Estava chamando por alguém.
Ela sempre chamava.
Porém, nunca tinha tempo suficiente para descobrir quem era.
Começava com um Sol brilhante se partindo em duas partes, circulando em esferas em chamas que eram engolidas por uma bruma escura e sem cores. Depois, lá estava ela, perdida em algum lugar do tempo que suas memórias não lhe permitiam lembrar. Sempre descalça. Sempre vendada. Sempre procurando.
A única Lua no céu escuro e carregado de nuvens tempestuosas iluminava seu rosto branco como marfim, como se a luz fluísse de dentro dela como uma supernova aflorando no centro do universo. Era sempre confuso, sempre angustiante. Os pés, se arrastavam enterrados em meio a terra úmida, tentando abrir caminho por entre espinhos que não estavam lá antes. Aquela sensação. Dor. Era disso que sempre conseguia se lembrar. A névoa branca que se desprendia dos túmulos ao seu redor circulavam seu corpo magro, como se quisesse levá-la para longe, pequenos fantasmas tentando arrastá-la para o Mundo dos Mortos, aquele que não era pronunciado. E a venda caía. Ela podia ver. E era sempre a mesma coisa. As imagens se distorciam, como se ela não conseguisse se lembrar de imediato o que cada uma representava. Melancolia. Frustração. Desespero. Conhecia bem o significado de cada sensação. Elas sempre a perseguiam.
E então, aquela voz.
Vinda de longe, tão distante, que era quase impossível de ser ouvida.
E ela gritava, mas não conseguia entender o fonema das palavras contidas em seu grito. Sua voz parecia se diluir junto com a bruma escura que evaporava junto com todos os seus pensamentos. E a única imagem legível, era a lápide majestosa em forma triangular que se erguia a sua frente. A pedra era velha, assim como seus escritos. Mas estes não se embrulhavam quando olhados, o que fazia seu coração disparar de maneira uniforme. Letras entalhadas com um nome.
O seu nome. O seu túmulo.
Seus braços se erguiam desesperados, na tentativa vã de alcançar algo que parecia estar além de toda a sua compreensão, e o chão sumia a baixo de seus pés, o abismo silencioso que a afugentava há tanto tempo a engolindo e a puxando novamente para sua escuridão.
Caindo.
De novo.
❄❄❄
Evangeline acordou assustada, transpirando, com a respiração presa dentro dos pulmões, seu tronco se erguendo da cama tão rápido quanto a pressão em seu peito cedeu. Com a garganta seca, verificou a distribuição simples do quarto escuro tomando forma a sua volta, como se emergissem de um lago claro e que transbordava calma. Suspirou, engolindo em seco e massageando as têmporas com os dedos que ainda tremiam. Não era real. Fora apenas um sonho.
Sim. Sonhara. De novo. O mesmo sonho que a vinha aterrorizando noite após noite.
Deixou que seu corpo sorumbático caísse na cama novamente, se jogando entre os travesseiros.
Aquilo precisava parar. Mas como?
"É urgente destruir certas palavras,ódio, solidão e crueldade,Alguns lamentos,Muitasespadas"(Eugênio de Andrade)Evangeline observou o brilho da lâmina pela vigésima vez. Era reluzente, e brilhava a baixo do sol escaldante de janeiro.Observou mais uma vez o formato alongado com o punho pequeno que facilmente se adaptava na palma de sua mão, como se adaga tivesse sido feita especialmente para ela. Arqueou as sobrancelhas ruivas. Era muito bela, e tinha de haver um jeito de fazê-la se afundar no tronco da árvore. O tronco já riscado e cheio de arranhões a dois metros dela. O escolhido do dia para lhe auxiliar com
Acasa da fazenda Travis era grande, de madeira, cheia de cômodos e quartos, e pelo que Evangeline sabia, uma vez sua mãe já tencionara transformá-la em uma hospedaria. Mas depois de perceber o quanto aquilo os deixaria próximos aos humanos e as probabilidades de atrair demasiada e desnecessária atenção para si próprios, a ideia fora posta de lado. Eram uma família com tradições, momentos, e certas atitudes diferentes. A última coisa que precisavam, era serem reprovados no mundo terreno também, o que fazia a família sempre procurar discrição.Mas Evangelinesabiaque em algum tempo remoto, a casa já havia sido uma espécie de estalagem, e que a única dona morrera em uma briga entre dois grupos de n
Novamente, ela chamava, seus braços procurando algo a frente do corpo, como se quisessem alcançar algo que estava além de sua compreensão. A sensação estagnada da terra molhada se grudando em seus pés, entrando pelas aberturas entre os dedos e enlameando a barra do vestido vermelho. Vermelho como fogo. Vermelho como sangue gotejando de um ferimento recente. Escuro, pesado e molhado. E o som das sílabas desaparecia, levando sua voz junto com o vento que chicoteava seus cabelos.E aquela voz. Sumindo em meio ao nada.Escuro.Doloroso.Tempestuoso.Desacalentador.
OCemitério da cidade de Saint Louis era grande, e uma grama verde e cintilante cobria o chão em espaços intercalados de terreno em meio aos túmulos. As grandes esculturas em pedra de anjos guerreiros em combate estavam distribuídas pela relva macia, criando um cenário épico carregado de histórias não contadas sobre heróis e vilões que não eram lembrados, esquecidos no tempo e nas memórias perdidas pela morte que predominava o ambiente funesto. As nuvens carregadas à cima se confundiam em tons de vermelho e cinza, anunciando em vozes de trovão a grande tempestade que se aproximava vinda do leste. O vento impetuoso soprava por entre as lápides, as quais Evangeline aprendera a se acostumar. Os formatos, a textura, o significado. Tudo era familiar para ela. Até o peso angustiante e sombrio
Antes que Evangeline tivesse tempo de ter algum pensamento lógico, ou de puxar o ar para dentro dos pulmões novamente, ela foi arremessada para o lado, surpreendida pela força e a rapidez da Falange, que se levantara e arrebatara a espada do chão mais rápido do que um piscar de olhos.― Corra! ― A Falange gritou, mergulhando a frente como um gato.Evangeline caiu novamente sobre as pernas, ainda surpresa pela rapidez com a qual fora interceptada. O único que ainda conseguia surpreendê-la desse jeito, era o próprio Robert, que costumava ter os reflexos duas vezes melhores que os dela. Quando parou de rolar, e conseguiu endireitar a espinha novamente, afastando os cabelos dos olhos, tentou focalizar a visão sobre a batalha, onde uma enorme sombra
Para:Evangeline TravisDe:Membros do ConselhoO Grande Punho preside. O Punho é a Lei. A Lei é cega.Devido a recentes acontecimentos monitorados por nossos Centros de Controle, foi declarada a vigência dos tempos de luta da Guerra declarada das Trevas contra a facção da Luz. Em vista das novas ameaças que estão dominando o mundo, foi deliberado em Conselho o apreço e a necessidade por uma escolta de Guardiões capacitados e jovens para proteger nosso Grande Punho, visando que nossa força está na juventude. Desta forma, foi decretado, que todo o ÚLTIMO FILHO de cada família Falange em todos os arredores do mundo, com idade a partir dos dezesseis anos, de
Novamente, Ágape cortava o ar como um relâmpago cinzento em meio a noite escura, mas desta vez, ele tinha uma rota, e Evangeline, um objetivo. Chegar em casa o quanto antes possível, mesmo que isso significasse fazer o pobre cavalo correr como um maluco novamente. Mas o Corcel não parecia se importar. Era quase como se sentisse as emoções da dona, e prova disso, fora seu empenho em satisfazer sua vontade mais cedo, como se soubesse que era daquilo que ela precisava.Quando finalmente chegou ás portas da fazenda Travis, Evangeline não se importou em guiar Ágape até a baia novamente, prometendo-lhe em um sussurro rápido que voltaria logo.Depois disso, entrou correndo portas a dentro, chamando a mãe mais alto do
Não sabia há quanto tempo estava escovando Ágape, com os pensamentos próximos a qualquer coisa que estivesse além das montanhas de Giliade, pensando em tudo enquanto tentava não pensar em nada. Evangeline era péssima com essas coisas. Em ignorar acontecidos. Eles ficavam rebobinando em sua cabeça, de segundo em segundo, incansavelmente.A conversa com Ravenna sobre casamento, o acontecimento na estalagem Craig's, a morte de seu pai, a luta com o Órganon, a Falange Mensageira, o Decreto, a discussão com sua mãe, a recente conversa estranha com George... era como se estivesse revivendo cada momento, enquanto os trovões anunciavam mais uma tempestade se aproximando do Norte, lançando avisos barulhentos que faziam o pobre Ágape se encolher de encontro