Valentina
Após o banho, vesti minha calça de moletom e minha camiseta do Batman, que era a minha favorita. Meu pai ligou um pouco depois do jantar para saber notícias do vovô, mas tudo continuava na mesma. Ele queria retornar para o hospital, mas eu disse que não seria preciso. Diego fez companhia para mim, até mesmo jantou comigo. Acabamos jantando juntos, mas, na verdade, Diego ficou em silêncio enquanto comia. Por mais que eu tentasse puxar algum assunto, o grandalhão simplesmente respondia com monossílabos. O Vovô continuava sendo monitorado, e o doutor Renato disse que ele estava evoluindo muito bem. Ele me assegurou que eu poderia dormir tranquila e que no dia seguinte teríamos boas notícias. Peguei meu celular de dentro da minha bolsa para verificar as ligações e mensagens. Respondi a Mateus, que estava preocupado com a falta de informações. Meu namorado avisou que estaria no hospital logo cedo, mas eu pedi que não fosse. Quanto menos pessoas presentes, melhor seria. Respondi à mensagem da minha mãe, pedindo que ela se acalmasse e, no grupo com meus dois irmãos, disse que estava bem. Mandei uma foto minha para os gêmeos, desejando boa noite. Por último, falaria com o meu melhor amigo. Francisco era o filho mais velho do tio Pedro e da tia Viviane. Crescemos juntos, e nossos pais se conheciam há anos, visto que a mãe dele foi a primeira esposa do meu pai. Havia uma história por trás da amizade daqueles quatro, mas nem a minha mãe contava, e muito menos a dele. Meu amigo era advogado de família e, mesmo ainda jovem, tinha um nome respeitado. Ele acabou seguindo outro caminho, diferente do que o pai desejava para ele. Olhei a hora no relógio; estava cedo, e eu sabia que Francisco não era adepto a dormir antes das duas da manhã.
— Até que enfim a senhorita lembrou que tem amigo! — sorri ao ouvir a voz do meu amigo do outro lado da linha.
— A melhor amiga dele estava ocupada, por isso eu demorei para te ligar — respondi, indo sentar na poltrona do quarto e cruzando as pernas para ficar mais confortável.
— Como você está, Tina? Mamãe ligou para contar que a tia Jéssica disse que seu avô está em observação. — perguntou Francisco, me chamando pelo meu apelido, que era algo nosso.
— Agora as coisas estão mais calmas. Eu peguei o primeiro avião para cá, e você acredita que ainda vou avisar o meu chefe? — disse ao ouvir meu amigo rindo.
— Seu avô é um homem forte; fique tranquila que ele vai sair dessa — me acalmou Francisco, como sempre fazia desde a infância.
— Você tem razão, e eu sou médica; não posso entrar em desespero. Meus pais estão na casa dos meus avós, e meus irmãos queriam ficar comigo, mas eu disse que não era preciso. E me conta, como você está? Como anda minha afilhada? O senhor não mandou mais vídeos nem fotos da minha princesinha — perguntei sobre Clara, a filha do meu amigo. Francisco era viúvo e pai de uma linda princesa de cinco anos. Todos achavam que poderia existir um relacionamento entre a gente, mas o amor que sentíamos um pelo outro era apenas de irmãos.
— Ela ficou com a minha mãe. Eu estou trabalhando em um caso bem complicado no momento, então achei melhor ela ficar na casa dos meus pais.
— Deixa toda essa confusão passar, que vou até a casa da tia Vivi para ver como todos estão. Mesmo com medo do que aconteceu com meu avô, meus planos vão acabar mudando, e depois a gente pode almoçar para conversar melhor? — disse para Francisco, que concordou. Meu amigo avisou que marcaria um almoço assim que a situação do meu avô ficasse mais calma. Encerrei a chamada, deixei o celular em cima da poltrona e decidi caminhar um pouco pelo corredor do hospital. Assim, eu poderia pensar melhor no que aconteceria daqui para frente. Olhei meu visual no espelho do banheiro e saí do quarto. Abri a porta da suíte com cuidado. Nesse horário, estava tudo calmo e silencioso. O andar em que eu estava era apenas para pacientes VIP e importantes que eram atendidos aqui. Quando fiz residência, tentava passar despercebida, mas não tinha como esconder meu sobrenome e nem meu rosto. Vovô saiu da UTI e agora estava num quarto no final do corredor. Na porta, um segurança fazia a vigília. Tenho certeza de que Diego foi quem organizou tudo. Meu pai contou que não queria que a imprensa vazasse informações enquanto não tivesse certeza da melhora do vovô. Sorri para o grandalhão, que deu espaço para que eu entrasse no quarto. Entrei sem fazer barulho; meu avô dormia com a respiração fraca. Peguei uma cadeira e a coloquei ao lado da cama dele. Os cabelos brancos, o rosto enrugado, mesmo com noventa anos, ele ainda era um homem robusto e forte. Sempre se cuidou e se aposentou um ano atrás, porque meu pai praticamente o obrigou. Eu sabia que teria que assumir a diretoria da pediatria muito em breve; na realidade, o que aconteceu com o doutor Ricardo iria acelerar meu retorno a São Paulo.
— Você pode tratar de acordar, ouviu bem? Temos muitas coisas para fazer juntos ainda, e o senhor ainda precisa me ver trabalhando no hospital como sempre desejou — toquei com carinho seu rosto, beijando sua testa fria. Vovô iria sair dessa; eu tinha certeza, e não iria me preocupar com isso. Estaria ao seu lado quando ele abrisse os olhos de volta para sua amada família.
Diego
Li o relatório enviado por e-mail sem acreditar no que estava escrito. Como eu contaria ao doutor Leonardo que seu pai quase morreu por causa de um dossiê que enviaram, com fotos de vinte anos atrás do presidente ao lado de garotas de programa? Mesmo depois de tantos anos, esse segredo que o presidente mantinha continuava perseguindo a vida do homem. Meu informante contou que um envelope foi entregue a ele, e ao ver as fotos, o homem começou a passar mal. Como a primeira pessoa a encontrá-lo desacordada foi o motorista, que também era policial e meu homem de confiança, ele conseguiu esconder as fotos que me enviou em anexo com o e-mail. Quem seria a pessoa por trás dessas ameaças novamente? Por anos, tentamos manter essa parte da vida do presidente escondida das pessoas, seu mandato como governador foi repleto de escândalos. Mesmo com a morte do desgraçado do Marcelo, ainda assim existiam pessoas que odiavam o senhor Leonardo. Uma delas era Larissa, ambiciosa, que se grudou no filho mais velho do maldito Marcelo. A mulher, além de tudo, casou a própria sobrinha com aquele crápula, que hoje era o novo governador de São Paulo. Não confiava em ninguém que vinha daquela gente, nem o senhor Leonardo. Sua família não tinha noção das coisas que nós dois tivemos que resolver ao longo dos anos. Guardei o celular no bolso da calça e levantei do sofá para me espreguiçar um pouco. Olhei a hora no relógio de pulso; passava das duas da manhã. Achei melhor dar uma olhada no doutor Ricardo. Caminhei até o corredor onde o homem estava internado e o encontrei sem ninguém vigiando. Chamaria a atenção do segurança da noite, para que ele prestasse mais atenção ao seu trabalho. Abri a porta com cuidado e entrei. Fui pego de surpresa ao encontrar a senhorita Valentina com a cabeça encostada na cama. Andei até ela, vendo seu rosto adormecido. Meus dedos formigavam para tocar em seus cabelos, mas me contive. Valentina estava se tornando uma linda mulher, e por um segundo, sorri ao recordar da menina inteligente que era quando pequena. A posição em que ela dormia acabaria resultando em dor no pescoço ao acordar. Então, com cuidado, toquei seu ombro para ela despertar. Ela se mexeu na cadeira, abrindo os olhos assustada ao me encontrar ao seu lado.
— Calma, senhorita! Desculpe te acordar; estava sentada numa posição ruim na cadeira, e dessa forma a senhorita acordaria com torcicolo— respondi, ajudando-a a levantar da cadeira.
— Eu nem percebi que acabei dormindo — ela disse, se espreguiçando ao meu lado. Notei os seios por baixo da camiseta e virei o rosto para não ser pego olhando para ela.
— É melhor a senhorita voltar para o seu quarto. Fico com seu avô, e dessa forma você pode descansar melhor — respondi, recebendo um sorriso dela.
—Eu prefiro ficar com o vovô aqui no quarto. Pode ficar tranquilo, Diego, que eu fico com ele.
Ela respondeu. Eu esperava essa resposta, visto que Valentina era teimosa como seu pai sempre dizia. Mas eu faria com que ela aceitasse o meu pedido.
— Sei que você prefere, só que seu pai pediu que eu cuidasse da senhorita. Então, é melhor fazer o que peço a você — Falei com firmeza na voz, recebendo dela um suspiro irritado.
— Papai continua achando que sou criança ainda — disse, passando a mão pelos cabelos, que se soltaram do coque que ela usava.
— Tudo bem, vou para o meu quarto, só porque você pediu com educação — respondeu sorrindo para mim. Ela voltou para perto do avô, beijando a testa do homem que dormia profundamente naquela cama hospitalar. Ela passou na minha frente, e não pude deixar de notar as pernas torneadas naquela calça de moletom que ela usava. Abri a porta para que ela saísse, dando de cara com o segurança. O homem se desculpou ao me encontrar ali, dizendo que havia ido até o banheiro por dois minutos. Não quis chamar atenção dele na frente da garota, para não ser mal interpretado, então esperei ela se afastar de nós dois. Valentina nos desejou boa noite e voltou para o seu quarto, nos deixando a sós.
— Senhor, perdoe o meu erro. Foi apenas um segundo, porque eu precisava muito ir até o banheiro — justificou, mas eu não permitia erros bobos como aquele. A obrigação do homem era permanecer de pé nesta porta até que outro pudesse ficar no seu lugar.
— Amanhã você passa no RH para acertar sua demissão. Sabe muito bem que erros bobos como esse não podem acontecer de maneira alguma. Agora fique aqui até eu mandar— respondi, abrindo novamente a porta do quarto e indo sentar no sofá. Eu com toda certeza acordaria com o corpo dolorido, por ficar sentado nesse minúsculo móvel, entretanto era a minha obrigação, cuidar dessa família com lealdade e com meu sangue se fosse preciso.
ValentinaAcordei com o barulho do meu celular tocando. Dei um pulo na cama, indo pegar o aparelho que havia deixado na mesinha ao lado.— Alô!Disse tentando abrir os olhos para enxergar melhor.— Senhorita Martinez, perdoe incomodar tão cedo. Sou a enfermeira- chefe responsável pela internação do seu avô. A senhora pode comparecer no consultório do doutor Renato?A mulher disse, eu respondi que me encontrava no hospital.— Vou trocar de roupa e chego em vinte minutos. Peça para providenciarem o café da manhã e meus pais foram chamados?Perguntei à enfermeira, que respondeu que papai já estava sabendo e chegaria em breve. Se desculpou por ligar ao invés de vir até o quarto que fiquei. Disse que não precisava se desculpar e que eu logo chegaria. Desliguei o celular, corri apressada para dentro do banheiro, tirando a roupa e entrando embaixo do chuveiro. A água quente acabou me despertando com mais rapidez. Cinco minutos depois, enrolada com o roupão, vou procurar uma roupa para vestir
DiegoTomava o café da manhã, na cafeteria do hospital, ao lado de mais dois seguranças. A equipe da manhã continuou vigiando a porta do quarto em que o doutor Ricardo estava internado. Eu precisava conversar a sós com o senhor Leonardo, explicar sobre toda a situação, contudo teria que fazer isso longe dos outros e principalmente da sua filha. Meu informante alertou-me que se começaram a usar o pai do presidente como forma de intimidar o início do seu governo, significava que eles passariam a atacar os filhos e a mais velha era o alvo mais fácil, por indiretamente fazer parte do escândalo que foi o primeiro mandato dele como Governador, vinte anos atrás.— Diego, foi necessário dispensar o Bruno daquela forma?Raimundo, um dos seguranças que trabalhava comigo há anos, questionou a atitude que tomei ao demitir o garoto por conta do erro na noite anterior. Todos os meus funcionários sabiam como eu costumava trabalhar e como eu prezava pelo compromisso e lealdade. Principalmente quando
ValentinaEstava no meu quarto, tentando relaxar na banheira. Mal coloquei os pés na casa dos meus avós e já me estressei com a briga entre a mamãe e a vovó. Sofia e Leandro foram para faculdade e quando papai surgiu na sala, vovó Soraia reclama que a minha mãe não tinha nada que ficar com o meu avô no hospital, visto que ela não fazia parte da nossa família. Como sempre, papai teve que apartar a discussão e vovó se irritou por não poder visitar o esposo. Disse que iria se trancar em seu quarto e minha mãe respondeu que ela fazia um favor para todos. Papai disse que precisava trabalhar, indo se trancar no escritório, enquanto minha mãe saiu para passar o dia fazendo companhia para o meu avô. Eu avisei que ficaria com ele a noite, contudo meu pai disse que não era preciso e que era para ficar descansando. Minha família estava bem longe de ser perfeita e se todos soubessem como era a relação da primeira- dama com sua sogra, seria a manchete de todos os sites de fofocas. Depois que fique
ValentinaO almoço foi com papai elogiando meu namorado, enquanto vovó dizia que iria começar a organizar o nosso noivado em breve. Eu apenas ouvia aquela conversa toda calada, apenas esperando o momento certo para ficar sozinha com Mateus e esclarecer alguns pontos com meu namorado.— Filha, como seu avô terá alta amanhã, não vejo necessidade de ficar com ele hoje a noite.Meu pai disse, enquanto eu olhava para o prato com o pensamento longe daqui.— Leonardo, aquela sua mulher não tinha nada que ficar com o meu Ricardo no hospital. Deveria ter pedido que Áurea ou uma enfermeira cuidasse dele.Vovó resmungava do outro lado, enquanto Mateus prestava atenção em seu celular. Nosso almoço foi horrível, principalmente quando meu pai questionou nosso noivado e a demora em nos casarmos. Mateus disse que a mãe havia dito o mesmo e que agora que papai foi eleito presidente, era o correto sua filha mais velha começar a construir uma família aos moldes tradicionais. Assim o eleitorado veria com
DiegoSozinho em meu apartamento, preparava algo para comer. O senhor Leonardo disse que eu poderia tirar a noite de folga, por conta do trabalho intenso que tive nas últimas quarenta e oito horas. No primeiro momento recusei, contudo, fui obrigado a aceitar, quando ele disse que eram ordens do presidente. Doutor Ricardo teve uma melhora milagrosa, sorrindo na companhia da primeira- dama e conversando comigo sobre coisas da vida. Meus subordinados, questionavam sempre o motivo de ser tão leal a família Martinez e continuar trabalhando para eles, depois de tantos anos. Nem eu mesmo sabia o porquê. Doutor Leonardo sempre foi bondoso comigo, tratando-me bem e não como se eu fosse apenas um empregado. Durante todos esses anos, acompanhei a trajetória política do homem, desde seu mandato como secretário de saúde até agora como Presidente do país. A forma limpa e justa de fazer política, fez com que ele acumulasse inimigos com o passar dos anos. No primeiro escândalo envolvendo o seu nome,
DiegoDirigia de volta para casa, após uma sessão intensa de sexo com aquela desconhecida. A garota foi receptiva até demais, enquanto aproveitamos muito bem a suíte. Ela até tentou descobrir algo sobre mim, porém fui claro quando disse que o que tivemos hoje a noite terminava no momento em que eu saísse daquele quarto. A madrugada fria, me fez abrir o vidro para que o vento batesse em meu rosto. Mesmo sendo bastante perigoso o que estava fazendo, não era errado ter a brisa por alguns minutos. Enquanto dirigia prestando atenção no trânsito, o celular do trabalho tocou e apertei o botão do carro para atender a chamada. Era um dos funcionários da mansão dos Martinez que trabalhava fazendo a segurança dos pais do presidente.— Espero que não tenha acontecido nenhuma tragédia para me ligar em plena folga essa hora da madrugada.Respondi, assim que atendi a chamada.— Boa noite senhor e perdoe-me o horário. É que tive tempo somente agora para falar.O garoto disse, alertando-me os meus sen
ValentinaEra muito cedo ainda, teria que procurar algo para ocupar meu tempo até a hora do almoço com Francisco. Após o desastre que foi o café da manhã com minha família, precisava de uma distração antes que eu retornasse ao trabalho no hospital. Esperava o chilique vindo do meu pai, contudo não imaginei o escândalo que faria ao ouvir minha escolha de voltar a morar sozinha. Papai, se recusou a aceitar minha decisão, meus irmãos permaneceram calados como sempre e para a minha sorte é que vovó não se encontrava para o drama ser ainda maior. Como sempre, a única que aceitou sem dramas, foi mamãe. Escolhi uma roupa para o almoço com meu amigo, o dia em São Paulo estava cinzento e isso deveria ser um aviso de como minha vida ficaria complicada nos próximos dias. Uma batida na porta, larguei a calça jeans, em cima da poltrona e fui abrir. Encontrei a mamãe, parada, com seu sorriso. Fiz sinal para que a dona Jéssica entrasse e fechei a porta, vendo minha mãe indo sentar na minha cama.— E
Valentina— Tantos problemas, que a doença do vovô foi o menor dos males. Contei para o meu pai hoje sobre voltar a morar sozinha, o velho surtou como sempre e mamãe saiu em minha defesa e conhecendo bem o doutor Leonardo, uma hora dessas deve ter comprado o apartamento que vou morar, mandado o Diego instalar milhares de câmera de vigilância e reforçar as sombras para me seguirem.Disse sorrindo, vendo Francisco fazer o mesmo ao meu ouvir. Meu amigo não tinha uma vida tão diferente assim da minha. Tio Pedro e sua fama, mesmo com o passar dos anos não mudou e a família Pascal, sempre teve que viver pensando no inimigo que atacaria o tio. Com o crescimento da comunidade Estrela Guia e os projetos que o governo criou para melhorar a vida dos moradores, tio Pedro passou a ser muito mais conhecido que vinte anos atrás e também muito visado pelos bandidos disfarçados de bons samaritanos.O garçom apareceu, para anotar os nossos pedidos. Como sempre, escolhi um filé ao molho madeira e Franci