EZRA D'ARTAGNANA manhã estava gelada, e a neve se acumulava ao redor dos meus pés enquanto eu observava o cenário à minha frente. O porto de embarcação, normalmente um lugar de atividade incessante, estava quase deserto, exceto por mim, pelos cinco homens ajoelhados e amarrados no chão, e pelos atiradores posicionados atrás de cada um deles. O vento cortante trazia consigo o cheiro salgado do mar misturado ao odor metálico de sangue, ainda fresco de algum outro infortúnio. Meu humor, que já não era dos melhores, apenas piorava a cada segundo.Puxei o cigarro dos lábios e deixei que a fumaça saísse devagar, formando uma nuvem diante de mim.O calor que ele proporcionava era ínfimo, mas suficiente para me manter focado. O desaparecimento dos contêineres era um problema que não tolerava erros, e aqueles homens ajoelhados à minha frente eram o ponto de partida para resolver essa situação. Meu olhar os percorreu, observando cada um deles com a paciência de um predador prestes a atacar.A
EZRA D'ARTAGNANCaminhei em direção ao carro que me aguardava, o vento gelado cortando meu rosto enquanto me aproximava. Jonathan já estava de pé, ao lado do veículo, abrindo a porta para mim. Seus olhos se cruzaram com os meus por um breve momento.Entrei no carro, sentindo o calor reconfortante do interior me envolver enquanto Jonathan fechava a porta com precisão. Ele deu a volta e entrou pelo lado do motorista, e logo estávamos de volta à estrada, o porto ficando para trás.— O próximo passo? — Jonathan perguntou depois de alguns minutos de silêncio, havia uma curiosidade entusiasmada ali.Olhei pela janela, observando as paisagens desertas que passavam rapidamente. A neve continuava a cair, cobrindo tudo com um manto branco, como se estivesse tentando esconder a sujeira do mundo.— Sara. — Respondi finalmente.Jonathan não reagiu imediatamente, mas eu sabia que ele estava processando a informação. Sara, a filha mais nova de Salvatore, era uma peça delicada no tabuleiro, entretant
EZRA D'ARTAGNANA casa estava silenciosa quando cheguei, envolta no mesmo manto de neve que cobria todo o exterior. A ausência de Penélope, sabendo o que havia acontecido, criava um vazio palpável. Ao me aproximar da entrada, algo capturou meu olhar: o telescópio que eu havia dado a ela, montado com cuidado, exatamente onde eu havia imaginado que estaria. Fiquei parado, observando o equipamento por alguns segundos, sentindo a realidade da situação se instalar de forma pesada.Respirei fundo, tirando um cigarro do maço, e o acendi, levando-o aos lábios. Soltei a fumaça lentamente, permitindo que ela se dispersasse no ar gelado ao meu redor. A visão do telescópio, agora sem uso, me trouxe uma clareza fria. Penélope havia sido tirada de mim, e isso, mais do que qualquer outra coisa, significava que havia falhado em um ponto crucial. Eu deveria ter previsto essa traição, deveria ter visto os sinais. Mas isso não importava mais. O que importava era como eu responderia.Depois de alguns seg
EZRA D'ARTAGNANO tempo parecia se arrastar enquanto eu permanecia sentado na poltrona, a escuridão da noite lá fora começando a envolver a casa. A única fonte de luz era o outro cigarro que eu mantinha entre os dedos, sua brasa brilhando no ritmo das tragadas que eu dava, cada uma acompanhada por uma exalação lenta de fumaça, mesmo que a raiva e a frustração continuassem a arder silenciosamente dentro de mim.Os acontecimentos recentes tinham me deixado em um estado de alerta constante, mas eu não permitia que isso transparecesse. O mundo ao meu redor podia estar desmoronando, mas eu estava determinado a manter o controle.A porta da sala se abriu suavemente, interrompendo meus pensamentos. Não precisei olhar para saber que era Jonathan. Ele entrou com passos firmes, mas havia algo diferente em seu semblante. Seu rosto estava duro, mais sombrio do que o habitual, como se estivesse carregando o peso de uma notícia que preferia não ter que dar.Eu tirei o cigarro da boca, a ponta ainda
PENÉLOPE VERONESIO tempo parecia se estender indefinidamente, e eu mal conseguia dizer quantas horas haviam passado desde que me colocaram no porta-malas. Cada minuto era um tormento, e o espaço apertado fazia meu estômago revirar. O enjoo se misturava com o medo, criando uma combinação que eu nunca havia experimentado antes. O pior de tudo era o silêncio.O silêncio opressor que só era quebrado pelo som abafado do motor e pela minha própria respiração acelerada.De repente, depois do que pareceram várias e várias horas, o carro começou a desacelerar. Meu coração disparou, batendo tão forte que eu podia senti-lo no peito. A única coisa que eu conseguia ouvir era minha própria respiração, cada vez mais rápida, mais irregular. Então, o carro parou completamente. Tudo ficou quieto, exceto pelo som do meu corpo tremendo.Segundos se passaram. O som da porta do porta-malas sendo aberta me fez prender a respiração. A luz fraca da noite misturado com outra luz branca, invadiu o espaço peque
PENÉLOPE VERONESIO automóvel finalmente parou, e eu senti um frio intenso percorrer minha espinha. Os vidros escurecidos me impediam de ver o que estava lá fora, mas eu sabia que nada de bom me esperava. O silêncio dentro do carro era opressor, como se o próprio veículo estivesse tentando me avisar do perigo que estava por vir.Salvatore saiu primeiro, e eu o ouvi dando ordens, mas não conseguia entender claramente o que ele dizia. De repente, a porta ao meu lado foi aberta, e um homem grande e musculoso agarrou meu braço com força. Um grito de dor escapou dos meus lábios antes que eu pudesse contê-lo. A dor era aguda, irradiando pelo meu braço como se ele estivesse prestes a se partir.Salvatore, em um tom brincalhão que só aumentou meu desprezo por ele, comentou: — Seja gentil com a nossa convidada, por favor. — Havia um sarcasmo cruel em sua voz, como se ele estivesse se divertindo com a minha dor, com o meu terror. O homem que segurava meu braço não aliviou a pressão, e eu fui a
PENÉLOPE VERONESIA escuridão do quarto onde fui trancada era absoluta, opressiva, como se o próprio ar estivesse se fechando ao meu redor. As paredes pareciam se aproximar lentamente, sufocando qualquer esperança de fuga. O tempo, um conceito que antes se dividia em horas e minutos, agora era uma massa indistinta, um vazio sem forma. O frio do chão de concreto penetrava nos ossos, um frio que não era apenas físico, mas também uma presença constante que invadia a mente, corroendo-a lentamente.Na primeira noite, ouvi os passos ecoando do lado de fora antes de ver qualquer coisa. A porta rangeu ao ser aberta, e meu corpo inteiro enrijeceu. Sombras de homens entraram, suas silhuetas apenas contornos nebulosos contra a escuridão. Minha respiração ficou presa na garganta, e um pavor paralisante tomou conta de mim. Eu sabia o que eles queriam, ou pelo menos achava que sabia. Cada músculo do meu corpo gritava para lutar, para resistir, mas o terror me mantinha imóvel, como uma presa diante
PENÉLOPE VERONESIA primeira sensação que tomou conta de mim foi a do tecido áspero contra a pele nua. Depois de dias imersa no escuro, o simples contato me pareceu surreal, como se estivesse entre a vigília e o sono. Um toque suave, quase hesitante, percorreu meu corpo exausto. Minha mente, há muito tempo perdida no caos, começou a registrar o que estava acontecendo. Eu estava sendo levantada, carregada, envolta em algo que, por mais frágil que fosse, ainda assim me cobria. Não era mais o frio úmido das correntes contra minha pele; era uma espécie de misericórdia que eu já não esperava.Minhas pálpebras pesavam como chumbo, e minha visão se recusava a focar, mas, por um breve momento, meus olhos entreabertos captaram a figura de quem me segurava. Jonathan. A mente, entorpecida pela fome e pela sede, mal conseguia processar o alívio ou a confusão. Jonathan... Ezra... as palavras rodopiavam em minha cabeça, desconexas, perdidas em um mar de incertezas. Mas ele estava lá, me carregando