O sol começava a se esconder atrás dos prédios altos da cidade quando Larissa estacionou o carro diante do velho edifício de concreto cinzento que chamavam de lar. Era pequeno, com pintura descascando e uma portaria quase sempre vazia, mas ainda assim era o refúgio que ela havia reconstruído com esforço e coragem.
Assim que o carro parou, Gustavo soltou o cinto num pulo e saiu correndo, como se estivesse participando de uma maratona.
— Ei, rapazinho! — a voz firme e carinhosa de Larissa ecoou logo atrás dele. — Volta aqui e pega as sacolas. Você não vai me deixar carregar tudo sozinha, vai?
Gustavo fez uma careta, bufou, mas voltou, pegou sua própria mala e correu outra vez, dessa vez em direção ao elevador.
Larissa sorriu, balançando a cabeça diante da energia incansável do irmão. Em seguida, abriu a porta traseira e, com todo cuidado, ajudou a mãe a sair do carro. Giovana estava mais frágil do que nunca, a pele fina como papel, os olhos serenos, porém cansados. Mesmo assim, ainda insistia em sorrir para a filha como se quisesse aliviar o peso da doença.
— Obrigada, minha flor... — murmurou a senhora com ternura.
— Vamos com calma, mãe. Estou aqui.
Já dentro do apartamento, Larissa ajeitou a mãe em sua cama, cobrindo-a com um lençol leve e deixando um copo d’água na mesinha de cabeceira. Giovana adormeceu em minutos.
Gustavo, por outro lado, já estava esparramado na cama dele, jogando-se como se tivesse acabado de cruzar uma linha de chegada invisível.
Mais tarde naquela noite, depois de um jantar simples — arroz, frango grelhado e legumes — Larissa organizou a mochila do irmão para o dia seguinte. Separou os cadernos, verificou a agenda, e dobrou com carinho o uniforme. Era sempre detalhista. Mesmo cansada, não deixava nada passar.
Antes de ir dormir, foi até o quarto da mãe. Observou por alguns minutos sua respiração tranquila. Tocou-lhe a testa com leveza. Sentia-se exausta, mas com o coração em paz. Fez o mesmo no quarto de Gustavo. Ele já dormia, abraçado ao travesseiro, com os pés para fora da coberta.
Larissa deitou-se no sofá da sala, achando que teria um raro momento de descanso. Mas antes que pudesse fechar os olhos, seu celular vibrou sobre a mesinha de centro. Olhou a tela: William.
Ela atendeu no segundo toque.
— Olá, Larissa. — começou a voz conhecida e acolhedora do outro lado. — Desculpe te ligar tão tarde, e ainda por cima num domingo...
— Tudo bem, senhor William. — respondeu ela, se sentando. — Aconteceu alguma coisa?
Houve uma breve pausa.
— Não, não... nada urgente. — ele apressou-se em tranquilizá-la. — Mas preciso te ver amanhã, no lugar de sempre. Ao meio-dia. Pode ser?
Ela franziu o cenho, intrigada.
— Claro... eu estarei lá. — respondeu, mesmo sentindo uma inquietação crescer no peito. — Mas está tudo bem mesmo?
— Sim, Larissa. Está tudo bem. Só preciso conversar com você, pessoalmente.
Depois que a ligação terminou, ela ficou alguns minutos parada, encarando a tela do celular como se buscasse respostas nas entrelinhas do que ele havia dito. Havia algo na voz de William... um tom que ela não conhecia. Um peso. Uma hesitação.
Sentindo o cansaço finalmente pesar nos ombros, Larissa apagou as luzes e foi para seu quarto. Deitou-se com o corpo cansado e a mente agitada. Amanhã, além da reunião no trabalho, teria esse encontro com William. O que ele queria? E por que parecia tão... sério?
Na manhã seguinte, o despertador tocou uma hora mais cedo que o habitual. Larissa se levantou sem reclamar. Deixou o café pronto para Gustavo, preparou o remédio da mãe e esperou por Dona Matilde, a cuidadora que vinha diariamente.
Vestiu-se com o cuidado de quem sabe que presença também é comunicação. Usava um conjunto de alfaiataria cinza elegante e discreto, os cabelos presos em um coque alto e algumas mechas soltas que emolduravam o rosto com naturalidade. Parecia forte. Inabalável. Mas por dentro, seu coração batia em ritmos incertos.
No prédio da empresa, os corredores estavam mais movimentados que o normal para uma segunda-feira. Comentários sussurrados e olhares curiosos circulavam entre os funcionários.
Enquanto atravessava o hall em direção ao elevador, ouviu a voz animada de sua colega e amiga, Nathalia.
— Bom dia, Lari! Preparada para hoje?
Larissa sorriu, mantendo a postura gentil de sempre.
— Bom dia, Nath! O que tá rolando?
— Disseram que teremos um novo chefe. Mistério total! Vão revelar tudo na reunião logo mais.
Um novo chefe? Isso era novidade até para Larissa, que geralmente estava por dentro das decisões da diretoria.
— Mudanças, hein? — comentou ela, entrando no elevador. — Vamos ver o que nos espera.
O elevador subiu silenciosamente, e Larissa se pegou olhando seu próprio reflexo no espelho interno. Um novo chefe, um encontro inusitado com William, e aquela estranha sensação no peito que não passava...
Algo estava mudando. E ela podia sentir.
Mal sabia Larissa que aquele dia marcaria o início de algo que mudaria sua vida para sempre. O passado, que ela acreditava estar enterrado, estava prestes a bater à sua porta — e o destino, silencioso e impiedoso, começava a entrelaçar os fios da história de Jacob Lauder com a dela.
A manhã passou com uma tranquilidade incomum. Larissa mergulhou em tarefas rotineiras, revisando arquivos, ajustando prazos, e trocando e-mails com o grupo de design. Seus dedos deslizavam rápidos pelo teclado, mas sua mente estava em outro lugar — no misterioso convite de William. A reunião da empresa estava marcada para as 16h, e ela tentava manter o foco, mesmo com o relógio se arrastando, como se cada minuto carregasse uma tensão silenciosa.Quando o ponteiro tocou o 11H, Larissa se levantou da mesa com precisão cirúrgica. Organizava seus materiais com a elegância natural que a acompanhava mesmo nos gestos mais simples. Penteou com os dedos uma mecha de cabelo solta, respirou fundo e seguiu pelos corredores da empresa, ignorando o burburinho sobre a chegada do novo chefe.Caminhou até o café habitual, o “Lugar de Sempre”, como William gostava de chamar. Era um cantinho discreto e elegante, onde já haviam se encontrado tantas outras vezes. Como de costume, ela chegou antes, sentand
Larissa ainda sentia o coração aos pulos quando entrou no carro. Suas mãos tremiam levemente no volante, mas o sorriso em seu rosto era impossível de conter. Uma alegria diferente vibrava em seu peito, um tipo de felicidade que fazia tempo que ela não sentia. O peso da vida, das perdas, das responsabilidades... por um momento, tudo parecia ter desaparecido. Era como se o universo tivesse, enfim, lhe devolvido algo.A chave da antiga casa. A promessa cumprida. O carinho silencioso de William. Tudo pulsava dentro dela com a mesma intensidade de um sonho que se torna real. Dirigia distraída pelas ruas movimentadas, os pensamentos voando para lembranças da infância: o jardim florido, as paredes com desenhos feitos por ela e seu pai, a cozinha onde sua mãe assava bolos nos finais de semana...Estava tão imersa em suas lembranças que não viu o semáforo mudar.O som do impacto foi seco e imediato.O carro deu um tranco para frente, o cinto de segurança a segurou com força contra o banco.
Jacob inclinou levemente a cabeça, seus olhos deslizando lentamente pelo rosto de Larissa, como se estivesse memorizando cada traço com uma precisão quase poética. O olhar dele parou por um instante em sua boca, depois subiu de volta até os olhos dela, e então um pequeno sorriso se formou em seus lábios — não um sorriso comum, mas aquele tipo que surge quando alguém sabe exatamente o que está fazendo.— Mas seu carro vai precisar de um reparo, — ele disse, com a voz baixa, grave, carregada de uma calma que parecia proposital. — Se algum guarda te parar dirigindo com as luzes assim, quebradas… você pode acabar sendo multada.Ele falava com uma tranquilidade perigosa, como se cada palavra fosse uma isca lançada em direção a ela. E Larissa... não conseguiu se concentrar no que ele dizia. Suas palavras soavam distantes, abafadas pelo som abafado de seu próprio coração acelerado.Porque, na verdade, tudo o que ela sentia era a mão dele.Aquela mão quente ainda repousava sobre seu ombro — u
Larissa retornou ao trabalho com o coração aos pulos e uma sensação curiosa revirando dentro de si — borboletas no estômago, ansiosas, agitadas, como se cada batida do coração fosse um aviso: algo está mudando. Ela tentou focar no que restava do expediente, mas os pensamentos se negavam a cooperar. A imagem de Jacob — seu olhar, sua voz, o toque quente e seguro em seu ombro — voltava à sua mente como um eco doce e perturbador. Ela mal acreditava no que tinha acontecido. Um jantar? Hoje à noite? Como assim?A reunião das 16h, para a qual ela tanto havia se preparado, acabou não sendo sobre o novo chefe, como todos imaginavam. Em vez disso, foi algo ainda mais surpreendente: a Imperium Beauty estava firmando uma nova parceria com uma renomada agência de propaganda, especializada em campanhas de impacto com modelos selecionadas a dedo para representar grandes marcas. A ideia era ousada: trazer novos rostos para dar vida aos produtos da Imperium, tornando-os ainda mais desejados no merc
Antes de sair, Larissa se inclinou e depositou um beijo leve na testa da mãe. Foi um gesto suave, cotidiano, mas que carregava um carinho imenso. Ela sempre foi assim: inteira nas pequenas coisas. Um toque, um olhar, um sorriso.— Não volta tarde, meu bem — disse a mãe, ajeitando uma mecha do cabelo da filha como fazia quando ela era criança.— Prometo, mamãe — respondeu com um meio sorriso, mas seu olhar estava distante, já projetado em outro lugar... em outro alguém.Ao atravessar a porta, Larissa sentiu o ar da noite tocar sua pele, e foi como se o mundo lá fora a chamasse para algo novo, algo que ela ainda não entendia completamente. Caminhou com passos leves, quase dançantes, como se o corpo soubesse algo que a mente ainda não havia traduzido.Havia uma sensação vibrando dentro de si. Ela não sabia se era ansiedade, desejo ou apenas aquele impulso quase inconsciente de finalmente ser vista — não como a filha dedicada, nem como a irmã preocupada, tampouco como a mulher que segura
Ao entrarem no restaurante, Jacob transformou cada gesto em um ritual de elegância e atenção. Caminhava ao lado de Larissa com uma postura impecável, seus olhos atentos a cada movimento dela, como se quisesse guardar cada instante na memória. Assim que chegaram à mesa, ele puxou delicadamente a cadeira para que ela se sentasse e, com um sorriso discreto, lhe ofereceu o cardápio, seus dedos roçando levemente os dela no processo — um toque quase imperceptível, mas que fez o coração de Larissa bater um pouco mais rápido.Ela agradeceu com um sorriso tímido, e enquanto folheava o cardápio, tentando se concentrar entre entradas e pratos principais, sentia o olhar dele pousado sobre si. Jacob a observava com uma doçura contida, como quem admira algo raro, especial. Seus lábios desenhavam um leve sorriso no canto da boca — um sorriso que não era proposital, era instintivo, nascido da satisfação genuína de estar ali com ela.Logo o garçom se aproximou, os pedidos foram feitos, e quando ficara
Depois que Jacob pagou a conta, eles saíram do restaurante. A brisa noturna soprou suave contra o rosto de Larissa, fazendo seus cabelos cacheados dançarem no ar. Jacob, num gesto automático e protetor, abriu a porta do carro para ela e depois contornou o veículo para assumir o volante.No silêncio inicial do trajeto, tocava uma música suave, envolvente. Um jazz instrumental que preenchia o ar com uma atmosfera íntima. Larissa olhava pela janela, mas sentia o olhar dele se voltar para ela vez ou outra. Ela também o observava pelo canto dos olhos — as mãos firmes no volante, a mandíbula forte e relaxada, o cheiro discreto de um perfume amadeirado que misturava charme e mistério.Foi então que Jacob, sem tirar os olhos da estrada, perguntou:— Está tudo bem aí? Ficou quieta de repente...Larissa sorriu, virando-se lentamente para ele.— Estou bem... só estou tentando entender como tudo mudou tão rápido... E agora estou aqui, com você, me sentindo… viva.Jacob olhou para ela, dessa vez s
Enquanto Jacob conduzia o carro pelas ruas silenciosas da cidade, a imagem de Larissa ainda dançava em sua mente — o balanço gracioso do vestido, o sorriso tímido, o calor do toque... Ele sentia o volante sob as mãos e os pensamentos acelerados, como se cada curva o aproximasse não só de casa, mas de algo novo e eletrizante. Foi então que seu celular vibrou contra o painel. O brilho da tela mostrou o nome de sua mãe: Barbara Lauder. Seu coração deu um leve pulo: já passava da meia‑noite, e ela jamais ligava tão tarde. Um pressentimento frio o atingiu. No terceiro toque, ele atendeu, a voz guardando um traço de preocupação. — Oi, mãe! — disse, tentando soar casual. — Aconteceu alguma coisa? Do outro lado da linha, Barbara soava incomum: firme, quase impaciente. — Oi, querido. — Ela fez uma pausa antes de continuar, como quem ensaia cada palavra. — Precisamos conversar. Você poderia almoçar comigo amanhã? Há assuntos importantes… Jacob apertou os dedos contra o volante, preocupado