A floresta ao redor da ruína parecia mais silenciosa do que antes, como se segurasse o fôlego diante do que estava por vir. Amélia ainda sentia os resquícios do arrepio causado pela voz misteriosa, mas forçou-se a concentrar-se na jornada. A escolha será sua, loba branca. As palavras ecoavam em sua mente como um chamado que ela ainda não compreendia completamente.Zard permaneceu por um longo tempo observando as marcas antigas na pedra, os dedos trêmulos percorrendo os símbolos com uma expressão fechada. Damian ficou próximo de Amélia, os olhos atentos a qualquer sinal de perigo.— Precisamos seguir em frente — declarou o ancião finalmente, voltando-se para o grupo. — Este lugar guarda segredos que não devemos desvendar agora.Houve um murmúrio de assentimento entre os membros da matilha, e logo retomaram a caminhada, adentrando a densa vegetação. Amélia sentia o peso do olhar de Damian sobre ela, como se ele percebesse que algo estava diferente, mas optasse por
O silêncio que se seguiu ao desaparecimento de Selene foi quase sufocante. A floresta, antes repleta de murmúrios naturais, parecia ter parado no tempo. Amélia tentou captar algum vestígio da presença da mulher, mas era como se nunca tivesse estado ali.Zard virou-se lentamente, os olhos fixos no ponto onde Selene estivera momentos antes. O peso dos anos parecia mais evidente em sua expressão, como se um fardo há muito carregado tivesse se tornado ainda mais pesado.— O que diabos foi isso? — Damian foi o primeiro a quebrar o silêncio, sua voz carregada de frustração. Ele olhou para Zard, exigindo respostas.O ancião respirou fundo antes de responder.— Selene… — ele murmurou. — Um fantasma de um tempo que tentei esquecer.— Isso não nos diz nada! — Amélia retrucou, sentindo um misto de irritação e
A noite caiu serena sobre o acampamento, envolvendo tudo em um véu de sombras e mistério. A luz da lua se filtrava pelas árvores, desenhando padrões prateados no solo macio. O vento soprava levemente, carregando o aroma amadeirado da floresta e algo mais – algo que apenas Damian conseguia captar por inteiro. O cheiro de Amélia. Doce, quente, tentador.Os outros membros da matilha estavam recolhidos, descansando depois de um dia de tensão e descobertas. Mas Damian não conseguia pregar os olhos. Seu lobo estava inquieto. Seus instintos gritavam, exigindo algo que ele tentava controlar há tempo demais.Amélia também não dormia. Sentada à beira do riacho, ela observava o reflexo da lua na água, perdida em pensamentos. O encontro com Selene ainda pesava sobre sua mente, mas havia algo mais. Algo que queimava em seu peito, algo que fazia seu corpo estremecer sempre
Antiope era uma vila cercada por colinas ondulantes e bosques de carvalhos tão antigos quanto o próprio tempo. As casas de pedra, cobertas de trepadeiras floridas, pareciam emanar um calor acolhedor, mas sob essa aparente tranquilidade escondia-se um medo enraizado. O nome do Alfa ressoava como um trovão nas conversas sussurradas. Ele governava não apenas a vila, mas também os corações de seus habitantes, que andavam sempre com olhares baixos e passos apressados, como se até mesmo o vento pudesse levar suas palavras para ouvidos errados.No meio dessa realidade opressora, vivia Amélia.Desde muito jovem, a vida lhe ensinara a sobreviver com pouco. Seus pais foram arrancados dela antes mesmo que tivesse idade para compreender a dor da perda. A memória deles era um borrão distante, fragmentos de vozes e risadas que às vezes vinham nos sonhos, apenas para desaparecer ao amanhecer. A vila, que deveria ter sido seu lar, virou um lugar onde não havia espaço para uma órfã. Sem ninguém que a
O silêncio entre eles era espesso como a neblina que pairava sobre a floresta. Amélia caminhava um passo atrás do filho do Alfa, os olhos atentos a cada detalhe do caminho. As árvores pareciam se curvar à presença dele, os pássaros silenciavam ao seu redor, e até o vento hesitava em soprar. Ela deveria ter fugido. Deveria ter resistido. Mas algo nela — talvez o instinto, talvez o cansaço de viver sozinha — a impediu. O cheiro de terra úmida começou a se misturar com algo mais denso, algo que fazia seus pelos se arrepiarem: o cheiro de outros lobos. Eles estavam perto. Muito perto. Seu coração começou a bater mais forte. O que ele queria com ela? Quando os portões da matilha surgiram à frente, sua respiração ficou rasa. Eram enormes, de madeira escura reforçada com ferro, e guardados por dois homens de olhar predador. Eles a observaram com curiosidade, mas não ousaram questionar o filho do Alfa quando ele passou por eles, trazendo-a consigo. Amélia se encolheu ao sentir dezenas de
Amélia tentou lutar contra o sono.Se dormisse, talvez acordasse em uma armadilha. Talvez descobrisse que tudo aquilo — o banho quente, as roupas limpas, a comida abundante — fosse apenas um truque cruel antes de seu verdadeiro destino.Ela já ouvira histórias assim antes. Promessas de conforto, de segurança, apenas para serem substituídas pelo frio da traição. Sua vida lhe ensinara a desconfiar da bondade, a questionar gestos gentis. Sobrevivência não permitia ilusões.Mas o cansaço, esse inimigo silencioso, foi mais forte.Seu corpo cedeu, vencido pelo esgotamento acumulado de tantas noites mal dormidas, de tantos dias fugindo, se escondendo, sempre à beira do colapso. O colchão, macio como um abraço esquecido, envolveu-a, e, antes que pudesse resistir, seus olhos se fecharam.O sono veio como uma onda morna, arrastando-a para um lugar onde, por um instante, não havia medo.Quando o sol começou a se erguer no horizonte, uma fragrância familiar despertou seus sentidos.Era um cheiro
O silêncio entre eles era espesso, quase palpável.Não um silêncio comum, mas um carregado de tensão e perguntas não ditas.Amélia continuou comendo, cada mordida trazendo uma avalanche de sentimentos confusos. O medo ainda estava ali, enraizado em seu peito como um espinho que se recusava a sair. Mas a fome era mais forte, e ela não desperdiçaria aquela oportunidade.Cada pedaço de pão que mastigava parecia dissolver um pouco da rigidez em seus músculos. A sensação de comida quente no estômago era algo que ela não sentia há muito tempo. Era quase estranho.Mas a presença de Damian impedia que relaxasse completamente.Ele permanecia parado perto da porta, os braços cruzados sobre o peito largo, observando-a com um olhar indecifrável.Não parecia apressado, nem impaciente. Apenas… atento.Ela não sabia dizer se isso era melhor ou pior.Depois de alguns instantes, ele finalmente falou:— Há quanto tempo você estava sozinha?O som de sua voz quebrou o silêncio como uma pedra atirada em u
Amélia passou o resto da manhã tentando afastar os pensamentos que insistiam em invadir sua mente.Damian.Havia algo nele que a fazia sentir-se inquieta. Ele era perigoso, disso ela tinha certeza. Mas, ao mesmo tempo, havia uma força nele que a atraía de uma forma que ela não compreendia. Seu cheiro, sua presença, o modo como seus olhos âmbar pareciam enxergar além de sua pele… tudo nele despertava nela algo primitivo, algo que não fazia sentido.Ela balançou a cabeça, irritada consigo mesma. Não podia se permitir esse tipo de distração.Decidida a entender melhor o lugar onde estava presa — porque, no fundo, ainda se sentia cativa —, resolveu explorar a casa da matilha. Não era a decisão mais segura, mas, afinal, ela havia sobrevivido anos sozinha na floresta. Um passeio não deveria ser tão desafiador.Caminhou pelos corredores de pedra, observando os detalhes. O lugar era imenso, com móveis de madeira escura, tapeçarias pesadas cobrindo as paredes e janelas amplas que deixavam a lu