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Capítulo 3 – Sabores do Passado

Amélia tentou lutar contra o sono.

Se dormisse, talvez acordasse em uma armadilha. Talvez descobrisse que tudo aquilo — o banho quente, as roupas limpas, a comida abundante — fosse apenas um truque cruel antes de seu verdadeiro destino.

Ela já ouvira histórias assim antes. Promessas de conforto, de segurança, apenas para serem substituídas pelo frio da traição. Sua vida lhe ensinara a desconfiar da bondade, a questionar gestos gentis. Sobrevivência não permitia ilusões.

Mas o cansaço, esse inimigo silencioso, foi mais forte.

Seu corpo cedeu, vencido pelo esgotamento acumulado de tantas noites mal dormidas, de tantos dias fugindo, se escondendo, sempre à beira do colapso. O colchão, macio como um abraço esquecido, envolveu-a, e, antes que pudesse resistir, seus olhos se fecharam.

O sono veio como uma onda morna, arrastando-a para um lugar onde, por um instante, não havia medo.

Quando o sol começou a se erguer no horizonte, uma fragrância familiar despertou seus sentidos.

Era um cheiro quente e acolhedor, algo que fez seu coração apertar em um reconhecimento doloroso.

Ela abriu os olhos devagar. O quarto, banhado pela luz dourada da manhã, parecia menos ameaçador à luz do dia. Não havia sombras espreitando nos cantos, nem sinais de perigo iminente. A madeira polida dos móveis refletia os primeiros raios de sol, dando à cena uma serenidade quase irreal.

Sobre uma pequena mesa ao lado da cama, um café da manhã havia sido deixado para ela. Pão recém-assado, frutas suculentas, mel escorrendo de uma colher de madeira.

E então, o aroma que a fez congelar.

Canela.

Seu peito se apertou. A última vez que sentira aquele cheiro fora em uma manhã distante, quando sua mãe ainda a segurava nos braços, quando a vida era simples e segura. Antes de tudo ser arrancado dela.

A memória veio com força, uma cena vívida de um tempo que parecia pertencer a outra existência. Sua mãe, cantarolando baixinho, preparando pães quentes para o café da manhã. O calor do forno, o brilho da luz matinal entrando pela janela, o riso suave que ecoava pela casa. O toque de dedos gentis afastando mechas de cabelo de seu rosto sonolento.

Engolindo em seco, Amélia afastou as cobertas.

Seus pés descalços tocaram o chão de madeira fria, trazendo-a de volta ao presente. Foi então que notou algo dobrado sobre a poltrona ao lado.

Um vestido.

Era azul, de um tom profundo, como o céu de inverno quando as estrelas começam a surgir. O tecido parecia macio ao toque, com delicados bordados prateados, como pequenos flocos de neve espalhados pelo tecido.

Ela hesitou.

Por que alguém como Damian se importaria em lhe dar algo tão bonito?

Seu instinto lhe dizia para não aceitar. Não confiar. Mas ao mesmo tempo, havia algo na suavidade do tecido, no cuidado dos detalhes, que a fazia sentir algo que não sabia nomear.

Com movimentos lentos, quase relutantes, pegou o vestido e o vestiu. O tecido deslizou sobre sua pele como água, adaptando-se a seu corpo de uma forma que parecia ter sido feito para ela.

Por um breve momento, ela se sentiu… bem.

Não era só pelo conforto do vestido, mas pela lembrança que ele despertava. O reflexo no espelho mostrava uma versão dela que quase não reconhecia. Não a garota exausta e assustada, mas alguém mais forte, mais viva.

Mas então, o cheiro da comida chamou sua atenção novamente.

Sentou-se à mesa e, com dedos hesitantes, pegou um pedaço de pão. Ele ainda estava morno, a casca dourada, a textura macia. Ao levá-lo à boca, um sabor esquecido explodiu em sua língua. A doçura do mel, a maciez do trigo, o toque sutil de canela…

As lágrimas vieram antes que ela pudesse detê-las.

A dor da lembrança foi avassaladora. Durante anos, a fome fora uma constante em sua vida. O pão duro e envelhecido, as sobras disputadas, a necessidade de racionar cada pedaço como se fosse o último. Comer sem medo de que a comida acabasse era um luxo que há muito não conhecia.

Mas agora, aquele simples café da manhã a lembrava de algo precioso que havia perdido há muito tempo: a sensação de lar.

Um soluço escapou de seus lábios antes que pudesse contê-lo.

Foi nesse momento que a porta se abriu.

Damian entrou, sua presença preenchendo o ambiente. Ele se movia com uma confiança tranquila, mas seus olhos carregavam algo mais — uma observação cuidadosa, como se estivesse avaliando sua reação.

Seu olhar pousou nela — nos olhos úmidos, na expressão vulnerável, na maneira como suas mãos tremiam ao segurar o pão.

Por um instante, ele apenas a observou.

O silêncio entre eles não era desconfortável, mas denso, carregado de perguntas não ditas.

E então, com a voz baixa e firme, disse:

— Eu sabia que ia gostar.

Havia algo naquela frase que fez seu estômago revirar. Não era uma provocação, nem um tom de superioridade. Era outra coisa.

Certeza.

Como se ele soubesse mais sobre ela do que deveria.

Como se, de alguma forma, já tivesse previsto sua reação antes mesmo que ela própria pudesse entendê-la.

Amélia abaixou os olhos, confusa com as próprias emoções.

O que Damian realmente queria?

E, mais importante, por que parte dela queria saber a resposta?

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