O ÚLTIMO FILHO _ RITOS DO ENTARDECER I
O ÚLTIMO FILHO _ RITOS DO ENTARDECER I
Por: Christyenne A.C.
ANTES |ABISMOS|

  Estava chamando por alguém.

   Ela sempre chamava.

   Porém, nunca tinha tempo suficiente para descobrir quem era.

   Começava com um Sol brilhante se partindo em duas partes, circulando em esferas em chamas que eram engolidas por uma bruma escura e sem cores. Depois, lá estava ela, perdida em algum lugar do tempo que suas memórias não lhe permitiam lembrar. Sempre descalça. Sempre vendada. Sempre procurando.

   A única Lua no céu escuro e carregado de nuvens tempestuosas iluminava seu rosto branco como marfim, como se a luz fluísse de dentro dela como uma supernova aflorando no centro do universo. Era sempre confuso, sempre angustiante. Os pés, se arrastavam enterrados em meio a terra úmida, tentando abrir caminho por entre espinhos que não estavam lá antes. Aquela sensação. Dor. Era disso que sempre conseguia se lembrar. A névoa branca que se desprendia dos túmulos ao seu redor circulavam seu corpo magro, como se quisesse levá-la para longe, pequenos fantasmas tentando arrastá-la para o Mundo dos Mortos, aquele que não era pronunciado. E a venda caía. Ela podia ver. E era sempre a mesma coisa. As imagens se distorciam, como se ela não conseguisse se lembrar de imediato o que cada uma representava. Melancolia. Frustração. Desespero. Conhecia bem o significado de cada sensação. Elas sempre a perseguiam.

   E então, aquela voz.

   Vinda de longe, tão distante, que era quase impossível de ser ouvida.

   E ela gritava, mas não conseguia entender o fonema das palavras contidas em seu grito. Sua voz parecia se diluir junto com a bruma escura que evaporava junto com todos os seus pensamentos. E a única imagem legível, era a lápide majestosa em forma triangular que se erguia a sua frente. A pedra era velha, assim como seus escritos. Mas estes não se embrulhavam quando olhados, o que fazia seu coração disparar de maneira uniforme. Letras entalhadas com um nome.

   O seu nome. O seu túmulo.

   Seus braços se erguiam desesperados, na tentativa vã de alcançar algo que parecia estar além de toda a sua compreensão, e o chão sumia a baixo de seus pés, o abismo silencioso que a afugentava há tanto tempo a engolindo e a puxando novamente para sua escuridão.

   Caindo.

   De novo.

❄❄❄

   Evangeline acordou assustada, transpirando, com a respiração presa dentro dos pulmões, seu tronco se erguendo da cama tão rápido quanto a pressão em seu peito cedeu. Com a garganta seca, verificou a distribuição simples do quarto escuro tomando forma a sua volta, como se emergissem de um lago claro e que transbordava calma. Suspirou, engolindo em seco e massageando as têmporas com os dedos que ainda tremiam. Não era real. Fora apenas um sonho.

   Sim. Sonhara. De novo. O mesmo sonho que a vinha aterrorizando noite após noite.

   Deixou que seu corpo sorumbático caísse na cama novamente, se jogando entre os travesseiros.

   Aquilo precisava parar. Mas como?

Leia este capítulo gratuitamente no aplicativo >
capítulo anteriorpróximo capítulo

Capítulos relacionados

Último capítulo