CAPÍTULO 1

Camille

48 horas antes

A mansão estava em silêncio.

Um silêncio denso e carregado, daqueles que parecem anunciar uma tempestade.

Me sentei rigidamente em uma das poltronas de couro do escritório do meu padrasto, Juan Carlos Mendonza, observando os detalhes ao meu redor com uma inquietação que não conseguia aplacar, talvez fosse o cansaço depois de um dia exaustivo de trabalho em uma lanchonete, aonde desejava apenas minha cama de solteiro em um único cômodo que conseguia pagar com o salário que ganhava.

 Cada móvel e cada peça de arte naquele ambiente carregavam um peso que só alguém como Juan Carlos poderia impor. Cada item parecia um símbolo de poder, de controle absoluto — algo que ele exercia não só sobre sua “família” de sangue, mas sobre todos os que dependiam dele. Incluindo minha mãe e a minha irmã.

O relógio na parede indicava meia-noite, e ele ainda não havia chegado.

O ar estava abafado, quase sufocante, e o único som que ouvia era o tique-taque incessante do relógio. Me sentia como um prisioneiro, aguardando a sentença.

Finalmente, a porta se abriu com um ranger, e Juan Carlos entrou, os passos firmes e calculados, como os de um predador.

Ele usava um terno preto, impecavelmente alinhado, e ajustava as abotoaduras enquanto caminhava em minha direção. Seu rosto estava impassível, mas os olhos, frios e duros, já me diziam o que temia.

 Algo grande estava para acontecer. Algo que mudaria minha vida para sempre, e não por minha escolha.

Juan Carlos parou na minha frente e permaneceu em silêncio por alguns instantes, me observando com aquela expressão severa que me fazia lembrar de tudo o que ele havia feito para controlar minha família.

Ele sempre soubera o que significava para mim o fato de que minha mãe e irmã estavam sob sua proteção. Sabia o quanto eu as amava, e sabia exatamente como usar isso contra mim.

— Camille — ele começa, com a voz baixa e firme. — Chegou a hora de você fazer algo realmente importante para a nossa família.

A palavra "nossa" era amarga em seus lábios, porque ele sabia que, para mim, ele jamais seria “família” de verdade. Desde o momento em que se casou com minha mãe, ele a envolveu em uma teia de poder, lentamente a distanciando de qualquer resquício de liberdade.

Eu sabia o que ele era, sabia como usava a influência para dobrar as pessoas à sua vontade, mas mesmo assim, até hoje, ele sempre havia evitado me envolver diretamente em seus negócios. Pelo menos, era o que eu pensava.

— O que quer dizer com isso? — pergunto, tentando manter a voz firme, mas a verdade era que eu já temia a resposta. Sabia que algo estava errado, sabia que, naquela noite, algo muito maior do que um simples “pedido” estava sendo colocado em jogo.

Ele se aproximou e se sentou na cadeira de couro em frente à minha, cruzando as mãos sobre a mesa. Sua expressão era séria, quase impenetrável, mas algo em seu olhar deixava transparecer um toque de satisfação. Um gosto sombrio pelo que estava prestes a dizer.

— Você vai se casar, Camille.

As palavras saíram como uma lâmina, fria e precisa.

Fico sem reação por um momento, encarando-o, sem acreditar que ele tinha dito aquilo. Diego nunca se importara com a minha vida pessoal, desde que eu fizesse o papel de filha obediente e estivesse sempre disponível para acompanhar minha mãe em eventos.

Casamento? Aquilo era ridículo.

— Casar? Com quem? — Minha voz saiu ríspida, antes que eu pudesse controlar. A irritação e o medo se misturavam, formando um nó no meu estômago.

Ele sorri, um sorriso breve, cruel, antes de responder.

— Com Javier Herrer.

O nome se pendurou no ar como uma sentença de morte.

Alejandro Torres.

Conhecido como o herdeiro do cartel rival.

O homem que encarnava tudo o que eu detestava por causa de todas as atrocidades que já havia cometido. Sua família havia causado uma quantidade incalculável de dor à muitas pessoas, inclusive por causa deles e o poder que tinham na metade da cidade, quase nos tornamos uma das vítimas antes de Juan Carlos, e não havia como apagar o ódio que havia.

Minha mente tentou processar o que ele acabara de dizer, mas tudo parecia surreal.

Juan Carlos, no entanto, continuou como se aquilo fosse uma decisão trivial.

— O casamento com Javier é a única maneira de garantir uma aliança duradoura entre nossas famílias. A guerra entre os Mendonza e os Herrera não pode continuar. Se queremos estabilidade e paz, esse casamento é a resposta.

Rio, uma risada amarga e irônica.

Paz. Era essa a desculpa que ele usava para me vender como um peão de um jogo que ele sempre tentou controlar?

Juan Carlos ergueu uma sobrancelha, impassível diante do meu desprezo.

— E se eu disser que não? — questiono, com um veneno que eu não sabia que possuía. 

A resposta dele foi instantânea, sem um segundo de hesitação, e congelou meu sangue.

— Então, sua mãe e sua irmã pagarão o preço. 

Ele se recostou na cadeira, observando a mudança em meu rosto com um olhar calculista.

Eu conhecia aquele olhar. Ele sabia muito bem onde estavam as fraquezas das pessoas ao seu redor. Sabia exatamente o quanto eu amava minha família e que usaria esse amor contra mim, sem a menor hesitação.

— Camille, eu não tenho tempo para discussões sentimentais — ele continuou, a voz mais fria do que nunca. — Ou você se casa com Javier e garante a segurança de sua mãe e irmã, ou deixo que elas vivam sem a proteção do cartel Mendonza. E sabemos o que isso significa. Sua mãe, sua irmã… elas sofreriam as consequências.

Uma raiva insuportável cresceu dentro de mim.

Eu o odiava mais do que nunca, mas sabia que não tinha escolha. Juan Carlos me encarava, imperturbável, satisfeito com meu silêncio, como se já soubesse que eu estava derrotada.

Ele se levantou, andando até a janela e virando as costas para mim.

— Eu entendo que você não queria isso, Camille, mas deve pensar no bem maior. Esse casamento trará paz para todos nós. Inclusive para você. 

“Paz.”

A palavra me queimava.

Ele estava sacrificando a minha liberdade, minha dignidade, e chamava isso de paz.

Não era paz.

Era uma sentença, uma prisão que ele me impunha com a mesma indiferença com que negociaria um carregamento de armas ou uma rota de tráfico.

Fecho os olhos por um segundo, sentindo a raiva ser sobreposta pelo desespero.

Eu não tinha escolha.

Não se tratava mais de mim. Se eu ousasse recusar, sabia o que ele faria. Sabia o que ele era capaz de fazer.

Minha mãe e minha irmã estavam nas mãos dele, vulneráveis. Era isso ou vê-las sofrer as consequências de minha rebeldia. 

— Muito bem — murmuro, finalmente, a voz seca e rouca. — Eu farei o que você quer.

Ele se vira para mim, os olhos brilhando com uma satisfação fria.

Ele sabia que havia vencido.

Assentiu, como se tivesse selado um acordo lucrativo, e caminhou em direção à porta, sem dizer mais nada. Ele desapareceu no corredor, me deixando sozinha na pouca luz no escritório.

As lágrimas ardiam em meus olhos, mas eu me recusei a deixá-las cair. A raiva e a dor ainda estavam ali, mas sabiam que não podiam se expressar. Diego não me quebrou, não completamente. Eu podia ter perdido minha liberdade, mas não perderia minha dignidade.

Ali, naquele escritório sombrio, senti o peso do futuro que ele havia traçado para mim.

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