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Capítulo 1- Não existe coincidência

A sala era grande, coisa de casa antiga. Ao redor, móveis que pareciam ter saído de um museu. Na parede, sem janelas, havia uma lareira, contudo, não fazia tanto frio assim e muito menos nevava em Santos. “Isso é coisa de inglês”, pensei.

Havia ali três sofás de couro marrom e uma mesa de centro, em mogno. Nela havia um cavalo de bronze, que mais tarde eu saberia de onde viera e por qual motivo estava ali. Com um blazer preto, me senti elegante, porém, aquele momento era para mim crucial, independente de como estivesse vestido, em frente à tal lareira.

Ao lado direito, numa das poltronas, Joseph parecia um lorde inglês. Alto e loiro, com traços britânicos, olhava para seu copo de uísque escocês com duas pedras de gelo. Meditava talvez sobre o que esperar de mais um “intruso”.

Do outro lado, sua mulher, Ana Maria, me olhava com ar de interrogação. Parecia querer ler a minha mente, saber de minhas reais intenções e eu tinha mais medo dela que do “sir”. Em pé, ao lado dela, uma pessoa me observava com ar esperançoso.

Então, Joseph iniciou o interrogatório, exatamente às 19h15. “Pontualidade britânica em ação”, pensei.

— Aonde vocês se conheceram? — perguntou Joseph com semblante sério, ainda olhando para o copo e depois lançando seu olhar “verde” sobre mim.

O jogo começou e os dados estavam lançados, mas eu não era o único a competir ali. Ela — a qual representa tudo isso — não disse nada, pois, seu pai havia dado a dica com o olhar: “deixe-o falar”. Devolvendo-o, mas com alguma satisfação, pois acreditava nisso, respondi:

— O senhor acredita em coincidências?

Joseph, surpreso, respondeu que não, pois, para ele, tudo havia um propósito. Isso era muito dele, esse filho de inglês e leitor assíduo de livros científicos. Engenheiro, ele sabia exatamente do que eu falava.

Então comecei a contar com mais tranquilidade, afinal, havia encontrado um cara que pensava relativamente como eu.

— Eu também não, pois acredito que tudo tem um propósito…

Linha 20

Era uma sexta-feira, dia 13 de junho de 2003. O inverno estava iniciando em Santos, e no centro da cidade, o tempo já estava ruim desde cedo. Como geralmente acontece nessa época, ao fim da tarde a chuva começou.

Saí correndo sem guarda-chuva em direção à Praça Mauá, subindo um trecho pequeno da Rua XV de Novembro, histórica e linda, como sempre, buscando alcançar o ponto de ônibus quanto antes.

Ao chegar ao Paço Municipal, um trólebus partiu, mas logo percebi haver outro e suspirei. Com passos largos, alcancei o Mafersa da linha 20, que me levaria até o bairro do Gonzaga.

Molhado, chacoalhei um pouco a roupa, mas suportei, já que não estava tão frio assim. Não liguei, só queria sentar naquele banco acolchoado e relaxar.

De repente, uma garota morena e bem bonita, sentou-se no banco virado em minha direção. Para mim era uma bela visão. Tinha cabelos pretos e longos, pele rosada e belo corpo.

Ela acabou olhando para trás e viu mais bancos vazios. Levantou, passou a catraca e foi embora. Que pena! Esse foi meu pensamento, mas não deveria ter pensado isso se soubesse o que aconteceria a seguir. Até ali, a roda que movia minha vida não mudara de direção.

Nem deu tempo para lamentar o infortúnio de ver a morena ir embora. Olhei para fora resignado e então percebi que alguém havia sentado no mesmo lugar. Quando encarei, não pude conter meus olhos ao vê-la e percebi logo: ela era “simplesmente” linda!

Loira, com 1,70 m ou pouco mais, tinha cabelos além dos ombros e belos olhos verdes. Eles eram tão lindos que não pude resistir em dar umas fixadas, apenas para vislumbrá-los. Sua boca parecia perfeita em pele branca e ausente de pintas.

Bem vestida e deslumbrante, tinha um ar triste, no entanto. Por causa dessa impressão, refleti: o que essa linda mulher estaria pensando agora? Não havia resposta, porém, mais perguntas surgiram. Namorado? Marido? Dívidas? Vai saber.

Contudo, minha incapacidade de iniciar uma conversa me deixou desanimado, ainda mais que ela parecia fechada para b**e-papo. O ônibus elétrico começou a andar e, vez ou outra nesta breve viagem, eu passava os olhos nela.

Aquela “lindeza” superava suas formas sensuais, pensava eu. Por duas ou três vezes, não lembro, nossos olhos se cruzaram e fixaram-se por um segundo ou menos que isso. Era um pequeno ganho diante daquela beldade santista.

Ainda assim, sabia que um cara como eu, que nunca se achou bonito ou atraente diante das mulheres, jamais teria, alguém como ela. Pensamento ruim,  reconheço, sendo esse o meu estado naquele momento.

Entretanto, mal sabia que o curso já havia mudado e nem em um milhão de anos, poderia imaginar o que aconteceria naquela noite. Ah, destino! A escuridão já havia tomado Santos, quando o ônibus entrou na Avenida Ana Costa.

Pensei que desceria também no Gonzaga, onde eu iria comprar um livro, mas, de repente, ela se levantou e desceu na esquina da Rua Carvalho de Mendonça. Ainda tentei um último olhar, mas o trólebus avançou rápido. Voltei para a monotonia.

Deixei aquele sonho momentâneo ao despertar para a realidade: “cara, acorda! Você tem 25 anos e só ficou com uma garota, que era bem chata, por sinal”. Concordei e segui com o ônibus.

Comprei o tal livro, intitulado Deborah, o mais recente de Alexander Moriah, um desconhecido escritor santista. Havia lido um artigo de boa crítica e decidi comprá-lo, afinal, já conhecia o autor por outros dois títulos.

#

Comecei a ler já no caminho de volta, rumo à distante Zona Noroeste, onde fica o Jardim Rádio Clube. A casa alugada era uma edícula nos fundos de uma residência maior, do senhor Moacir. Conhecia a esposa dele desde os tempos de escola, a dona Letícia. O casal tinha três filhos e Amanda morava com eles.

Esta figura era, para mim, arrogante e cheia de si. Namorava o tal de Erick, um cara fortão, desses de academia. Bonita, tinha o corpo malhado, porém, o que tinha de atraente por fora, tinha de ruim por dentro, eu acreditava.

Na rua ficava meu Fusca 1500 1975 de cor azul. Estava impecável, contudo, faltava um regulador de voltagem para voltar a andar. Naquele dia, fiquei olhando para ele e pensei: “amanhã à tarde eu vou fazê-lo funcionar novamente!”

Bastava comprar o regulador e trocar para meu fusquinha voltar a andar após alguns dias. Esse era meu plano, porém, as coisas não saíram como desejava. Antes de entrar, Amanda, que estava no portão de sua casa, aproximou-se com aquele ar de deboche:

— Reginaldo, acabou de chegar essa carta para você. O carteiro “novamente” deixou na caixa errada…

— Obrigado Amanda, vou avisá-lo novamente.

Por dentro, sentia desprezo, mas, decidido a não me envolver mais, limitei a abrir o portãozinho e acessar o longo corredor. Pequena, a casa tinha um quarto, sala, cozinha e uma área com espaço de serviço.

Preferi morar ali do que na Nova Cintra, um bairro que fica no alto dos morros, também em Santos. É lá que moram meus pais e meus dois irmãos. Cansado, tomei um bom banho e aprontei algo para comer, após ver um jornal na TV. Então, retomei o livro, que começava por um encontro iniciado na internet.

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