O silêncio entre eles era espesso como a neblina que pairava sobre a floresta. Amélia caminhava um passo atrás do filho do Alfa, os olhos atentos a cada detalhe do caminho. As árvores pareciam se curvar à presença dele, os pássaros silenciavam ao seu redor, e até o vento hesitava em soprar.
Ela deveria ter fugido. Deveria ter resistido. Mas algo nela — talvez o instinto, talvez o cansaço de viver sozinha — a impediu. O cheiro de terra úmida começou a se misturar com algo mais denso, algo que fazia seus pelos se arrepiarem: o cheiro de outros lobos. Eles estavam perto. Muito perto. Seu coração começou a bater mais forte. O que ele queria com ela? Quando os portões da matilha surgiram à frente, sua respiração ficou rasa. Eram enormes, de madeira escura reforçada com ferro, e guardados por dois homens de olhar predador. Eles a observaram com curiosidade, mas não ousaram questionar o filho do Alfa quando ele passou por eles, trazendo-a consigo. Amélia se encolheu ao sentir dezenas de olhos sobre ela. Lobos de todas as idades estavam ali — alguns em sua forma humana, outros com presas à mostra, farejando o ar. Murmúrios surgiram, sussurros sobre a forasteira trazida por Damian. Damian. Ela finalmente sabia seu nome. O medo cravou suas garras em seu peito. Ele a trouxe para ser devorada? Para ser o jantar da matilha? Seu corpo tremeu, mas ela se recusou a demonstrar fraqueza. Se fosse morrer, ao menos o faria com dignidade. Mas então, ao invés de atirá-la aos lobos famintos, ele apenas disse, com um tom de ordem inegável: — Cuidem dela. Duas mulheres de postura rígida se aproximaram, claramente empregadas da casa. Amélia piscou, confusa. — Deem-lhe um banho decente, roupas limpas e comida. Depois, eu a levarei para seu novo quarto. O choque percorreu seu corpo como um raio. Um banho? Roupas? Um quarto? Sem entender nada, ela foi conduzida para dentro da grande casa da matilha. O lugar era ainda maior por dentro, com longos corredores de pedra e tapestrias pesadas cobrindo as paredes. Ela tentou ignorar os olhares, tentou não pensar no destino incerto que a aguardava. As empregadas a levaram até uma enorme banheira de mármore, cheia de água morna e perfumada. Suas roupas esfarrapadas foram levadas embora, substituídas por um vestido macio e limpo. O cheiro de terra e fumaça foi trocado por algo suave, que ela não reconhecia. Quando trouxeram um prato cheio de comida quente, ela hesitou. Tudo isso era uma ilusão? Um truque cruel antes da verdadeira dor? Mas a fome venceu sua cautela. Horas depois, quando Damian a levou até um quarto espaçoso, com uma cama tão grande que parecia engoli-la, Amélia se sentiu mais perdida do que nunca. Ele parou na porta, os olhos âmbar brilhando na penumbra. — Descanse. Amanhã, conversaremos, não saia do quarto sem mim. Pode não ser seguro. E então ele se foi, deixando-a sozinha. Amélia se sentou na cama, a mente fervilhando de perguntas sem resposta. Por que ele a trouxe aqui? O que ele queria dela? E, acima de tudo... por que, mesmo com tanto medo, ela sentia que seu destino estava entrelaçado ao daquele lobo?Amélia tentou lutar contra o sono.Se dormisse, talvez acordasse em uma armadilha. Talvez descobrisse que tudo aquilo — o banho quente, as roupas limpas, a comida abundante — fosse apenas um truque cruel antes de seu verdadeiro destino.Ela já ouvira histórias assim antes. Promessas de conforto, de segurança, apenas para serem substituídas pelo frio da traição. Sua vida lhe ensinara a desconfiar da bondade, a questionar gestos gentis. Sobrevivência não permitia ilusões.Mas o cansaço, esse inimigo silencioso, foi mais forte.Seu corpo cedeu, vencido pelo esgotamento acumulado de tantas noites mal dormidas, de tantos dias fugindo, se escondendo, sempre à beira do colapso. O colchão, macio como um abraço esquecido, envolveu-a, e, antes que pudesse resistir, seus olhos se fecharam.O sono veio como uma onda morna, arrastando-a para um lugar onde, por um instante, não havia medo.Quando o sol começou a se erguer no horizonte, uma fragrância familiar despertou seus sentidos.Era um cheiro
O silêncio entre eles era espesso, quase palpável.Não um silêncio comum, mas um carregado de tensão e perguntas não ditas.Amélia continuou comendo, cada mordida trazendo uma avalanche de sentimentos confusos. O medo ainda estava ali, enraizado em seu peito como um espinho que se recusava a sair. Mas a fome era mais forte, e ela não desperdiçaria aquela oportunidade.Cada pedaço de pão que mastigava parecia dissolver um pouco da rigidez em seus músculos. A sensação de comida quente no estômago era algo que ela não sentia há muito tempo. Era quase estranho.Mas a presença de Damian impedia que relaxasse completamente.Ele permanecia parado perto da porta, os braços cruzados sobre o peito largo, observando-a com um olhar indecifrável.Não parecia apressado, nem impaciente. Apenas… atento.Ela não sabia dizer se isso era melhor ou pior.Depois de alguns instantes, ele finalmente falou:— Há quanto tempo você estava sozinha?O som de sua voz quebrou o silêncio como uma pedra atirada em u
Amélia passou o resto da manhã tentando afastar os pensamentos que insistiam em invadir sua mente.Damian.Havia algo nele que a fazia sentir-se inquieta. Ele era perigoso, disso ela tinha certeza. Mas, ao mesmo tempo, havia uma força nele que a atraía de uma forma que ela não compreendia. Seu cheiro, sua presença, o modo como seus olhos âmbar pareciam enxergar além de sua pele… tudo nele despertava nela algo primitivo, algo que não fazia sentido.Ela balançou a cabeça, irritada consigo mesma. Não podia se permitir esse tipo de distração.Decidida a entender melhor o lugar onde estava presa — porque, no fundo, ainda se sentia cativa —, resolveu explorar a casa da matilha. Não era a decisão mais segura, mas, afinal, ela havia sobrevivido anos sozinha na floresta. Um passeio não deveria ser tão desafiador.Caminhou pelos corredores de pedra, observando os detalhes. O lugar era imenso, com móveis de madeira escura, tapeçarias pesadas cobrindo as paredes e janelas amplas que deixavam a lu
O encontro com o Alfa ainda pairava na mente de Amélia como uma sombra persistente. Mesmo depois que ele desapareceu pelo corredor, deixando para trás um rastro de tensão e perguntas sem respostas, ela permaneceu imóvel por um longo instante.O que ele quis dizer com aquilo? "Espero que saiba no que está se metendo."A frase ecoava em sua mente, carregada de advertência e algo mais… algo que ela não conseguia definir. Mas ficar parada remoendo palavras não a levaria a lugar nenhum. Inspirando fundo, afastou as dúvidas e retomou sua caminhada.Ainda não conhecia os limites daquela casa imensa, e algo dentro dela queimava de curiosidade. Seu instinto dizia que, por trás das paredes de pedra e dos olhares desconfiados da matilha, havia segredos esperando para serem descobertos.Ela seguiu explorando.Os corredores pareciam se estender infinitamente, alguns estreitos e escuros, outros amplos e iluminados por janelas altas. Ocasionalmente, ela encontrava uma sala abandonada ou uma passagem
O dia já estava avançado quando Damian subiu as escadas em direção ao quarto de Amélia. O aroma do almoço recém-preparado ainda pairava no ar, misturando-se ao cheiro amadeirado característico da casa da matilha.Ele hesitou por um momento diante da porta fechada. Desde que a trouxera para ali, tinha se esforçado para manter certa distância, dar-lhe tempo para aceitar sua nova realidade. Mas agora… agora queria vê-la.Queria que almoçassem juntos.Damian não saberia dizer ao certo o porquê. Só sabia que aquela garota lhe despertava sentimentos conflitantes — e evitá-la não estava funcionando.Bateu na porta uma vez. Depois outra.Nenhuma resposta.Franzindo o cenho, girou a maçaneta e entrou.O quarto estava vazio.No mesmo instante, algo dentro dele se retesou.O cheiro dela ainda estava ali, fresco no ar, mas a ausência de sua presença fez um frio percorrer sua espinha. Seu olhar percorreu o cômodo rapidamente, procurando qualquer sinal de que ela pudesse ter saído por vontade própr
Amélia sentia o olhar intenso de Damian sobre ela, mas fingia não perceber. Algo nele a desconcertava de um jeito que não conseguia explicar. Ele era enigmático, controlador e, ao mesmo tempo, tinha um jeito estranho de cuidar dela. — Venha — disse ele, levantando-se e estendendo a mão. Ela arqueou a sobrancelha. — Para onde? — Quero te mostrar algo. Amélia hesitou. A casa da matilha já era grande o suficiente para fazê-la se sentir deslocada, e agora ele queria levá-la para outro lugar? Mas sua curiosidade foi mais forte do que a razão. Ela pegou a mão dele com relutância, sentindo o calor de sua pele contra a sua. Damian a guiou por um caminho estreito que passava entre árvores e arbustos bem cuidados. O ar ali era diferente, carregado com um aroma suave de flores misturado ao cheiro amadeirado da floresta ao redor. Quando saíram da trilha, Amélia se deparou com um jardim oculto. Era magnífico. Caminhos de pedras sinuosas cortavam um gramado impecável, levando a pequenos cant
Amélia observava Damian com uma expressão desconfiada. Algo nele havia mudado no instante em que ela riu da pergunta sobre seu "lobo". O jeito como ele a olhava agora era diferente—como se visse nela algo que nem mesmo ela conhecia. — Você está me assustando — ela disse, cruzando os braços. Damian hesitou. Parte dele queria deixar esse assunto para outro momento, mas outra parte sabia que o tempo estava se esgotando. Se ela realmente não sabia a verdade, então era questão de tempo até seu corpo forçá-la a encará-la da pior maneira possível. — Eu preciso que você confie em mim — ele disse, finalmente. Ela riu sem humor. — Você realmente acha que posso confiar em alguém que me trouxe para cá contra minha vontade? Damian segurou o olhar dela, como se tentasse encontrar um jeito de fazê-la entender. — Se eu não quisesse o seu bem, acha que eu me importaria se você soubesse ou não quem realmente é? — Sua voz era calma, mas carregava uma firmeza que fez Amélia vacilar. Ela abriu a
Outro uivo cortou o ar, carregado de algo sombrio e urgente. Damian ficou rígido, os olhos escurecendo com um brilho feroz, como se seu instinto tivesse sido acionado no mesmo instante. Amélia sentiu um arrepio percorrer sua espinha. O som parecia distante, mas, de alguma forma, também próximo o suficiente para fazer seu coração disparar. Ela abriu a boca para perguntar o que estava acontecendo, mas antes que qualquer palavra escapasse, Damian deu um passo à frente. Com um movimento surpreendentemente delicado para alguém tão intenso, ele segurou seu queixo entre os dedos, erguendo seu rosto suavemente. Amélia prendeu a respiração. O olhar dele era diferente agora, mais profundo, mais íntimo. Não havia apenas preocupação em seus olhos, mas algo mais… algo que ela não conseguia decifrar. Então, sem aviso, Damian inclinou-se e encostou seus lábios nos dela. Foi