Javier
Ajeito o colarinho da camisa no espelho, tentando me convencer de que aquela era só mais uma questão de negócios. Na verdade, já estava acostumado com compromissos impessoais e decisões estratégicas. Mas algo naquele casamento me incomodava de um jeito que ainda não conseguia entender. Talvez fosse a ideia de que, dessa vez, alguém mais estava pagando um preço pelas minhas escolhas.
Ouço o som leve dos pés da minha irmã, Suzu, quando entra no quarto. Ela se senta na cama, cruzando as pernas, o rosto em uma expressão de leve desaprovação. — Então é isso, Javier? — Sua a voz soa baixa mas firme. — Você realmente vai fazer isso? Termino de ajustar o relógio no pulso, mantendo o olhar no espelho e evitando o dela.Sabia que, para Suzu, todo o conceito desse casamento parecia estranho, até errado. Ela sempre acreditou que havia algo mais em mim do que os negócios e o sangue. Talvez até tivesse razão. Mas aquele não era o momento para explorar essas possibilidades.
— Você sabe que eu não tenho muitas opções, Suzu. — Respondo com calma, mas sentindo o peso das palavras. Ela suspira e balança a cabeça, o olhar fixo no chão. — Não sei, … Parece que, dessa vez, você está indo longe demais. Casar-se com alguém que você mal conhece, só para unir dois cartéis inimigos? Indo contra completamente sobre o que mamãe pensa. Me viro para ela, finalmente. Era difícil admitir para minha própria irmã que, de fato, estava me comprometendo com algo que eu mesmo não compreendia completamente. Camille era uma peça nesse jogo de poder, para a minha vingança. Para Juan Carlos poderia ser apenas a tão sonhada paz, a consolidação de duas “potências” e mais ganhos financeiros, mas para mim não. — Isso não é sobre o que eu quero ou o que ela quer. — Suspiro, sentindo o peso da decisão cair sobre meus ombros. — É sobre o que precisamos fazer para manter o controle. A aliança com a família Mendonza pode significar uma estabilidade que nenhum dos lados conseguiu sozinho. Ela ri, um som amargo, e me olha diretamente. — E o que você ganha com isso, além de mais controle e poder? Você quer mesmo sacrificar a vida de outra pessoa — e a sua própria — por algo que talvez nem dure? Não é ela que você ama e nós dois... sabemos disso. Permaneço em silêncio, mas suas palavras cravaram fundo. Suzu sempre foi mais intuitiva do que eu, enxergando além das aparências. Ela sabia que, lá no fundo, mesmo que eu escondesse, algo em mim também questionava essa decisão. — Isso não importa agora, Suzu — respondo, mantendo o tom firme. — É o que precisa ser feito. Ela se levanta, me observando como se estivesse tentando encontrar o irmão que ela conhecia por trás da máscara fria e calculista que eu mostrava para o mundo. — Só espero que, quando tudo isso terminar, você ainda se reconheça, Javier. Porque, do jeito que está indo, tenho medo de que você perca completamente quem realmente é. Com isso, ela sai do quarto, deixando uma sensação de vazio que eu não esperava. Suzu sempre foi minha âncora, a única pessoa que me conhecia além das aparências. E, dessa vez, sabia que ela estava decepcionada comigo. Respiro fundo, pegando o casaco e saindo em direção ao encontro com Juan Carlos Mendonza. Eu tinha alguns papéis para assinar e, uma vez feito, nada mais poderia ser mudado.Chego à mansão dos Mendonza alguns minutos depois. A fachada imponente, com suas colunas de mármore e luzes estratégicas, parecia um aviso para qualquer um que ousasse desafiar Juan Carlos. Entro, sendo escoltado por um dos seguranças até a sala de reuniões, mas, antes de entrar, um movimento pela janela capturou minha atenção.
Era Camille. Ela estava na garagem, os passos rápidos e os olhos focados em algo além do que os olhos poderiam alcançar. A pressa nos movimentos dela denunciava que não estava apenas saindo para uma caminhada.Algo em mim alertou: ela estava tentando escapar.
Observo enquanto ela corria em direção a um dos carros, a expressão de pânico estampada em seu rosto. Suas mãos tremiam, e era como se estivesse travando uma batalha contra o próprio corpo para manter o controle. Conhecia aquela expressão.Já tinha visto o medo no rosto de muitas pessoas, mas algo nela era diferente. Ela parecia presa em uma armadilha da qual não conseguia escapar.
Poderia tê-la impedido ali, sair e colocá-la de volta sob o controle de Juan Carlos. Mas, por um instante, hesitei. Eu me vi preso em uma encruzilhada entre o que eu deveria fazer e o que realmente queria. Ela continuava tentando ligar o carro, mas seus movimentos estavam cada vez mais erráticos, como se estivesse perdendo a força. Meu instinto me dizia que deveria interferir, colocar um fim naquela fuga inútil. Mas algo em mim se recusava a avançar. Estava prestes a virar as costas, convencido de que a decisão era dela, quando algo me segurou. Era como se a visão daquela garota, sozinha e desesperada, desmoronasse a máscara que eu vestia. Parte de mim sabia que eu estava testemunhando um momento em que o destino dela, e o meu, estavam entrelaçados. Fico parado, sem avançar, sem recuar. Porque, no fundo, sabia que, se tomasse aquela decisão, não afetaria só Camille, mas a minha própria vida.Camille A volta para o interior da mansão foi um borrão de sensações que eu mal podia distinguir. Os segundos pareciam se arrastar, e ao mesmo tempo, correr depressa demais.Minhas mãos ainda estavam frias, mas agora não era só o pânico que me consumia, era o choque de tudo o que havia acabado de acontecer.Javier Herrera. Ele me encontrou em minha tentativa de fuga, me acalmou, e depois, como se quisesse jogar sal em uma ferida, revelou ser o homem que eu tanto odiava.Cada vez que revivia o momento em que ele pronunciou seu nome, sentia um nó apertar ainda mais em minha garganta.Quando chego na mansão, quase tropeçando nos próprios pés, encontro seu interior em silêncio. A mansão Mendonza, sempre tão opressiva, estava escura e quieta, com exceção das luzes do escritório de Juan Carlos, no segundo andar.Respiro fundo e entro, sabendo que enfrentar meu padrasto era inevitável. Ele já deveria estar sabendo da minha tentativa de fuga, e o que quer que fosse, não seria leve.Quando c
Camille A manhã seguinte chegou com um peso esmagador.Mal havia dormido, e o bilhete de Javier ainda pulsava na minha mente como um aviso ameaçador.Cada passo que eu dava para descer as escadas parecia um movimento calculado rumo ao inevitável. As paredes da mansão me sufocavam, enquanto os sons abafados dos empregados circulando pela casa pareciam me lembrar do destino inescapável que me aguardava.Assim que desço, sou informada de que ele estava me esperando na biblioteca. Ele já tinha vindo até aqui, para me encontrar. A formalidade de se ter uma “conversa” antes do casamento era tão fria quanto o próprio Javier.Respiro fundo antes de abrir a porta, tentando controlar o nervosismo e ignorando o aperto no estômago. Ele já tinha visto minha fraqueza uma vez, mas não deixaria que visse novamente.Quando entro, Javier estava em pé, de costas para mim, observando os livros na estante. Ele usava um terno escuro que acentuava suas feições severas, o ar de alguém que sabia exatamente o
O calor escaldante do México parecia atravessar as paredes da igreja, se somando à pressão que latejava em minha cabeça.O véu caía sobre meu rosto, abafando a visão e o ar, e eu sentia o suor frio escorrendo pela nuca. Minha pele parecia presa em seda e renda, mas aquilo não era nem de longe uma armadura.Era o traje de uma prisioneira prestes a cumprir uma sentença.A Catedral de Guadalupe estava lotada. Cada canto era ocupado por figuras importantes, aliados de ambos os cartéis, além dos curiosos que sabiam da cerimônia e queriam ver a união dos Mendonzas e dos Herrera. Para eles, aquilo era um espetáculo. Uma aliança histórica. Um “conto de fadas” de poder e influência, onde as famílias mais temidas da região colocavam as armas de lado e se uniam sob o pretexto de paz. Mas, para mim, tudo continuava sendo uma sentença perpétua.Olho para o altar, onde Javier me esperava, o rosto oculto sob a mesma máscara impassível que ele vestia em todas as nossas interações.Ele parecia uma es
Javier A catedral estava repleta de rostos que e conhecia — aliados, rivais disfarçados, amigos de conveniência. Todos observavam com uma atenção calculada enquanto eu aguardava Camille no altar. O ambiente tinha aquele peso de cerimônias que uniam interesse e tradição. Mas desta vez, o noivo era eu. E a sensação de estar diante de algo irrevogável me surpreendia mais do que eu gostaria de admitir.Observo Juan Carlosao lado do altar, o olhar orgulhoso da obra que ele havia arquitetado. Esse casamento era seu troféu, o golpe mestre que silenciaria as ameaças que atormentaram nossas famílias por gerações.Camille e eu éramos peões importantes no tabuleiro dele, mas, para mim, isso nunca foi um problema — sempre estive disposto a fazer o que fosse necessário pelo meu próprio legado e pelo poder que ele me daria. Mas, naquele momento, o peso de tudo isso parecia diferente, como se algo profundo estivesse se rebelando contra o rumo das coisas.Quando as portas se abriram e ela começou a
A música suave preenchia o salão, mas para mim era apenas um ruído, abafado pelo peso do que eu acabara de fazer.Meus olhos vagavam pela multidão — rostos conhecidos e desconhecidos me lançando olhares curiosos, condescendentes, alguns até invejosos.Juan Carlos estava ao lado da minha mãe, conversando com um dos homens de confiança do cartel, e, a cada tanto, me lançava olhares que eu não conseguia ignorar. O brilho severo em seus olhos deixava claro que ele esperava nada menos que obediência. Eu deveria ser uma esposa exemplar, uma Mendonza que soubesse jogar esse jogo com sutileza e elegância.— Querida, você precisa se lembrar do que está em jogo aqui. — A voz de Roberta soou do meu lado, baixa e sem hesitação, enquanto ela me puxava de volta ao foco. Seu tom era gentil, mas o peso das palavras era esmagador. — Juanjá nos deu muito. É graças a ele que temos tudo isso, Camille. Tudo. Então, seja obediente, mostre que pode honrar nosso nome.Quis responder, dizer algo que a fizess
O vento cortante da madrugada me feria a pele enquanto eu atravessava os jardins da mansão Mendonza, o coração batendo tão rápido que eu sentia uma pressão sufocante no peito. Cada passo parecia um eco na escuridão, um lembrete de que estava sozinha naquela tentativa de fuga. A qualquer momento, algum dos seguranças poderia me ver e me deter. Mas a possibilidade de ser pega não era o suficiente para me fazer parar.Precisava sair dali antes que o sol nascesse e meu destino fosse selado para sempre.Tudo o que sabia era que tinha que fugir.Precisava escapar da vida que Diego havia decidido para mim. Tentava segurar as lágrimas enquanto corria em direção à garagem. A promessa de liberdade era como uma chama fraca dentro de mim, algo que eu sabia que poderia apagar a qualquer segundo.Alcanço o carro preto, o único que sabia estar ali destrancado. Minhas mãos tremiam enquanto tentava uma ligação direta. Havia lido algo sobre fazer uma “luxação direta” na ignição para ligar o carro sem c
Camille48 horas antesA mansão estava em silêncio.Um silêncio denso e carregado, daqueles que parecem anunciar uma tempestade.Me sentei rigidamente em uma das poltronas de couro do escritório do meu padrasto, Juan Carlos Mendonza, observando os detalhes ao meu redor com uma inquietação que não conseguia aplacar, talvez fosse o cansaço depois de um dia exaustivo de trabalho em uma lanchonete, aonde desejava apenas minha cama de solteiro em um único cômodo que conseguia pagar com o salário que ganhava. Cada móvel e cada peça de arte naquele ambiente carregavam um peso que só alguém como Juan Carlos poderia impor. Cada item parecia um símbolo de poder, de controle absoluto — algo que ele exercia não só sobre sua “família” de sangue, mas sobre todos os que dependiam dele. Incluindo minha mãe e a minha irmã.O relógio na parede indicava meia-noite, e ele ainda não havia chegado.O ar estava abafado, quase sufocante, e o único som que ouvia era o tique-taque incessante do relógio. Me se
JavierO restaurante estava lotado, mas nenhum ruído penetrava na sala privada em que eu estava.A iluminação era baixa, e o som de jazz suave preenchia o ambiente, um contraste com o peso do que estava prestes a acontecer ali.Do meu lado da mesa, mantive uma postura impassível, sem desviar o olhar de Juan Carlos, que estava sentado à minha frente. Ele se servia de vinho tinto com uma calma perturbadora, como se o encontro não fosse mais do que um jantar casual entre velhos amigos.Mas eu não era amigo dele. Nunca fui. Ele sabia disso e não se importava; a única coisa que importava para ele era o poder. E, agora, aparentemente, esse poder passava pelo casamento entre a enteada dele e eu. Espero até ele levantar a taça e dar o primeiro gole antes de finalmente quebrar o silêncio.— Então, Juan Carlos — começo, mantendo o tom frio e controlado. — Isso é uma confirmação?Ele deixa a taça pousada sobre a mesa e me lança um olhar que continha algo entre uma satisfação sádica e um toque d