O sol tingia o céu de laranja e dourado enquanto se escondia no horizonte. A brisa salgada soprava com mais força, trazendo um friozinho que contrastava com o calor do dia. Larissa sentia a areia fina grudando em seus pés enquanto recolhia os pertences espalhados. As toalhas úmidas, os chinelos cobertos de areia, a bolsa de palha que a mãe insistia em carregar – tudo precisava ser organizado antes de voltarem para o hotel.
Gustavo, seu irmão caçula, corria pela praia, os pés afundando na areia quente antes de mergulharem na espuma gelada das ondas. Ele gargalhava, aproveitando cada segundo como se o mar fosse um presente raro. E, de certa forma, era.
Era a primeira vez que Gustavo via o mar.
Larissa suspirou, ajustando a bolsa no ombro. O vento bagunçava seus cabelos enquanto observava a mãe caminhar lentamente até o carro. Giovana parecia cansada, como se a própria existência lhe pesasse nos ombros.
— Gustavo, vamos indo! — Larissa chamou, tentando soar firme.
O garoto parou por um instante, encarou o mar como se se despedisse dele e gritou, sem olhar para trás:
— Só mais um mergulho!
Larissa revirou os olhos e cruzou os braços.
— Gustavo, volta aqui! Não vai molhar a roupa outra vez!
Mas ele já corria, os pés ágeis na areia úmida. O mar o chamava de volta, e ele não resistiu. Afinal, no dia seguinte, já estariam indo embora. Quando teria outra chance de sentir aquela imensidão azul ao seu redor?
O problema é que o mar nem sempre recebe os visitantes com gentileza.
A primeira onda quebrou suavemente em seus joelhos. A segunda subiu até sua cintura. Ele riu, pulando com a força da água. Então, uma onda maior surgiu do nada, violenta e traiçoeira.
Gustavo perdeu o equilíbrio.
Seus pés se desprenderam do chão de areia, e num instante, ele foi sugado para dentro da correnteza. Tentou lutar, bater os braços, chutar com as pernas, mas a força do mar era muito maior. A água invadia sua boca e seu nariz. Ele queria gritar, mas só conseguia engolir mais água salgada.
Enquanto isso, Larissa fechava o porta-malas do carro, sem imaginar o que estava acontecendo. Foi só quando se virou para chamar o irmão novamente que percebeu o vazio ao redor.
— Gustavo?
Silêncio.
O coração dela deu um salto.
— Gustavo, não é hora de brincar!
Nenhuma resposta.
O vento parecia sussurrar em seus ouvidos, aumentando sua inquietação. Seus olhos vasculharam a praia quase deserta. Algumas poucas pessoas caminhavam ao longe, mas nenhuma parecia se importar com um menino brincando no mar.
Um frio percorreu sua espinha.
— Gustavo! — ela chamou, agora com urgência.
Nada.
— GUSTAVO!
O desespero começou a se apoderar dela. Seus olhos corriam de um lado para o outro, buscando qualquer sinal do irmão. Mas ele não estava em lugar nenhum. O mar, agora escuro e imponente, parecia ter engolido o garoto sem deixar vestígios. O vento forte cortava o rosto de Larissa enquanto seus pés afundavam na areia fofa. O sol já se punha no horizonte, tingindo o céu de tons alaranjados e rosados, mas nada disso importava. O pavor em seu peito crescia a cada segundo.
— Gustavo! — ela gritava, a voz carregada de desespero. — Gustavo, cadê você?!
Seus olhos percorriam a praia freneticamente até que, ao longe, ela avistou uma silhueta. Um homem carregava algo nos braços. Seu coração quase parou. Não, não podia ser...
Suas pernas fraquejaram por um segundo, mas a adrenalina a impulsionou para frente. Ela correu, ignorando a ardência nos músculos, ignorando tudo ao seu redor.
Quando finalmente chegou perto o suficiente, viu o corpo frágil do irmão nos braços daquele estranho. O homem o colocou cuidadosamente na areia e, sem hesitar, começou a aplicar respiração boca a boca.
— Gustavo! — Larissa caiu de joelhos ao lado deles, as lágrimas já turvando sua visão.
O tempo pareceu parar. Um segundo, dois, três… E então, um som que fez seu coração disparar de alívio.
Gustavo engasgou, tossiu violentamente, cuspindo a água salgada que encharcava seus pulmões. Seu peito arfava enquanto tentava recuperar o fôlego, os olhos assustados encontrando os da irmã.
— Meu Deus… — Larissa soluçou, passando as mãos trêmulas pelo rosto do irmão. — Você está bem? Você está bem?!
O homem ao lado deles observava a cena em silêncio, sua expressão séria e controlada. Quando Gustavo se acalmou um pouco, ele se virou para o menino e disse com firmeza:
— Você deu sorte dessa vez. Mas precisa tomar mais cuidado. O mar não é um lugar para brincar sozinho. Ele pode ser traiçoeiro.
Larissa ergueu os olhos para o homem, sua expressão carregada de gratidão.
— Obrigada... Obrigada por salvá-lo. Eu não sei como… — sua voz embargou.
Por um breve momento, o homem pareceu suavizar, mas logo seu olhar se tornou frio, distante. Seu sorriso desapareceu.
— Você deveria ter mais cuidado. — A dureza em seu tom fez Larissa estremecer. — Uma criança pequena não pode estar sozinha em um mar como esse.
Antes que ela pudesse responder, Gustavo, mesmo ainda ofegante, ergueu o rosto e falou com a voz fraca, mas determinada:
— Não foi culpa dela, moço.
Ele se virou para a irmã e a abraçou com força.
— Desculpa, Larissa… Eu prometo que não faço mais isso.
O coração dela apertou. Sentiu um misto de culpa e alívio.
— Está tudo bem agora. Você está bem, isso é o que importa.
Ela o envolveu em um abraço apertado e, voltando-se para o homem, inclinou levemente a cabeça em um gesto respeitoso.
— Mais uma vez, obrigada por salvar meu irmão.
Ela segurou a mão de Gustavo e se preparou para ir embora, mas a voz do homem, agora mais suave, a fez parar.
— Talvez eu tenha me expressado mal… — Ele respirou fundo, como se reconsiderasse suas palavras. — Seu irmão tem sorte de ter você para cuidar dele.
Larissa franziu a testa. Pela primeira vez, realmente o observou. Havia algo nele que não conseguia decifrar. Seus olhos eram intensos, carregados de algo que ela não conseguia nomear.
Ela apenas acenou com a cabeça, sem saber ao certo o que dizer. Então, sem olhar para trás, apertou a mão do irmão e caminhou rapidamente em direção ao carro. Mas algo dentro dela dizia que aquele encontro não terminaria ali.
A brisa salgada do mar acariciava o rosto de Larissa enquanto ela caminhava de volta para o carro ao lado de seu irmão. Seus passos eram apressados, mas sua mente estava presa ao que haviam acontecido momentos antes. O coração batia acelerado, como se tentasse alertá-la de que nada dali em diante seria como antes.
Ela parou por um instante, segurando o ombro do irmão com firmeza e olhando em seus olhos com seriedade.
— Você não pode contar para a mamãe o que acabou de acontecer, entendeu? — Sua voz estava baixa, mas carregada de urgência.
Gustavo, apesar da pouca idade, percebeu a tensão da irmã. Mas sua natureza inocente o fazia encarar tudo com um ar gracioso. Ele sorriu de leve e acenou com a cabeça.
— Já entendi, maninha. A mamãe não pode ter fortes emoções. Fica tranquila, esse será mais um de nossos segredos.
Antes que pudesse dizer qualquer outra coisa, Gustavo deu um abraço rápido nela e saiu correndo à frente, rindo como se nada tivesse acontecido. Larissa, por outro lado, sentiu um peso invisível se instalar sobre seus ombros.
O trajeto até o hotel foi silencioso, preenchido apenas pelo som do motor do carro e pelo murmúrio distante das ondas. Gustavo brincava com um chaveiro em suas mãos, distraído, enquanto Larissa mantinha os olhos fixos na estrada.
Ao chegarem, Larissa se apressou para o banheiro, precisando desesperadamente da água quente para aliviar a tensão em seus músculos. Enquanto a água escorria por seu corpo, fechou os olhos e tentou apagar as imagens que insistiam em assombrá-la. Mas não importava o quanto tentasse, aquele olhar — aquele olhar intenso e desconhecido — continuava cravado em sua mente. Depois de um longo banho, finalmente desligou o chuveiro e se enrolou na toalha, sentindo um leve calafrio ao sair do banheiro. Antes que pudesse dar mais do que dois passos, ouviu a voz doce e curiosa da mãe ecoando pelo quarto. — Larissa, querida, ainda vamos sair? A jovem respirou fundo antes de abrir a porta, recompondo-se rapidamente. Já vestida, forçou um sorriso para a mãe, que a observava com expectativa. — Claro, mamãe — respondeu, tentando parecer animada. — Eu prometi ao Gustavo frutos-do-mar, não posso voltar atrás agora. O rosto da mãe se iluminou com um sorriso genuíno, carregado de uma felicidade rara q
A manhã estava clara e ensolarada, com uma brisa fresca soprando do mar. O movimento na pequena cidade litorânea era tranquilo, turistas começavam a sair para suas atividades matinais, e os moradores locais seguiam sua rotina habitual. Larissa, sua mãe e Gustavo já estavam no carro, prontos para ir embora depois de um fim de semana inesquecível. Mas antes de pegarem a estrada, pararam em um pequeno mercado na esquina da avenida principal. — Vou comprar algumas garrafas de água. Não demoro. — disse Larissa, destravando o cinto e saindo do carro. O sininho da porta tilintou assim que ela entrou. O ar fresco do ar-condicionado contrastava com o calor do lado de fora, e o cheiro de café recém-passado se misturava ao aroma dos produtos expostos. Ela caminhou entre as prateleiras distraída, pegou algumas garrafas de água e seguiu para o caixa. Foi então que parou abruptamente. Ali, à sua frente na fila, estava ele. O homem misterioso que salvara Gustavo. Por um instante, Larissa hesi
O sol começava a se esconder atrás dos prédios altos da cidade quando Larissa estacionou o carro diante do velho edifício de concreto cinzento que chamavam de lar. Era pequeno, com pintura descascando e uma portaria quase sempre vazia, mas ainda assim era o refúgio que ela havia reconstruído com esforço e coragem.Assim que o carro parou, Gustavo soltou o cinto num pulo e saiu correndo, como se estivesse participando de uma maratona.— Ei, rapazinho! — a voz firme e carinhosa de Larissa ecoou logo atrás dele. — Volta aqui e pega as sacolas. Você não vai me deixar carregar tudo sozinha, vai?Gustavo fez uma careta, bufou, mas voltou, pegou sua própria mala e correu outra vez, dessa vez em direção ao elevador.Larissa sorriu, balançando a cabeça diante da energia incansável do irmão. Em seguida, abriu a porta traseira e, com todo cuidado, ajudou a mãe a sair do carro. Giovana estava mais frágil do que nunca, a pele fina como papel, os olhos serenos, porém cansados. Mesmo assim, ainda in
A manhã passou com uma tranquilidade incomum. Larissa mergulhou em tarefas rotineiras, revisando arquivos, ajustando prazos, e trocando e-mails com o grupo de design. Seus dedos deslizavam rápidos pelo teclado, mas sua mente estava em outro lugar — no misterioso convite de William. A reunião da empresa estava marcada para as 16h, e ela tentava manter o foco, mesmo com o relógio se arrastando, como se cada minuto carregasse uma tensão silenciosa.Quando o ponteiro tocou o 11H, Larissa se levantou da mesa com precisão cirúrgica. Organizava seus materiais com a elegância natural que a acompanhava mesmo nos gestos mais simples. Penteou com os dedos uma mecha de cabelo solta, respirou fundo e seguiu pelos corredores da empresa, ignorando o burburinho sobre a chegada do novo chefe.Caminhou até o café habitual, o “Lugar de Sempre”, como William gostava de chamar. Era um cantinho discreto e elegante, onde já haviam se encontrado tantas outras vezes. Como de costume, ela chegou antes, sentand
Larissa ainda sentia o coração aos pulos quando entrou no carro. Suas mãos tremiam levemente no volante, mas o sorriso em seu rosto era impossível de conter. Uma alegria diferente vibrava em seu peito, um tipo de felicidade que fazia tempo que ela não sentia. O peso da vida, das perdas, das responsabilidades... por um momento, tudo parecia ter desaparecido. Era como se o universo tivesse, enfim, lhe devolvido algo.A chave da antiga casa. A promessa cumprida. O carinho silencioso de William. Tudo pulsava dentro dela com a mesma intensidade de um sonho que se torna real. Dirigia distraída pelas ruas movimentadas, os pensamentos voando para lembranças da infância: o jardim florido, as paredes com desenhos feitos por ela e seu pai, a cozinha onde sua mãe assava bolos nos finais de semana...Estava tão imersa em suas lembranças que não viu o semáforo mudar.O som do impacto foi seco e imediato.O carro deu um tranco para frente, o cinto de segurança a segurou com força contra o banco.
Jacob inclinou levemente a cabeça, seus olhos deslizando lentamente pelo rosto de Larissa, como se estivesse memorizando cada traço com uma precisão quase poética. O olhar dele parou por um instante em sua boca, depois subiu de volta até os olhos dela, e então um pequeno sorriso se formou em seus lábios — não um sorriso comum, mas aquele tipo que surge quando alguém sabe exatamente o que está fazendo.— Mas seu carro vai precisar de um reparo, — ele disse, com a voz baixa, grave, carregada de uma calma que parecia proposital. — Se algum guarda te parar dirigindo com as luzes assim, quebradas… você pode acabar sendo multada.Ele falava com uma tranquilidade perigosa, como se cada palavra fosse uma isca lançada em direção a ela. E Larissa... não conseguiu se concentrar no que ele dizia. Suas palavras soavam distantes, abafadas pelo som abafado de seu próprio coração acelerado.Porque, na verdade, tudo o que ela sentia era a mão dele.Aquela mão quente ainda repousava sobre seu ombro — u
Larissa retornou ao trabalho com o coração aos pulos e uma sensação curiosa revirando dentro de si — borboletas no estômago, ansiosas, agitadas, como se cada batida do coração fosse um aviso: algo está mudando. Ela tentou focar no que restava do expediente, mas os pensamentos se negavam a cooperar. A imagem de Jacob — seu olhar, sua voz, o toque quente e seguro em seu ombro — voltava à sua mente como um eco doce e perturbador. Ela mal acreditava no que tinha acontecido. Um jantar? Hoje à noite? Como assim?A reunião das 16h, para a qual ela tanto havia se preparado, acabou não sendo sobre o novo chefe, como todos imaginavam. Em vez disso, foi algo ainda mais surpreendente: a Imperium Beauty estava firmando uma nova parceria com uma renomada agência de propaganda, especializada em campanhas de impacto com modelos selecionadas a dedo para representar grandes marcas. A ideia era ousada: trazer novos rostos para dar vida aos produtos da Imperium, tornando-os ainda mais desejados no merc
Antes de sair, Larissa se inclinou e depositou um beijo leve na testa da mãe. Foi um gesto suave, cotidiano, mas que carregava um carinho imenso. Ela sempre foi assim: inteira nas pequenas coisas. Um toque, um olhar, um sorriso.— Não volta tarde, meu bem — disse a mãe, ajeitando uma mecha do cabelo da filha como fazia quando ela era criança.— Prometo, mamãe — respondeu com um meio sorriso, mas seu olhar estava distante, já projetado em outro lugar... em outro alguém.Ao atravessar a porta, Larissa sentiu o ar da noite tocar sua pele, e foi como se o mundo lá fora a chamasse para algo novo, algo que ela ainda não entendia completamente. Caminhou com passos leves, quase dançantes, como se o corpo soubesse algo que a mente ainda não havia traduzido.Havia uma sensação vibrando dentro de si. Ela não sabia se era ansiedade, desejo ou apenas aquele impulso quase inconsciente de finalmente ser vista — não como a filha dedicada, nem como a irmã preocupada, tampouco como a mulher que segura