Capítulo 3

Valentina

Após o banho, vesti minha calça de moletom e minha camiseta do Batman, que era a minha favorita. Meu pai ligou um pouco depois do jantar para saber notícias do vovô, mas tudo continuava na mesma. Ele queria retornar para o hospital, mas eu disse que não seria preciso. Diego fez companhia para mim, até mesmo jantou comigo. Acabamos jantando juntos, mas, na verdade, Diego ficou em silêncio enquanto comia. Por mais que eu tentasse puxar algum assunto, o grandalhão simplesmente respondia com monossílabos. O Vovô continuava sendo monitorado, e o doutor Renato disse que ele estava evoluindo muito bem. Ele me assegurou que eu poderia dormir tranquila e que no dia seguinte teríamos boas notícias. Peguei meu celular de dentro da minha bolsa para verificar as ligações e mensagens. Respondi a Mateus, que estava preocupado com a falta de informações. Meu namorado avisou que estaria no hospital logo cedo, mas eu pedi que não fosse. Quanto menos pessoas presentes, melhor seria. Respondi à mensagem da minha mãe, pedindo que ela se acalmasse e, no grupo com meus dois irmãos, disse que estava bem. Mandei uma foto minha para os gêmeos, desejando boa noite. Por último, falaria com o meu melhor amigo. Francisco era o filho mais velho do tio Pedro e da tia Viviane. Crescemos juntos, e nossos pais se conheciam há anos, visto que a mãe dele foi a primeira esposa do meu pai. Havia uma história por trás da amizade daqueles quatro, mas nem a minha mãe contava, e muito menos a dele. Meu amigo era advogado de família e, mesmo ainda jovem, tinha um nome respeitado. Ele acabou seguindo outro caminho, diferente do que o pai desejava para ele. Olhei a hora no relógio; estava cedo, e eu sabia que Francisco não era adepto a dormir antes das duas da manhã.

— Até que enfim a senhorita lembrou que tem amigo! — sorri ao ouvir a voz do meu amigo do outro lado da linha.

— A melhor amiga dele estava ocupada, por isso eu demorei para te ligar — respondi, indo sentar na poltrona do quarto e cruzando as pernas para ficar mais confortável.

— Como você está, Tina? Mamãe ligou para contar que a tia Jéssica disse que seu avô está em observação. — perguntou Francisco, me chamando pelo meu apelido, que era algo nosso.

— Agora as coisas estão mais calmas. Eu peguei o primeiro avião para cá, e você acredita que ainda vou avisar o meu chefe? — disse ao ouvir meu amigo rindo.

— Seu avô é um homem forte; fique tranquila que ele vai sair dessa — me acalmou Francisco, como sempre fazia desde a infância.

— Você tem razão, e eu sou médica; não posso entrar em desespero. Meus pais estão na casa dos meus avós, e meus irmãos queriam ficar comigo, mas eu disse que não era preciso. E me conta, como você está? Como anda minha afilhada? O senhor não mandou mais vídeos nem fotos da minha princesinha — perguntei sobre Clara, a filha do meu amigo. Francisco era viúvo e pai de uma linda princesa de cinco anos. Todos achavam que poderia existir um relacionamento entre a gente, mas o amor que sentíamos um pelo outro era apenas de irmãos.

— Ela ficou com a minha mãe. Eu estou trabalhando em um caso bem complicado no momento, então achei melhor ela ficar na casa dos meus pais.

— Deixa toda essa confusão passar, que vou até a casa da tia Vivi para ver como todos estão. Mesmo com medo do que aconteceu com meu avô, meus planos vão acabar mudando, e depois a gente pode almoçar para conversar melhor? — disse para Francisco, que concordou. Meu amigo avisou que marcaria um almoço assim que a situação do meu avô ficasse mais calma. Encerrei a chamada, deixei o celular em cima da poltrona e decidi caminhar um pouco pelo corredor do hospital. Assim, eu poderia pensar melhor no que aconteceria daqui para frente. Olhei meu visual no espelho do banheiro e saí do quarto. Abri a porta da suíte com cuidado. Nesse horário, estava tudo calmo e silencioso. O andar em que eu estava era apenas para pacientes VIP e importantes que eram atendidos aqui. Quando fiz residência, tentava passar despercebida, mas não tinha como esconder meu sobrenome e nem meu rosto. Vovô saiu da UTI e agora estava num quarto no final do corredor. Na porta, um segurança fazia a vigília. Tenho certeza de que Diego foi quem organizou tudo. Meu pai contou que não queria que a imprensa vazasse informações enquanto não tivesse certeza da melhora do vovô. Sorri para o grandalhão, que deu espaço para que eu entrasse no quarto. Entrei sem fazer barulho; meu avô dormia com a respiração fraca. Peguei uma cadeira e a coloquei ao lado da cama dele. Os cabelos brancos, o rosto enrugado, mesmo com noventa anos, ele ainda era um homem robusto e forte. Sempre se cuidou e se aposentou um ano atrás, porque meu pai praticamente o obrigou. Eu sabia que teria que assumir a diretoria da pediatria muito em breve; na realidade, o que aconteceu com o doutor Ricardo iria acelerar meu retorno a São Paulo.

— Você pode tratar de acordar, ouviu bem? Temos muitas coisas para fazer juntos ainda, e o senhor ainda precisa me ver trabalhando no hospital como sempre desejou — toquei com carinho seu rosto, beijando sua testa fria. Vovô iria sair dessa; eu tinha certeza, e não iria me preocupar com isso. Estaria ao seu lado quando ele abrisse os olhos de volta para sua amada família.

Diego

Li o relatório enviado por e-mail sem acreditar no que estava escrito. Como eu contaria ao doutor Leonardo que seu pai quase morreu por causa de um dossiê que enviaram, com fotos de vinte anos atrás do presidente ao lado de garotas de programa? Mesmo depois de tantos anos, esse segredo que o presidente mantinha continuava perseguindo a vida do homem. Meu informante contou que um envelope foi entregue a ele, e ao ver as fotos, o homem começou a passar mal. Como a primeira pessoa a encontrá-lo desacordada foi o motorista, que também era policial e meu homem de confiança, ele conseguiu esconder as fotos que me enviou em anexo com o e-mail. Quem seria a pessoa por trás dessas ameaças novamente? Por anos, tentamos manter essa parte da vida do presidente escondida das pessoas, seu mandato como governador foi repleto de escândalos. Mesmo com a morte do desgraçado do Marcelo, ainda assim existiam pessoas que odiavam o senhor Leonardo. Uma delas era Larissa, ambiciosa, que se grudou no filho mais velho do maldito Marcelo. A mulher, além de tudo, casou a própria sobrinha com aquele crápula, que hoje era o novo governador de São Paulo. Não confiava em ninguém que vinha daquela gente, nem o senhor Leonardo. Sua família não tinha noção das coisas que nós dois tivemos que resolver ao longo dos anos. Guardei o celular no bolso da calça e levantei do sofá para me espreguiçar um pouco. Olhei a hora no relógio de pulso; passava das duas da manhã. Achei melhor dar uma olhada no doutor Ricardo. Caminhei até o corredor onde o homem estava internado e o encontrei sem ninguém vigiando. Chamaria a atenção do segurança da noite, para que ele prestasse mais atenção ao seu trabalho. Abri a porta com cuidado e entrei. Fui pego de surpresa ao encontrar a senhorita Valentina com a cabeça encostada na cama. Andei até ela, vendo seu rosto adormecido. Meus dedos formigavam para tocar em seus cabelos, mas me contive. Valentina estava se tornando uma linda mulher, e por um segundo, sorri ao recordar da menina inteligente que era quando pequena. A posição em que ela dormia acabaria resultando em dor no pescoço ao acordar. Então, com cuidado, toquei seu ombro para ela despertar. Ela se mexeu na cadeira, abrindo os olhos assustada ao me encontrar ao seu lado.

— Calma, senhorita! Desculpe te acordar; estava sentada numa posição ruim na cadeira, e dessa forma a senhorita acordaria com torcicolo— respondi, ajudando-a a levantar da cadeira.

— Eu nem percebi que acabei dormindo — ela disse, se espreguiçando ao meu lado. Notei os seios por baixo da camiseta e virei o rosto para não ser pego olhando para ela.

— É melhor a senhorita voltar para o seu quarto. Fico com seu avô, e dessa forma você pode descansar melhor — respondi, recebendo um sorriso dela.

—Eu prefiro ficar com o vovô aqui no quarto. Pode ficar tranquilo, Diego, que eu fico com ele.

Ela respondeu. Eu esperava essa resposta, visto que Valentina era teimosa como seu pai sempre dizia. Mas eu faria com que ela aceitasse o meu pedido.

— Sei que você prefere, só que seu pai pediu que eu cuidasse da senhorita. Então, é melhor fazer o que peço a você — Falei com firmeza na voz, recebendo dela um suspiro irritado.

— Papai continua achando que sou criança ainda — disse, passando a mão pelos cabelos, que se soltaram do coque que ela usava.

— Tudo bem, vou para o meu quarto, só porque você pediu com educação — respondeu sorrindo para mim. Ela voltou para perto do avô, beijando a testa do homem que dormia profundamente naquela cama hospitalar. Ela passou na minha frente, e não pude deixar de notar as pernas torneadas naquela calça de moletom que ela usava. Abri a porta para que ela saísse, dando de cara com o segurança. O homem se desculpou ao me encontrar ali, dizendo que havia ido até o banheiro por dois minutos. Não quis chamar atenção dele na frente da garota, para não ser mal interpretado, então esperei ela se afastar de nós dois. Valentina nos desejou boa noite e voltou para o seu quarto, nos deixando a sós.

— Senhor, perdoe o meu erro. Foi apenas um segundo, porque eu precisava muito ir até o banheiro — justificou, mas eu não permitia erros bobos como aquele. A obrigação do homem era permanecer de pé nesta porta até que outro pudesse ficar no seu lugar.

— Amanhã você passa no RH para acertar sua demissão. Sabe muito bem que erros bobos como esse não podem acontecer de maneira alguma. Agora fique aqui até eu mandar— respondi, abrindo novamente a porta do quarto e indo sentar no sofá. Eu com toda certeza acordaria com o corpo dolorido, por ficar sentado nesse minúsculo móvel, entretanto era a minha obrigação, cuidar dessa família com lealdade e com meu sangue se fosse preciso.

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