa, completamente dominada por forças muito maiores do que eu poderia combater sozinha. E o homem que eu tinha mais motivos para odiar estava prestes a se tornar meu marido.

No dia seguinte, uma equipe inteira de preparativos invadiu a mansão. Mulheres carregando tecidos, flores, caixas e mais caixas de coisas que eu mal entendia se esparramaram por todo o lugar. Uma delas, encarregada do meu vestido, entrou em meu quarto, me encarando com um olhar que misturava profissionalismo e piedade.

Enquanto ela tirava as medidas e discutia detalhes do vestido, eu mal conseguia prestar atenção. Minha mente estava em um turbilhão, perdida entre pensamentos de fuga e o medo crescente de Alejandro. Eu mal o conhecia, mas as histórias sobre ele falavam de alguém frio e impiedoso, alguém que não hesitava em fazer o necessário para manter sua posição de poder.

Mais tarde, fui chamada para uma reunião com Roberta. Ela estava me esperando na sala de estar, sentada no sofá com uma expressão cansada, mas aliviada ao me ver.

— Camille… — Ela estende a mão para mim, e quando a segurei, senti o peso de sua preocupação.

— Mãe, eu não quero fazer isso. — Minha voz estava embargada, mas tentei soar forte.

Ela aperta minha mão com ternura, seus olhos tristes refletindo a realidade que ela já entendia.

— Eu sei, querida. Eu sei. Mas… às vezes, fazemos coisas que não queremos, para proteger aqueles que amamos.

Essas palavras eram uma condenação e uma promessa. Ela estava resignada, e aquilo só tornava tudo ainda mais doloroso. Senti uma raiva silenciosa e impotente se acumulando dentro de mim. Naquele instante, eu soube que estava completamente sozinha nessa batalha.

À noite, quando fui formir, encontro um envelope em minha cama. O papel era caro, e o selo tinha o símbolo dos Herrera. Com um nó no estômago, abro o envelope e retiro o bilhete.

"Boa noite, Camille.

Espero que o que aconteceu ontem tenha deixado claro que há limites. Amanhã, nos encontraremos novamente para falar sobre o que espero de nossa união.

Javier Herrera."

Ler aquelas palavras foi como um soco.

Ele sabia que tinha me assustado e estava tirando vantagem disso. E amanhã… amanhã eu teria que olhar nos olhos do homem que, em breve, tomaria o controle da minha vida.

Apago a luz e me encolho na cama, desejando, mais do que nunca, que houvesse alguma saída para essa prisão que Juan Carlos, Roberta e agora Alejandro estavam construindo ao meu redor.

Mas, no fundo, sabia que não havia saída. Amanhã, teria que encarar Javier e ouvir tudo o que ele tinha a dizer.

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