Capítulo 01

PENÉLOPE VERONESI

Quando eu tinha mais ou menos cinco anos, eu era apenas uma simples criança, não tinha muita noção do que se passava na minha casa, portanto, a presença de apenas criadas era indiferente para mim, afinal, eu podia brincar por onde eu quisesse.

No fundo, era tudo aquilo que mais importava para mim.

A minha vida era simples, tirando as excessivas mudanças de casa, eu estudava até ao meio-dia e passava a tarde toda inventando brincadeiras para me distrair.

Lembro com gosto que eu até havia feito alguns esconderijos para me esconder, mas no fim eu acabava voltando a chorar nos braços das criadas por demorarem tanto a encontrar-me e eu ficara sozinha durante muito tempo.

Porém, quando comecei a crescer as coisas começaram a mudar bastante, segundo o meu pai, eu já não podia mais brincar porque precisava de disciplina, então eu tinha regras rígidas para seguir.

De facto, sempre fui uma criança bastante obediente e aos meus oito anos eu era obrigada a desenvolver habilidades que muitas crianças não tinham ou sequer consideravam ter, mas não era como se isso fosse algo positivo.

E foi com essa idade que passei a ter um sentimento que eu não sabia muito bem explicar exatamente o que era, solidão.

Mas eu sabia que isso acontecia quando eu via a partir das janelas do primeiro andar as crianças brincando umas com as outras. Elas até me chamavam quando percebia que eu as encarava do alto, mas assim que alguma criada notava, eu era rapidamente afastada.

Eu não devia e não culpava elas, eu percebia que faziam apenas o seu trabalho, portanto era apenas isso, trabalho, não havia afeto e muito menos preocupação com o meu bem-estar, na verdade, elas nem eram a minha família e eu não podia cobrar ela de serem um lar para mim.

Mas o meu pai era, e isso é o que me partia cada vez mais.

E mesmo com tudo isso, eu lembro de colocar os pés na grama depois de uma noite de chuva de primavera e como aquilo era bom e refrescante. Eu via borboletas e pássaros quando tomavam o quintal particular ao abrir as portas de vidro e o cheiro próximo do verão.

Era a única coisa que não podiam tirar-me, pelo menos é o que eu achava...

Aos meus doze anos tudo mudou mais ainda, como se não bastasse o meu pai ausente, ele determinou que até que eu completasse vinte e um anos eu não sairia do internato em que ele já havia me matriculado.

Eu não entendia muito bem as suas razões e também procurava não me importar, mas era inevitável não me sentir posta de lado quando a única pessoa que deveria espantar aquele sentimento era a maior causadora dele.

Nesse mesmo dia arrumei as minhas coisas com pesar e quase, mas só quase chorei, eu já havia aprendido que nenhuma lágrima minha o faria recuar na decisão, e do que valeria então?

Eu sinceramente gostaria de ter conhecido a minha mãe, talvez se eu a tivesse sabido ou ao menos falassem-me dela mais do que apenas: ela era linda e gentil, eu poderia compreender mais do que aquilo que eu sei. Nem ao menos imagens dela eu alguma vez havia visto, e, no entanto, só me restava acreditar quando me diziam que ela era parecida comigo.

Quando naquela noite cheguei ao I.T.I — Intern Training Institute (Instituto de formação interna) imaginei que finalmente poderia ter um pouco de amigos e a minha vida se tornaria muito mais aconchegante e fácil do que ela era.

Tão ingénua...

Por alguma razão fui colocada numa unidade distante de todos os alunos internos, o que tornou tudo ainda mais frustrante. Eu não era proibida de ficar com outros alunos, mas a intenção era clara: eu tinha que ficar afastada.

Após seis longos anos no internato, eu aprendi apenas a guardar as minhas próprias questões, ainda que me corresse, até porque Coniffer Veronesi nunca me visitou, jamais visitou a sua única filha.

Mas agora todas as dúvidas voltam com força na presença desse enigmático homem, e pior, carregada da ausência eterna do meu pai.

....

Os seus olhos mantiveram o domínio sobre mim, segurando-me em um estado de hipnose emocional. Tentei articular alguma palavra, mas a minha voz pareceu fugir, deixando-me apenas com o som abafado da respiração entrecortada.

"Olá, Penélope", a sua voz soou suave, carregada de intensidade, como um sussurro no vento que faz as folhas tremerem. A sensação do seu toque persistiu, como uma queimadura suave, uma marca indelével que ecoava através de mim.

Tudo o que restou foi a interseção dos nossos olhares, um duelo silencioso e intenso. A minha mente estava em tumulto, um turbilhão de pensamentos conflitantes, enquanto eu lutava para decifrar o que estava acontecendo entre nós.

O contato físico foi como uma faísca, um estremecimento que percorreu todo o meu corpo. A eletricidade persistia, assim como o desconforto, e eu me vi cativa daqueles olhos que pareciam conhecer segredos profundos.

Porém, desprendi-me da sua magnitude quando a Sra. Colleen colocou uma das mãos em um dos meus ombros e eu automaticamente desviei o meu olhar que repousava nele, para ela.

— Vamos sentir muitas saudades suas, Srta. Veronesi — ela disse calmamente e o homem responsável pela minha bagagem caminhou até a limusine de modo a arrumar as minhas coisas dentro dela.

— Sim, Srta. Colleen, eu também sentirei — respondi pausadamente enquanto me afastava da mulher, tentando testar se aquilo soaria como algo verdadeiro ou não.

A porta da limusine estava aberta, revelando um vislumbre do interior ricamente decorado. Os estofamentos eram de um couro macio e escuro, enquanto detalhes metálicos brilhavam com um toque de elegância. Era como se o veículo exalasse um ar de opulência, convidando-me a entrar em um mundo de conforto e privilégios, algo jamais tão usufruído.

Respirei fundo, tentando acalmar os nervos que dançavam no meu estômago. Com um gesto tímido, entrei na limousine, e o interior aconchegante envolveu-me como um abraço caloroso. Os bancos eram macios e convidativos, proporcionando um conforto que era um contraponto reconfortante à tempestade emocional que se desenrolava dentro de mim.

O Sr. D'Artagnan entrou logo após, e a porta foi fechada suavemente, isolando-nos do mundo exterior.

O silêncio era quase tangível, uma atmosfera que parecia amplificar os meus próprios pensamentos tumultuados. Os meus olhos vagaram pelo interior do veículo, captando pequenos detalhes enquanto eu tentava ancorar a minha mente em meio à turbulência.

A suave vibração do motor começou a ecoar na cabine, um lembrete constante de que estávamos em movimento, deixando para trás o familiar em busca do desconhecido. Enquanto a limusine deslizava pelas ruas, as paisagens urbanas cediam lugar a uma mistura de prédios e espaços verdes.

O caminho até o aeroporto pareceu um borrão de paisagens passando rapidamente pela janela do carro. As ruas da cidade envolveram-me, dando lugar a subúrbios tranquilos e finalmente à agitação do aeroporto. As lembranças do meu pai entrelaçaram-se com a visão das multidões apressadas, um lembrete de que a vida continua mesmo quando a nossa parece estar suspensa.

Algo que estive submetida durante tanto tempo, tempo demais, na verdade.

O jato privado aguardava no campo de pouso, uma estrutura imponente de metal e luxo. O seu exterior era uma fusão de linhas aerodinâmicas e elegância, um testemunho do cuidado meticuloso dado a cada detalhe, a fuselagem reluzia sob os raios de sol, refletindo o céu e as nuvens como uma tela de prata líquida.

Ao adentrar o interior do jato, fui envolvida por uma sensação de opulência e conforto. Os estofamentos eram de um couro macio e luxuoso, uma paleta de tons suaves que evocava uma sensação de serenidade. Os assentos, ergonomicamente projetados, ofereciam apoio e elegância, convidando-me a relaxar.

Enquanto percorria o corredor central, notei a presença de uma pequena área de lounge. Sofás confortáveis e uma mesa elegante que convidam a momentos de conversa e reflexão. Uma pequena seleção de bebidas e aperitivos estava disposta sobre um balcão, um toque de atenção aos detalhes que aumentava a sensação de cuidado e hospitalidade.

No fundo da cabine, uma porta conduzia ao espaço mais privativo do jato. Pude vislumbrar uma suíte luxuosa, com uma cama generosa e um banheiro elegantemente equipado.

Ezra D'Artagnan, o primeiro nome descoberto quando ele se comunicou com o piloto, permanecia calado ao meu lado, uma presença enigmática que parecia envolta numa aura de mistério. Os seus olhos, escondidos por trás de uma fachada impenetrável, ocasionalmente encontravam os meus, como se estivesse a avaliar a minha reação diante de tudo o que estava acontecendo.

Os seus lábios permaneciam selados, como guardiões dos segredos que ele carregava consigo.

E enquanto o avião cortava os céus, a sensação de confusão e ansiedade se aprofundava dentro de mim. Cada batida do coração parecia ecoar os questionamentos que rodopiavam em minha mente. Quem era este homem ao meu lado? Por que o meu pai havia escolhido Ezra D'Artagnan como o meu tutor? E como ele estava conectado a tudo isso?

Através da janela, as paisagens do Japão passavam como pinturas em constante transformação. Montanhas majestosas se transformavam em florestas densas, que por sua vez cediam lugar a cidades agitadas. Era como se o mundo exterior refletisse a minha própria jornada interior, um turbilhão de emoções e incertezas que se mesclavam em uma coreografia complexa.

Enquanto me deixava afundar na cadeira, eu permitia que o peso do desconhecido me envolvesse. A minha mente era um caleidoscópio de pensamentos, cada um girando em direções diferentes, formando padrões caóticos que eu não conseguia decifrar.

Cada olhar furtivo em direção a Ezra era como tentar ler um livro cujas páginas estavam trancadas, um desafio frustrante e intrigante ao mesmo tempo.

A ansiedade crescente criava um nó apertado no meu peito, uma sensação de estar à deriva em um mar de incertezas. Era como se eu estivesse em um sonho, onde as linhas entre a realidade e a fantasia se fundiam, deixando-me desamparada em meio a uma névoa densa. Eu sentia-me vulnerável, como uma mariposa atraída pela chama, sem saber que em breve seria queimada.

Ezra D'Artagnan permanecia ali, ao meu lado, como um farol silencioso. A sua própria quietude intensificava a minha sensação de isolamento, como se ele fosse um observador impassível da minha luta interna. Os seus olhos, ocultos por trás de uma máscara intransponível, eram como portais para um mundo que eu ainda não compreendia.

E tudo pareceu se desenrolar desse modo durante as 19h de viagem presa na aeronave. Mas quando nos aproximamos da Grécia, a ansiedade misturou-se com uma pitada de excitação.

Ilhas pitorescas surgiram do azul profundo do mar Egeu, a suas costas recortadas beijadas pelas águas cintilantes. As vilas de casas brancas se agarravam às encostas das montanhas, como pérolas preciosas em um cenário natural deslumbrante. Os meus olhos fixaram-se no horizonte, onde os pilares das antigas civilizações pareciam sussurrar segredos através dos séculos.

Finalmente, o avião tocou o solo grego, a chegada ocorreu sob o manto da noite, enquanto as estrelas brilhavam acima e a escuridão abraçava o mundo. O avião pousou com uma suavidade quase etérea, as rodas tocando o solo como um sussurro. Uma escada foi posicionada ao lado da aeronave, e Ezra D'Artagnan emergiu do avião, acompanhado de um séquito de cinco seguranças que pareciam sombras silenciosas na noite.

O ar estava impregnado com uma sensação de mistério e sigilo, como se a escuridão fosse um aliado nessa operação noturna. Os homens que cercavam Ezra eram tão impenetráveis quanto ele, cada movimento carregando uma aura de prontidão e vigilância. A única fonte de luz era a fraca iluminação das luzes do aeroporto, que lançavam sombras dançantes sobre o asfalto.

Eu seguia atrás de Ezra, a minha presença quase insignificante em comparação à sua. A adrenalina pulsava nas minhas veias, a minha mente trabalhando para absorver cada detalhe deste momento surreal.

Ezra D'Artagnan e os seus seguranças se moviam com eficiência e coordenação, como uma equipe treinada para operações de alta complexidade. Eles comunicavam-se por meio de olhares e gestos sutis, uma linguagem que eu não conseguia decifrar completamente.

A área ao redor estava silenciosa e deserta, como se o mundo estivesse em suspenso, aguardando o desenrolar dessa cena incomum. O ar frio da madrugada mordia a pele, tornando cada respiração visível como uma nuvem fugaz. Eu me sentia como uma testemunha silenciosa de algo maior do que eu, uma peça em um quebra-cabeça cujas bordas começavam a se encaixar.

Enquanto Ezra e a sua equipe continuavam a se mover em direção a um veículo que aguardava nas sombras, eu senti o meu coração bater com uma mistura de nervosismo enquanto entrava na limusine que aguardava.

Enquanto o carro deslizava suavemente pela estrada, eu aproveitei a oportunidade para me acomodar melhor no banco de couro. O conforto do assento era um contraponto bem-vindo à minha intranquilidade interior. A atmosfera na limusine estava carregada de eletricidade silenciosa, um eco das emoções que pareciam dançar no ar.

Os dedos de Ezra D'Artagnan deslizavam habilmente pela tela do celular, como se estivesse a tecer uma teia invisível de conexões. A sua atenção parecia estar focada em mensagens que eu não conseguia decifrar, um véu de mistério que pairava ao seu redor. Aqueles longos minutos em que ele estava imerso na tarefa deixaram-me em um estado de expectativa carregada, a minha mente divagando sobre os segredos que ele estaria tramando.

Então, como se tivesse sentido o peso da minha curiosidade, os seus olhos esverdeados se voltaram para mim. O encontro daquele olhar analítico fez-me arrepiar, como se ele pudesse penetrar nas camadas mais profundas da minha alma e extrair os pensamentos que eu estava lutando para esconder. Uma sensação de vulnerabilidade envolveu-me, como se eu fosse uma página em branco diante dos seus olhos perspicazes.

A voz grave e autoritária quebrou o silêncio tenso, fazendo-me piscar os olhos em surpresa. As suas palavras eram diretas, sem adornos, carregando um peso que ecoava nas profundezas da minha mente. Era como se ele estivesse me desafiando a abrir as comportas da minha curiosidade reprimida, a confrontar o mistério que o cercava.

As minhas bochechas coraram levemente enquanto eu lutava para encontrar as palavras certas. Minha voz, quase um sussurro, escapou dos meus lábios em um pedido de desculpas envergonhado. Eu me senti como uma intrusa, espiando um mundo do qual eu não fazia parte, e a resposta sucinta dele apenas intensificou a minha frustração.

O silêncio voltou a pairar sobre nós, uma barreira invisível entre mim e aquele homem enigmático que agora estava mergulhado nos seus próprios pensamentos. Senti o peso da sua indiferença, uma rejeição sutil que me irritou profundamente. Uma onda de ressentimento tomou conta de mim, fazendo-me revirar os olhos em um gesto de desdém antes de recostar a minha cabeça no banco.

Leia este capítulo gratuitamente no aplicativo >

Capítulos relacionados

Último capítulo