CAPÍTULO 4

Javier

Ajeito o colarinho da camisa no espelho, tentando me convencer de que aquela era só mais uma questão de negócios. Na verdade, já estava acostumado com compromissos impessoais e decisões estratégicas. Mas algo naquele casamento me incomodava de um jeito que ainda não conseguia entender. Talvez fosse a ideia de que, dessa vez, alguém mais estava pagando um preço pelas minhas escolhas.

Ouço o som leve dos pés da minha irmã, Suzu, quando entra no quarto. Ela se senta na cama, cruzando as pernas, o rosto em uma expressão de leve desaprovação.

— Então é isso, Javier? — Sua  a voz soa baixa mas firme. — Você realmente vai fazer isso?

Termino de ajustar o relógio no pulso, mantendo o olhar no espelho e evitando o dela.

Sabia que, para Suzu, todo o conceito desse casamento parecia estranho, até errado. Ela sempre acreditou que havia algo mais em mim do que os negócios e o sangue. Talvez até tivesse razão. Mas aquele não era o momento para explorar essas possibilidades.

— Você sabe que eu não tenho muitas opções, Suzu. — Respondo com calma, mas sentindo o peso das palavras.

Ela suspira e balança a cabeça, o olhar fixo no chão.

— Não sei, … Parece que, dessa vez, você está indo longe demais. Casar-se com alguém que você mal conhece, só para unir dois cartéis inimigos? Indo contra completamente sobre o que mamãe pensa.

Me viro para ela, finalmente. Era difícil admitir para minha própria irmã que, de fato, estava me comprometendo com algo que eu mesmo não compreendia completamente. Camille era uma peça nesse jogo de poder, para a minha vingança. Para Juan Carlos poderia ser apenas a tão sonhada paz, a consolidação de duas “potências” e mais ganhos financeiros, mas para mim não.

— Isso não é sobre o que eu quero ou o que ela quer. — Suspiro, sentindo o peso da decisão cair sobre meus ombros. — É sobre o que precisamos fazer para manter o controle. A aliança com a família Mendonza pode significar uma estabilidade que nenhum dos lados conseguiu sozinho.

Ela ri, um som amargo, e me olha diretamente.

— E o que você ganha com isso, além de mais controle e poder? Você quer mesmo sacrificar a vida de outra pessoa — e a sua própria — por algo que talvez nem dure? Não é ela que você ama e nós dois... sabemos disso.

Permaneço em silêncio, mas suas palavras cravaram fundo. Suzu sempre foi mais intuitiva do que eu, enxergando além das aparências. Ela sabia que, lá no fundo, mesmo que eu escondesse, algo em mim também questionava essa decisão.

— Isso não importa agora, Suzu — respondo, mantendo o tom firme. — É o que precisa ser feito.

Ela se levanta, me observando como se estivesse tentando encontrar o irmão que ela conhecia por trás da máscara fria e calculista que eu mostrava para o mundo.

— Só espero que, quando tudo isso terminar, você ainda se reconheça, Javier. Porque, do jeito que está indo, tenho medo de que você perca completamente quem realmente é.

Com isso, ela sai do quarto, deixando uma sensação de vazio que eu não esperava. Suzu sempre foi minha âncora, a única pessoa que me conhecia além das aparências. E, dessa vez, sabia que ela estava decepcionada comigo.

Respiro fundo, pegando o casaco e saindo em direção ao encontro com Juan Carlos Mendonza. Eu tinha alguns papéis para assinar e, uma vez feito, nada mais poderia ser mudado.

Chego à mansão dos Mendonza alguns minutos depois. A fachada imponente, com suas colunas de mármore e luzes estratégicas, parecia um aviso para qualquer um que ousasse desafiar Juan Carlos. Entro, sendo escoltado por um dos seguranças até a sala de reuniões, mas, antes de entrar, um movimento pela janela capturou minha atenção.

Era Camille.

Ela estava na garagem, os passos rápidos e os olhos focados em algo além do que os olhos poderiam alcançar. A pressa nos movimentos dela denunciava que não estava apenas saindo para uma caminhada.

Algo em mim alertou: ela estava tentando escapar.

Observo enquanto ela corria em direção a um dos carros, a expressão de pânico estampada em seu rosto. Suas mãos tremiam, e era como se estivesse travando uma batalha contra o próprio corpo para manter o controle. Conhecia aquela expressão.

Já tinha visto o medo no rosto de muitas pessoas, mas algo nela era diferente. Ela parecia presa em uma armadilha da qual não conseguia escapar.

Poderia tê-la impedido ali, sair e colocá-la de volta sob o controle de Juan Carlos. Mas, por um instante, hesitei. Eu me vi preso em uma encruzilhada entre o que eu deveria fazer e o que realmente queria.

Ela continuava tentando ligar o carro, mas seus movimentos estavam cada vez mais erráticos, como se estivesse perdendo a força. Meu instinto me dizia que deveria interferir, colocar um fim naquela fuga inútil. Mas algo em mim se recusava a avançar.

Estava prestes a virar as costas, convencido de que a decisão era dela, quando algo me segurou. Era como se a visão daquela garota, sozinha e desesperada, desmoronasse a máscara que eu vestia. Parte de mim sabia que eu estava testemunhando um momento em que o destino dela, e o meu, estavam entrelaçados.

Fico parado, sem avançar, sem recuar. Porque, no fundo, sabia que, se tomasse aquela decisão, não afetaria só Camille, mas a minha própria vida.

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