Uma aposta entre garçons
A noite chega e a cidade aos poucos vai apresentando outros matizes, as lojas de rua e escritórios já fecharam, os estudantes já foram para suas casas e os universitários já passaram tão rápido pelas ruas que mal viram o caminho.
- Ufa! Do carro do Mir eu já me livrei. Ainda bem que o Tio Walter tem esse estacionamento aqui no América, se tivesse que ir pra um bairro mais longe ia ser um saco.
Olhando para o relógio ela vê que já são quase sete horas.
- Hora de me arrumar um pouco e ir pro restaurante e torcer que tenha uma mesa livre.
Assim ela volta para o hotel e se arruma. Ela veste uma saia lápis preta e uma blusa de alcinha de seda cinza, os cabelos cacheados naturalmente estão soltos e caem sobre os ombros, um sapato de salto, uma maquiagem leve, um anel largo no dedo anelar esquerdo e uma pulseira de prata, afinal em seu pescoço mora um relicário.
Num hotel próximo, Edgard revisa os documentos e os laudos relativos a área que eles pretendem adquirir para a construção do Edifício Escala, quando ele olha pela janela já anoiteceu. Ele conseguiu um convite para um restaurante italiano na Rua Visconde de Taunay, e como ele não conseguiu almoçar direito está com muita fome, desligando o notebook ele toma um banho e coloca uma roupa casual e segue a pé mesmo, são apenas dez minutos de caminhada, nem compensa pegar o carro.
Assim que Kátia chega no restaurante, ela descobre que um de seus colegas de escola está trabalhando como garçom.
- Samuel?
- Kátia?
- Quanto tempo, não imaginei que estivesse trabalhando aqui. Aliás achei que tinha ido morar no Mato Grosso com teus avós.
- Fui sim, voltei a um ano atrás. Me disseram que você se casou.
- Casei e me divorciei, vim esquecer aquele infeliz com uma boa refeição, será que eu consigo?
- Estamos lotados, mas se quiser muito, te coloco na lista de espera e assim que tiver uma mesa livre te coloco nela, como chegou cedo é mais fácil pra mim conseguir isso, me passa teu contato, assim que tiver resposta te aviso.
- Certo. Vou esperar então.
Kátia então se sentou num sofá e ficou mexendo no celular. Tinham mais de trinta chamadas perdidas dos seus pais e irmãos, mas ela não queria atender, não queria falar com nenhum deles hoje. Essa noite ela tinha um encontro muito importante com um bom prato de comida e nada iria atrapalhar os dois.
Edgard entrou no restaurante e logo percebeu a bela mulher sentada sorrindo enquanto lia alguma coisa na tela do celular, ele tinha ficado admirado com a quantidade de mulheres bonitas nessa cidade, mas aquela sentada no sofá tinha um sorriso tão doce num rosto que parecia até de uma Miss saída de um concurso de beleza.
Assim que ele entrou foi até uma mesa para duas pessoas e sentou. Pouco depois recebeu o cardápio especial do evento e pediu.
Não muito longe, dois garçons conversavam baixinho.
- Rafa, tá vendo aquela mulher ali no sofá?
- É linda, que tem ela?
- Então, eu quero folgar no fim de semana, mas trabalho no domingo.
- Samuca, nem pensar, sabe que domingo eu não trabalho de jeito nenhum. Domingo vou pro sítio.
- Cara eu tenho um churrasco no domingo. Quebra essa vai.
- E o que tem a mulher com o churrasco?
- Se eu fizer ela se sentar e jantar com o cara da mesa nove em menos de quinze minutos tu trabalha no meu lugar, se eu não conseguir te pago uma caixa de cerveja pra tu levar pro sítio.
- Tu convencer uma mulher bonita daquela? Ela não é...
- Cara, não me ofende. Olha aquela carinha de moça direita. Vai lá conversar com ela pra ti ver, ela só me pediu pra tentar achar uma mesa pra ela jantar sozinha.
- Eu vou lá então.
O garçom caminhou até Kátia e no mesmo instante ela recebeu uma mensagem no celular.
Samuel: Kátia, meu colega vai confirmar que tu está esperando uma mesa, não diz que me conhece.
- Olá, boa noite. Eu gostaria de confirmar se a senhora tem reserva.
- Ah, infelizmente não, eu estou de passagem pela cidade e soube do evento hoje e arrisquei vir até aqui, aquele garçom lá no fundo me avisou que ia colocar meu nome na lista de espera e me avisar caso tenha uma desistência.
- A Sra. está sozinha?
- Sim. Mas se não for possível, não tem problema eu volto no ano que vem. Eu estou saindo da cidade amanhã cedo, preciso voltar para a empresa.
- A Sra. pode aguardar mais um pouco, vou verificar se teve alguma desistência, ok?
Kátia então voltou a olhar o celular e não percebeu que o garçom chamado Rafael fez um sinal de positivo para trás, sinalizando para Samuel que assentiu com a cabeça e virou de costas para sorrir.
Passados quinze minutos Samuel serviu a mesa onde Edgard estava.
- Boa noite Sr. desculpe o incomodo, mas o Sr. poderia fazer uma gentileza para uma cliente da casa?
Edgard olha a atitude do garçom e estranha.
- Depende, o que seria?
- O Sr. está vendo aquela Sra. sentada no sofá?
- Sim, o que tem ela?
- Ela se confundiu com a data da reserva e acreditando que era hoje veio ao restaurante, mas na verdade marcou para amanhã. O problema é que amanhã ela não estará na cidade, porque tem que viajar, por isso ela pediu para que eu tentasse arrumar uma mesa para ela, mas estamos lotados. Como vi o senhor sozinho, gostaria de saber se o senhor aceitaria dividir a mesa com ela.
Edgard olha para a mulher, ele sabe que pode ser arriscado, mas não é mais um adolescente e na realidade jantar sozinho é muito chato.
- Você já conversou com ela?
- Ainda não senhor. Não poderia antes de saber sua opinião.
- Então tudo bem, pode conversar com ela.
Samuel sai segurando um sorriso e se aproxima de Kátia.
- Kátia, achei uma mesa, mas tem um cliente que está jantando sozinho.
- Ah... então deixa pra lá. Não quero atrapalhar o jantar de ninguém.
- Kátia, não vou conseguir outra mesa, realmente o restaurante tá lotado hoje. Tua chance é essa. Fica tranquila, vou ficar de olho, qualquer coisa me faz um sinal igual nos tempos do colégio e eu te tiro de lá, ok?
Nessa hora o estômago de Kátia se manifestou a favor da proposta de Samuel.
- Ok, só vê se não me mete em encrenca outra vez...
- Tu é minha amiga, quando eu te meti em encrenca nos últimos dez anos?
Kátia balança a cabeça e sorri. Quando estudavam juntos ele sempre inventava as confusões e envolvia ela que ficava sendo a advogada dele junto a diretora e a orientadora na hora da bronca...
Edgard estranha um pouco a declaração de Kátia e ela se apressa em explicar. - A quatro anos e meio atrás eu casei e saí da cidade, fui morar primeiro em Itapoá, que é aqui perto e depois fui pra Balneário Camboriú, lá fiz minha faculdade e acabei de formar, coincidentemente, um mês depois da formatura Marco e eu brigamos e nos divorciamos quinze dias atrás. Esse jantar é a melhor coisa que me acontece em três meses. As dúvidas de Edgard quanto a índole de Kátia nessa hora já tinham desaparecido e por mais que a mentira inicial de Samuel fosse clara, a companhia era interessante afinal, ele tinha encontrado uma pessoa que estava disposta a falar sobre a realidade da cidade sem nenhum outro interesse envolvido, no atual momento dele, isso pode valer milhões. &nb
Edgard estranha um pouco a declaração de Kátia e ela se apressa em explicar. - A quatro anos e meio atrás eu casei e saí da cidade, fui morar primeiro em Itapoá, que é aqui perto e depois fui pra Balneário Camboriú, lá fiz minha faculdade e acabei de formar, coincidentemente, um mês depois da formatura Marco e eu brigamos e nos divorciamos quinze dias atrás. Esse jantar é a melhor coisa que me acontece em três meses. As dúvidas de Edgard quanto a índole de Kátia nessa hora já tinham desaparecido e por mais que a mentira inicial de Samuel fosse clara, a companhia era interessante afinal, ele tinha encontrado uma pessoa que estava disposta a falar sobre a realidade da cidade sem nenhum outro interesse envolvido, no atual momento dele, isso pode valer milhões. A partir daí a conversa entre os dois flui naturalmente e acabada a refeição eles saem juntos do restaurante e vão até o Shopping Mueller que é o mais próximo, lá eles sentam numa mesa da praça de alimenta
Edgard chegou no hotel e olhou para a mesa com o notebook e o caderno que ele usava para anotações ainda aberto, ele nem reparou nisso quando saiu para o restaurante mais cedo, acreditando que voltaria logo acabou por ser imprudente. Mas nada aconteceu e ele ainda jantou em boa e bela companhia. Ele que inicialmente pensava em trabalhar mais um pouco depois do jantar, apenas abriu o aplicativo de mensagens e entrando no grupo “família Toniolo” se limitou a informar. Ed: Encerrada a visita a Joinville, sigo amanhã para Camboriú. A área de nosso interesse é inicialmente boa, mas acredito que seja incompatível com o projeto do Escala, conversando com moradores, descobri que existem vários pontos de alagamento e enchente recorrentes por toda cidade, o que demanda uma maior cautela n
Já eram oito e meia quando Edgard chegou ao saguão do hotel e encerrou sua estadia, sem pressa levou as duas malas e sua mochila/escritório para o carro, ele acordou mais tarde do que queria o que atrapalhou e muito os seus planos. Na noite anterior ele tinha enviado algumas mensagens para o Pai e o Tio através do grupo da família, tudo transcorria bem e ele dormiu assim que deitou na cama, porém, a uma e meia da manhã foi acordado pelo toque do telefone, assustado acreditando que fosse algo urgente ele atendeu e foi metralhado por Dona Isabel Lia Toniolo: - Alô? - Filho, como assim você só volta em dez dias? Achei que estaria de volta no máximo no domingo, sabe a Déa me contou que vocês quase não tem conversado, filho isso tá errado, você não pode ignorar tua noiva assim. Na verdade eu acho que já passou da hora de vocês casarem, vocês já estão velhos pra ficar brincando de casinha. - Mãe, já passa da uma da manhã, eu tenho que viajar logo cedo, vou
Vendo que Kátia estava tomando café com outro homem, o estranho sentou numa mesa ao lado e ficou ouvindo a conversa dos dois. Edgard e Kátia perceberam, mas continuaram a conversar normalmente. - Mas, me diz tá viajando pra onde mesmo? - Camboriú. - Balneário? - Não, Camboriú mesmo, fica ao lado. - Vai pra casa então. - Mais ou menos, vou ficar na pousada de um amigo. Ele já preparou um quarto pra mim. - Bom. - Eu ia direto pra Camboriú, mas não posso recusar a gentileza dele e da esposa, até porque eles estão meio brigados e eu acredito que posso acalmar os ânimos dos dois, por isso vou fazer uma parada em Balneário antes de seguir para Camboriú. Durante alguns minutos eles ficam em silencio enquanto comem, o homem estranho continua prestando atenção aos dois até que se levanta e vem em direção a Kátia que está terminando seu café. - Moça, nosso ônibus já está de saída, é melhor embarcarmos. Edg
A declaração de Edgard deixou Kátia preocupada, ele não conhecia a cidade, não tinha reserva em hotel. Nem mesmo uma indicação?- Certo pra onde te levo então?- Meu plano original era ter chegado aqui duas horas antes e rodar um pouco pela orla de Balneário Camboriú e encontrar um hotel ou pousada que me agrade para ficar uns dias. Mas sai tarde do hotel em Joinville o que bagunçou meu cronograma.- Entendi, mas no seu plano original incluía um guia local?Edgard sorriu, Kátia pela primeira vez via um sorriso tão grande e franco daquele homem.- Claro que não, mas é uma ótima alteração além de me poupar muito tempo.- Certo, vamos pra um restaurante ótimo aqui perto, ele não fica na orla mas tem a melhor almoço com frutos do mar da cidade.- Ok. Você dirige.K&aa
- Certo, parece que meu destino aqui está nas tuas mãos, pelo menos por enquanto.- Não se preocupe, não sou nenhuma psicopata.- Não disse isso, mas que estou perdido nessa cidade e você parece conhecer mais Balneário Camboriú e Camboriú do que Joinville.- Ah... mais ou menos isso, em Joinville, meus amigos e conhecidos são a sua maioria ligados a minha família e por isso tudo o que eu faço cai no ouvido dos meus pais e irmãos. Aqui eu sou apenas eu, e minha família são os Exilados, por isso posso ser eu mesma o tempo todo.Mesmo curioso para saber a respeito dos amigos de Kátia, Edgard muda de assunto:- Fiquei surpreso com esse lugar, chega a ser mais bonito que o próprio restaurante.- É a horta da Tia Marta. Mas a muitos anos foi convertida nesse cantinho secreto.Edgard olha mais uma vez ao redor, nos can
Kátia olha para baixo e começa a sorrir, visivelmente buscando suas lembranças. - O Exilados no Paraíso, é um grupo de aplicativo de mensagens, formado por eu e meus amigos, todos nós adotamos Balneário e Camboriú como nossas cidades, aqui é o nosso paraíso, mas somos auto exilados, já que nenhum de nós nasceu ou tem parentes aqui. Nos conhecemos direta ou indiretamente por causa da faculdade e temos personalidades bem diferentes um do outro, mas nos amamos e mimamos como irmãos, ás vezes saem algumas rusgas, como em qualquer família, mas de modo geral sempre estamos juntos, seja na hora do problema ou da festa. O