Camille
A volta para o interior da mansão foi um borrão de sensações que eu mal podia distinguir. Os segundos pareciam se arrastar, e ao mesmo tempo, correr depressa demais.
Minhas mãos ainda estavam frias, mas agora não era só o pânico que me consumia, era o choque de tudo o que havia acabado de acontecer.
Javier Herrera. Ele me encontrou em minha tentativa de fuga, me acalmou, e depois, como se quisesse jogar sal em uma ferida, revelou ser o homem que eu tanto odiava.
Cada vez que revivia o momento em que ele pronunciou seu nome, sentia um nó apertar ainda mais em minha garganta.Quando chego na mansão, quase tropeçando nos próprios pés, encontro seu interior em silêncio. A mansão Mendonza, sempre tão opressiva, estava escura e quieta, com exceção das luzes do escritório de Juan Carlos, no segundo andar.
Respiro fundo e entro, sabendo que enfrentar meu padrasto era inevitável. Ele já deveria estar sabendo da minha tentativa de fuga, e o que quer que fosse, não seria leve.
Quando começo a subir as escadas, ouço passos atrás de mim. Me viro e vejo um dos seguranças de Juan Carlos, Hugo, me encarando com uma expressão dura. — O senhor Mendonza está esperando por você no escritório — diz com uma voz firme. Assinto sem dizer uma palavra. No fundo, sabia que ele faria questão de me deixar clara a "realidade" da minha posição, algo que ele fazia com prazer sempre que tentava resistir.Meu estômago estava um nó, e cada degrau parecia pesar mais que o anterior. Quando cheguei à porta, respirei fundo e bati duas vezes antes de entrar.
Juan Carlos estava atrás de sua mesa, as mãos cruzadas e o rosto rígido, como uma estátua de mármore. Seu olhar se fixou em mim no segundo em que cruzei a porta. — Feche a porta, Camille — diz sem sequer levantar a voz. Mas havia algo em seu tom que me fez estremecer. Fecho a porta e me aproximei, tentando manter a cabeça erguida, mas ele era como uma sombra que sempre pairava sobre mim, uma presença que eu nunca conseguia ignorar. Sua autoridade estava entranhada em cada fibra do meu ser, e ele sabia disso. — Quer me contar o que passou pela sua cabeça? — pergunta com a voz baixa, mas perigosa. Por um instante, considerei mentir, mas sabia que não adiantaria. Juan Carlos era astuto demais para se deixar enganar. Então, resolvi ser sincera, mas mantendo a postura firme. — Não posso me casar com Javier Herrera, Juan Carlos. Ele… ele é… Ele ergue uma das mãos, me silenciando. — Esse casamento não é algo que você possa escolher. — Ele se levanta, contornando a mesa e parando diante de mim. — Esse casamento é necessário. E antes que você comece a falar sobre "direitos" e "vontades", permita-me lembrá-la de uma coisa: sua mãe e sua irmã dependem de mim. Todos os dias. Essas palavras foram como um soco no estômago. Minha mãe e minha irmã. Juan Carlos sabia exatamente onde atacar para me fazer ceder. Ele não precisava ser explícito. O aviso era claro como um sino. — Eu sei que isso não é o que você deseja, mas o que você deseja não importa aqui — continuou ele, com uma expressão calma, como se falasse sobre algo trivial. — Este casamento é o alicerce da paz entre os Mendonza e os Herrera, uma paz que irá beneficiar ambas as famílias e que pode trazer estabilidade a todos. Então, você fará o que lhe é mandado, porque não há escolha. A não ser, claro, que prefira ver as consequências. Fico quieta, lutando contra as lágrimas que ameaçavam escapar. Eu sabia que não podia me dar ao luxo de parecer fraca. — Entendido? — A voz dele cortou o silêncio, como uma lâmina afiada. — Sim — respondo, com um fio de voz.A próxima coisa que senti foi os punhos dele contra meu rosto, incontavéis vezes e apesar de tentar me proteger, era inútil; Juan Carlos era maior que eu e consequentemente tinha o dobro da minha força e, além do mais, não era a primeira vez que ele me castigava pela minha rebeldida.
Quando suas mãos cansaram, foram substituídas pelo cinto de couro que, fez muito bem o que queria pelos próximos minutos, até se cansar.
Sento devagar, tirando o cabelo de frente ao rosto, tentando fazer uma lista mentalmente das áreas em meu corpo que doía, quando ele passa a mão pelo cabelo grisalo, o arrumando para trás.
Ele se aproxima , inclinando-se para falar baixo, num tom quase sussurrado, que tornou suas palavras ainda mais aterrorizantes. — E antes que pense em fugir novamente, saiba disso: Javier já sabe sobre sua pequena escapada. Aparentemente, ele mesmo te encontrou. E deixe-me dizer que ele não está muito… satisfeito. — Ele deu um sorriso frio. — Isso deve ser o suficiente para que você entenda que, a partir de agora, seus dias de liberdade são coisa do passado. Senti o chão desaparecer sob meus pés.Meu coração pulsava em meus ouvidos, e as palavras dele giravam na minha mente. Ele dá um passo para trás, voltando para trás de sua mesa com uma expressão satisfeita, como se tivesse acabado de garantir que eu estava devidamente contida.
— Vá descansar, Camille. Amanhã, você terá muito a fazer para se preparar. A cerimônia será em dois dias. Dois dias.Aquilo era um pesadelo sem fim, que só ficava pior. Sem outra escolha, me virei e saí do escritório, com as pernas trêmulas e o coração afundado. Caminhei em direção ao meu quarto, cada passo mais pesado do que o anterior, enquanto o peso da situação me esmagava.
Quando fechei a porta atrás de mim, deixei-me cair na cama, apertando os olhos para segurar as lágrimas.
Estava presa, completamente dominada por forças muito maiores do que eu poderia combater sozinha. E o homem que eu tinha mais motivos para odiar estava prestes a se tornar meu marido. No dia seguinte, uma equipe inteira de preparativos invadiu a mansão. Mulheres carregando tecidos, flores, caixas e mais caixas de coisas que eu mal entendia se esparramaram por todo o lugar. Uma delas, encarregada do meu vestido, entrou em meu quarto, me encarando com um olhar que misturava profissionalismo e piedade. Enquanto ela tirava as medidas e discutia detalhes do vestido, eu mal conseguia prestar atenção. Minha mente estava em um turbilhão, perdida entre pensamentos de fuga e o medo crescente de Alejandro. Eu mal o conhecia, mas as histórias sobre ele falavam de alguém frio e impiedoso, alguém que não hesitava em fazer o necessário para manter sua posição de poder. Mais tarde, fui chamada para uma reunião com Roberta. Ela estava me esperando na sala de estar, sentada no sofá com uma expressão cansada, mas aliviada ao me ver. — Camille… — Ela estende a mão para mim, e quando a segurei, senti o peso de sua preocupação. — Mãe, eu não quero fazer isso. — Minha voz estava embargada, mas tentei soar forte. Ela aperta minha mão com ternura, seus olhos tristes refletindo a realidade que ela já entendia. — Eu sei, querida. Eu sei. Mas… às vezes, fazemos coisas que não queremos, para proteger aqueles que amamos. Essas palavras eram uma condenação e uma promessa. Ela estava resignada, e aquilo só tornava tudo ainda mais doloroso. Senti uma raiva silenciosa e impotente se acumulando dentro de mim. Naquele instante, eu soube que estava completamente sozinha nessa batalha. À noite, quando fui formir, encontro um envelope em minha cama. O papel era caro, e o selo tinha o símbolo dos Herrera. Com um nó no estômago, abro o envelope e retiro o bilhete. "Boa noite, Camille.Espero que o que aconteceu ontem tenha deixado claro que há limites. Amanhã, nos encontraremos novamente para falar sobre o que espero de nossa união.Javier Herrera." Ler aquelas palavras foi como um soco.Ele sabia que tinha me assustado e estava tirando vantagem disso. E amanhã… amanhã eu teria que olhar nos olhos do homem que, em breve, tomaria o controle da minha vida.
Apago a luz e me encolho na cama, desejando, mais do que nunca, que houvesse alguma saída para essa prisão que Juan Carlos, Roberta e agora Alejandro estavam construindo ao meu redor.Mas, no fundo, sabia que não havia saída. Amanhã, teria que encarar Javier e ouvir tudo o que ele tinha a dizer.
Camille A manhã seguinte chegou com um peso esmagador.Mal havia dormido, e o bilhete de Javier ainda pulsava na minha mente como um aviso ameaçador.Cada passo que eu dava para descer as escadas parecia um movimento calculado rumo ao inevitável. As paredes da mansão me sufocavam, enquanto os sons abafados dos empregados circulando pela casa pareciam me lembrar do destino inescapável que me aguardava.Assim que desço, sou informada de que ele estava me esperando na biblioteca. Ele já tinha vindo até aqui, para me encontrar. A formalidade de se ter uma “conversa” antes do casamento era tão fria quanto o próprio Javier.Respiro fundo antes de abrir a porta, tentando controlar o nervosismo e ignorando o aperto no estômago. Ele já tinha visto minha fraqueza uma vez, mas não deixaria que visse novamente.Quando entro, Javier estava em pé, de costas para mim, observando os livros na estante. Ele usava um terno escuro que acentuava suas feições severas, o ar de alguém que sabia exatamente o
O calor escaldante do México parecia atravessar as paredes da igreja, se somando à pressão que latejava em minha cabeça.O véu caía sobre meu rosto, abafando a visão e o ar, e eu sentia o suor frio escorrendo pela nuca. Minha pele parecia presa em seda e renda, mas aquilo não era nem de longe uma armadura.Era o traje de uma prisioneira prestes a cumprir uma sentença.A Catedral de Guadalupe estava lotada. Cada canto era ocupado por figuras importantes, aliados de ambos os cartéis, além dos curiosos que sabiam da cerimônia e queriam ver a união dos Mendonzas e dos Herrera. Para eles, aquilo era um espetáculo. Uma aliança histórica. Um “conto de fadas” de poder e influência, onde as famílias mais temidas da região colocavam as armas de lado e se uniam sob o pretexto de paz. Mas, para mim, tudo continuava sendo uma sentença perpétua.Olho para o altar, onde Javier me esperava, o rosto oculto sob a mesma máscara impassível que ele vestia em todas as nossas interações.Ele parecia uma es
Javier A catedral estava repleta de rostos que e conhecia — aliados, rivais disfarçados, amigos de conveniência. Todos observavam com uma atenção calculada enquanto eu aguardava Camille no altar. O ambiente tinha aquele peso de cerimônias que uniam interesse e tradição. Mas desta vez, o noivo era eu. E a sensação de estar diante de algo irrevogável me surpreendia mais do que eu gostaria de admitir.Observo Juan Carlosao lado do altar, o olhar orgulhoso da obra que ele havia arquitetado. Esse casamento era seu troféu, o golpe mestre que silenciaria as ameaças que atormentaram nossas famílias por gerações.Camille e eu éramos peões importantes no tabuleiro dele, mas, para mim, isso nunca foi um problema — sempre estive disposto a fazer o que fosse necessário pelo meu próprio legado e pelo poder que ele me daria. Mas, naquele momento, o peso de tudo isso parecia diferente, como se algo profundo estivesse se rebelando contra o rumo das coisas.Quando as portas se abriram e ela começou a
A música suave preenchia o salão, mas para mim era apenas um ruído, abafado pelo peso do que eu acabara de fazer.Meus olhos vagavam pela multidão — rostos conhecidos e desconhecidos me lançando olhares curiosos, condescendentes, alguns até invejosos.Juan Carlos estava ao lado da minha mãe, conversando com um dos homens de confiança do cartel, e, a cada tanto, me lançava olhares que eu não conseguia ignorar. O brilho severo em seus olhos deixava claro que ele esperava nada menos que obediência. Eu deveria ser uma esposa exemplar, uma Mendonza que soubesse jogar esse jogo com sutileza e elegância.— Querida, você precisa se lembrar do que está em jogo aqui. — A voz de Roberta soou do meu lado, baixa e sem hesitação, enquanto ela me puxava de volta ao foco. Seu tom era gentil, mas o peso das palavras era esmagador. — Juanjá nos deu muito. É graças a ele que temos tudo isso, Camille. Tudo. Então, seja obediente, mostre que pode honrar nosso nome.Quis responder, dizer algo que a fizess
O vento cortante da madrugada me feria a pele enquanto eu atravessava os jardins da mansão Mendonza, o coração batendo tão rápido que eu sentia uma pressão sufocante no peito. Cada passo parecia um eco na escuridão, um lembrete de que estava sozinha naquela tentativa de fuga. A qualquer momento, algum dos seguranças poderia me ver e me deter. Mas a possibilidade de ser pega não era o suficiente para me fazer parar.Precisava sair dali antes que o sol nascesse e meu destino fosse selado para sempre.Tudo o que sabia era que tinha que fugir.Precisava escapar da vida que Diego havia decidido para mim. Tentava segurar as lágrimas enquanto corria em direção à garagem. A promessa de liberdade era como uma chama fraca dentro de mim, algo que eu sabia que poderia apagar a qualquer segundo.Alcanço o carro preto, o único que sabia estar ali destrancado. Minhas mãos tremiam enquanto tentava uma ligação direta. Havia lido algo sobre fazer uma “luxação direta” na ignição para ligar o carro sem c
Camille48 horas antesA mansão estava em silêncio.Um silêncio denso e carregado, daqueles que parecem anunciar uma tempestade.Me sentei rigidamente em uma das poltronas de couro do escritório do meu padrasto, Juan Carlos Mendonza, observando os detalhes ao meu redor com uma inquietação que não conseguia aplacar, talvez fosse o cansaço depois de um dia exaustivo de trabalho em uma lanchonete, aonde desejava apenas minha cama de solteiro em um único cômodo que conseguia pagar com o salário que ganhava. Cada móvel e cada peça de arte naquele ambiente carregavam um peso que só alguém como Juan Carlos poderia impor. Cada item parecia um símbolo de poder, de controle absoluto — algo que ele exercia não só sobre sua “família” de sangue, mas sobre todos os que dependiam dele. Incluindo minha mãe e a minha irmã.O relógio na parede indicava meia-noite, e ele ainda não havia chegado.O ar estava abafado, quase sufocante, e o único som que ouvia era o tique-taque incessante do relógio. Me se
JavierO restaurante estava lotado, mas nenhum ruído penetrava na sala privada em que eu estava.A iluminação era baixa, e o som de jazz suave preenchia o ambiente, um contraste com o peso do que estava prestes a acontecer ali.Do meu lado da mesa, mantive uma postura impassível, sem desviar o olhar de Juan Carlos, que estava sentado à minha frente. Ele se servia de vinho tinto com uma calma perturbadora, como se o encontro não fosse mais do que um jantar casual entre velhos amigos.Mas eu não era amigo dele. Nunca fui. Ele sabia disso e não se importava; a única coisa que importava para ele era o poder. E, agora, aparentemente, esse poder passava pelo casamento entre a enteada dele e eu. Espero até ele levantar a taça e dar o primeiro gole antes de finalmente quebrar o silêncio.— Então, Juan Carlos — começo, mantendo o tom frio e controlado. — Isso é uma confirmação?Ele deixa a taça pousada sobre a mesa e me lança um olhar que continha algo entre uma satisfação sádica e um toque d
Camille 24 horas antesEra meu horário de almoço, e tinha saído correndo da lanchonete para tentar fazer minha mãe entender que aquele casamento com alguém que não conhecia e como Javier Herrera era uma completa insanidade.Tentei mil vezes pedir outra conversa a sós com Juan Carlos, mas ele sempre me ignorava. Então, decidi apelar para ela, esperando que ela pudesse ao menos falar com ele. Ela era a única que talvez pudesse fazê-lo mudar de ideia.Assim que entro na loja de roupas, vi minha mãe, Roberta, folheando araras, com o rosto calmo, como se o mundo ao redor estivesse perfeito.Ela segurava um vestido azul e analisava as costuras, absorta, sem parecer notar minha presença. Esse contraste entre a tranquilidade dela e o caos que explodia dentro de mim me irritava de uma forma que não conseguia controlar.— Mãe, a gente precisa conversar. — Minha voz saiu mais dura do que eu pretendia, mas eu não conseguia mais fingir que estava bem com aquilo.Ela olha para mim, estreitand