Chiei para ela, tentando alcançar as barras. Mas meu outro pé deslizou, se desprendendo da grade, e fiquei pendurada apenas pelas mãos. Helena balbuciou, e o peso de meu corpo foi demais para meus dedos já doloridos, que também se desprenderam. Por uma fração de segundos, o vento balançou meus cabelos, e no próximo segundo, um estalo surdo acertou minhas costas, e senti meus pulmões se deslocarem._Inferno... _gaguejei lutando para puxar o ar novamente, e quando abri os olhos, o rosto de Helena estava a centímetros do meu, me observando com curiosidade, sua cabeça contornada pelo brilho da lua atrás dela._Você é uma vergonha para a natureza, sabia?_Esqueci de mencionar que nunca precisei fugir de casa depois do toque de recolher..._usei todo o sarcasmo que pude _Ainda mais morrendo de sono! Ela levantou uma sobrancelha bem desenhada._Está me atrasando, sabia? _ela lembrou, me oferecendo a mão. Com um protesto baixo, aceitei, e ela me ajudou a levantar.Olhei o Neon estacionado sob
_Dã... e acordar todo mundo? Você não pensa mesmo, não é?Segundos depois, ambas estávamos correndo rua abaixo, escapando da mira da casa velha. Mesmo naquela hora, as ruas monótonas e cercadas de árvores velhas estavam tomadas por carros de todos os tipos com som alto ligado e pessoas de todos os tipos transitando por entre as calçadas ou escondidas fazendo coisas ilícitas nos becos quando cheguemos à cidade._Onde, exatamente, estamos indo? _perguntei depois de quinze minutos de caminhada._Você vai ver... _ela simplesmente disse, encerrando o assunto.Minha curiosidade aumentou quando ela me puxou para as portas abertas de um prédio abandonado de manutenção de máquinas, mas quando eu ia abrir a boca para falar qualquer coisa, tipo, o que aquele absurdo todo significava, ela pôs o dedo indicador à frente a boca, pedindo silêncio.O ar de coisas velhas, metal, ferrugem e graxa inundou minhas narinas quando entremos, e franzi a testa, mas Helena me puxou novamente para um canto em esp
Estava chamando por alguém. Ela sempre chamava. Porém, nunca tinha tempo suficiente para descobrir quem era. Começava com um Sol brilhante se partindo em duas partes, circulando em esferas em chamas que eram engolidas por uma bruma escura e sem cores. Depois, lá estava ela, perdida em algum lugar do tempo que suas memórias não lhe permitiam lembrar. Sempre descalça. Sempre vendada. Sempre procurando. A única Lua no céu escuro e carregado de nuvens tempestuosas iluminava seu rosto branco como marfim, como se a luz fluísse de dentro dela como uma supernova aflorando no centro do universo. Era sempre confuso, sempre angustiante. Os pés, se arrastavam enterrados em meio a terra úmida, tentando abrir caminho por entre espinhos que não estavam lá antes. Aquela sensação. Dor. Era disso que sempre conseguia se lembrar. A névoa branca que se desprendia dos túmulos ao seu redor circulavam seu corpo magro, como se quisesse levá-la para longe, pequenos fantasmas tentando arrastá-la
"É urgente destruir certas palavras,ódio, solidão e crueldade,Alguns lamentos,Muitasespadas"(Eugênio de Andrade)Evangeline observou o brilho da lâmina pela vigésima vez. Era reluzente, e brilhava a baixo do sol escaldante de janeiro.Observou mais uma vez o formato alongado com o punho pequeno que facilmente se adaptava na palma de sua mão, como se adaga tivesse sido feita especialmente para ela. Arqueou as sobrancelhas ruivas. Era muito bela, e tinha de haver um jeito de fazê-la se afundar no tronco da árvore. O tronco já riscado e cheio de arranhões a dois metros dela. O escolhido do dia para lhe auxiliar com
Acasa da fazenda Travis era grande, de madeira, cheia de cômodos e quartos, e pelo que Evangeline sabia, uma vez sua mãe já tencionara transformá-la em uma hospedaria. Mas depois de perceber o quanto aquilo os deixaria próximos aos humanos e as probabilidades de atrair demasiada e desnecessária atenção para si próprios, a ideia fora posta de lado. Eram uma família com tradições, momentos, e certas atitudes diferentes. A última coisa que precisavam, era serem reprovados no mundo terreno também, o que fazia a família sempre procurar discrição.Mas Evangelinesabiaque em algum tempo remoto, a casa já havia sido uma espécie de estalagem, e que a única dona morrera em uma briga entre dois grupos de n
Novamente, ela chamava, seus braços procurando algo a frente do corpo, como se quisessem alcançar algo que estava além de sua compreensão. A sensação estagnada da terra molhada se grudando em seus pés, entrando pelas aberturas entre os dedos e enlameando a barra do vestido vermelho. Vermelho como fogo. Vermelho como sangue gotejando de um ferimento recente. Escuro, pesado e molhado. E o som das sílabas desaparecia, levando sua voz junto com o vento que chicoteava seus cabelos.E aquela voz. Sumindo em meio ao nada.Escuro.Doloroso.Tempestuoso.Desacalentador.
OCemitério da cidade de Saint Louis era grande, e uma grama verde e cintilante cobria o chão em espaços intercalados de terreno em meio aos túmulos. As grandes esculturas em pedra de anjos guerreiros em combate estavam distribuídas pela relva macia, criando um cenário épico carregado de histórias não contadas sobre heróis e vilões que não eram lembrados, esquecidos no tempo e nas memórias perdidas pela morte que predominava o ambiente funesto. As nuvens carregadas à cima se confundiam em tons de vermelho e cinza, anunciando em vozes de trovão a grande tempestade que se aproximava vinda do leste. O vento impetuoso soprava por entre as lápides, as quais Evangeline aprendera a se acostumar. Os formatos, a textura, o significado. Tudo era familiar para ela. Até o peso angustiante e sombrio
Antes que Evangeline tivesse tempo de ter algum pensamento lógico, ou de puxar o ar para dentro dos pulmões novamente, ela foi arremessada para o lado, surpreendida pela força e a rapidez da Falange, que se levantara e arrebatara a espada do chão mais rápido do que um piscar de olhos.― Corra! ― A Falange gritou, mergulhando a frente como um gato.Evangeline caiu novamente sobre as pernas, ainda surpresa pela rapidez com a qual fora interceptada. O único que ainda conseguia surpreendê-la desse jeito, era o próprio Robert, que costumava ter os reflexos duas vezes melhores que os dela. Quando parou de rolar, e conseguiu endireitar a espinha novamente, afastando os cabelos dos olhos, tentou focalizar a visão sobre a batalha, onde uma enorme sombra