Me sinto uma estrangeira

     Edgard estranha um pouco a declaração de Kátia e ela se apressa em explicar.

     - A quatro anos e meio atrás eu casei e saí da cidade, fui morar primeiro em Itapoá, que é aqui perto e depois fui pra Balneário Camboriú, lá fiz minha faculdade e acabei de formar, coincidentemente, um mês depois da formatura Marco e eu brigamos e nos divorciamos quinze dias atrás. Esse jantar é a melhor coisa que me acontece em três meses.

     As dúvidas de Edgard quanto a índole de Kátia nessa hora já tinham desaparecido e por mais que a mentira inicial de Samuel fosse clara, a companhia era interessante afinal, ele tinha encontrado uma pessoa que estava disposta a falar sobre a realidade da cidade sem nenhum outro interesse envolvido, no atual momento dele, isso pode valer milhões.

     A partir daí a conversa entre os dois flui naturalmente e acabada a refeição eles saem juntos do restaurante e vão até o Shopping Mueller que é o mais próximo, lá eles sentam numa mesa da praça de alimentação e continuam conversando.

     - Edgard, você disse que tem alguns rascunhos do projeto, posso ver algum deles, fiquei curiosa.

     - Pera aí, deixa eu ver se tenho salvo aqui no celular... aqui, achei.

     Kátia então pega o telefone das mãos de Edgard e sem perceber toca ele, ela observa com cuidado a animação que representa o Edificio Escala, desde a portaria, passando por dois tipos de apartamentos e finalizando na cobertura.

     Enquanto via as imagens o coração de Kátia batia forte, nos últimos dias ela se sentia perdida sem objetivo nenhum, tudo o que ela tinha foi roubado pelo ex-marido e pela amante dele, sua família ao invés de apoiá-la insistia em lembrar que foram contra esse casamento desde o inicio e o montante do prejuízo, não só financeiro, mas também valiosos quatro anos da vida dela, mas nada se compara a dor de ouvir que era estéril.

     Agora com a ajuda de um completo estranho ela tinha algo pelo que lutar, a cobertura do Edificio Escala, pouco importa se ele fosse construído em Jaraguá do Sul, Blumenau, Camboriú ou Joinville. Ela iria morar naquela cobertura, naquele prédio, ali morava a felicidade dela e Kátia iria em busca da sua felicidade sem esperar nada de ninguém, nunca mais sua vida estaria nas mãos de outra pessoa.

     Pensando assim, ela pede o contato de Edgard, afinal ele é o responsável por escolher onde o projeto será executado e através dele ela vai conseguir acompanhar as etapas da obra e realizar o impossível, comprar aquele imóvel, ela precisava de informações e ele as tinha.

     - Kátia, a tempos não vejo ninguém tão empolgado com uma apresentação como você agora.

     - É lindo, tudo o que me mostrou é lindo.

     - Obrigado, oitenta por cento do projeto é meu.

     - Sério? Isso é incrível. Eu não teria talento pra pensar numa coisa tão grande assim.

     - Você comentou que se formou a pouco tempo, que curso fez?

     - Administração, eu e meu ex tínhamos uma imobiliária como comentei antes, ele é corretor e eu cuidava da parte administrativa.

     - Então, o que pretende fazer agora com a tua parte da empresa?

     Kátia franziu os lábios e seu semblante ficou nebuloso.

     - Nada, a empresa ficou toda pra ele. Se importa se não falarmos mais desse assunto?

     - Bom, sobre o que vamos conversar então?

     - São Paulo, sempre quis conhecer essa cidade, tenho conhecidos da faculdade que dizem que o maior problema de São Paulo é ser longe do mar, que com o resto é questão de se acostumar, desde que não tenha fobia de gente, porque tem gente aos montes na cidade toda.

     Edgard riu da definição da sua cidade natal, não estava errada, mas era diferente de todas as outras que já tinha ouvido.

     - Sabe, vou te confessar uma coisa, apesar de ser paulistano, eu não conheço direito a minha cidade natal, a maioria dos bairros eu só ouvi falar, conheço melhor Itu que São Paulo. Minha família tem uma fazenda em Itu e sempre que eu posso vou pra lá.

     - Mas você não mora em São Paulo?

     - Moro, mas passei a maioria do tempo estudando e trabalhando, é verdade, assisti algumas peças e musicais, também visitei museus e parques, mas em São Paulo tudo é gigante, ainda que você conheça um ponto turístico ou cultural diferente todos os dias mesmo em um ano não vai ter conhecido tudo.

     - Bem nesse caso, o dia que eu conseguir viajar pra tua cidade é melhor eu ir com um roteiro bem definido.

     - Quanto tempo pretende ficar em São Paulo como turista?

     - Uns dois ou três dias.

     - Bem, já tem meu contato. Conversa comigo antes de ir, alguns lugares não são seguros pra uma mulher desacompanhada ir, se eu estiver na cidade te levo.

     - Não precisa, não quero atrapalhar teu trabalho.

     - Meu horário é bastante flexível, e nossa conversa no restaurante pode ter me economizado milhões, garantir tua segurança em São Paulo é o mínimo que eu posso fazer.

     Kátia olha ao redor e percebe que o movimento começa a diminuir, olha no relógio e sem perceber segura o camafeu que traz pendurado em uma corrente de ouro no pescoço.

     Edgard percebe que as horas passaram muito rápido e que o Shopping está prestes a fechar.

     - Bem, hora de ir. Preciso voltar pro hotel agora, amanhã de manhã pego a estrada, tenho que visitar outra cidade e verificar as condições do terreno e se é adequado ao projeto.

     - Nossa, eu também tenho que ir, viajo amanhã e ainda tenho que entrar em contato com a minha amiga pra avisar ela que estou voltando.

     Assim eles caminham até a saída e no final da escadaria se despedem com um aperto de mão, apesar de terem trocado telefones, ambos sabem que nunca mais vão se encontrar.

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