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Capítulo 3 - Meu guia pelo mundo

Aquele abraço foi maravilhoso e, automaticamente, veio o primeiro beijo. Perdi-me em seus lábios e na pele macia junto à minha, que era tão suave quanto seda.

Notei que os olhos dela estavam marejados… Mas não rolou nenhuma lágrima. Após beijos posteriores, nos refizemos. Agora, não largaria aquela mulher por nada! Nem por ninguém!

Comecei a acariciar seus sedosos cabelos, como aqueles das embalagens de xampu. Num segundo abraço, ela observou o bonde.

— Vamos dar uma volta de bonde?

Elizabeth, com um ânimo renovado, queria aproveitar cada minuto daquele encontro. Ela não era mais a “loira do trólebus”, mas uma nova mulher. Minha mulher! Tinha de ser minha!

Nunca tive tanta determinação por algo ou alguém como naquele momento. Tomamos o bonde turístico num tour pelo centro.

Seus cabelos dançavam ao sabor do vento junto à janela, enquanto me olhava com um misto de paixão e agradecimento. Eu a salvara de si mesma. Naquele banco de madeira do bonde histórico de Santos — era o verde, o “camarão” — só ponderava tê-la comigo, estávamos felizes.

A cada sorriso, cada beijo, ela solidificava em mim sua paixão e, por que não, seu amor. Fiquei muito entusiasmado ao perceber que aquele passeio de bonde poderia ser o primeiro de muitos e disse isso. Avancei o sinal, pois não estávamos de fato namorando.

Ué, por que não? Formalmente, não. Ela me olhou de um jeito que pensei ter falado alguma besteira.

— Vamos para onde você quiser. Você, Reginaldo, será o meu guia pelo mundo! Eu te adoro!

Ela disse de uma forma que me emocionou, porém, me contive. Ainda não era a hora. Eu não era um cara chorão, mas meu problema era ficar segurando o que sentia. Mudei por causa dela e de outras coisas…

Descemos na estação do Valongo, mas não entramos no museu. Beth queria ir ao mosteiro, ao lado. Sempre aberto, aquele santuário com séculos de idade nos deixou adentrar. Elizabeth foi para um dos bancos e se ajoelhou.

Pouco ou nada católico, resolvi acompanhá-la assim mesmo. De cabeça baixa e com as mãos juntas, eu só pensava nela, em mais nada. Depois de um minuto, cansei. Sentei e a observei orando como se fosse um anjo. Um anjo que mudara meu destino.

Ajoelhada na espuma posicionada no apoio do solo, ela virou-se e sorriu. Ao sentar, disse que agradecera a Deus por aquele momento, mas seus olhos marejaram e uma lágrima caiu… Soltei ali minhas amarras e mergulhei os meus na sopa salgada que os protege.

Abraçamo-nos e pedi a Deus que fizesse por ela, o que havia pedido. Ao sairmos, percebemos que o bonde fora embora, deixando-nos, mas pelo menos estávamos juntos.

Lágrimas que dizem: sim!

Ao chegarmos à Praça Rui Barbosa, após andarmos pela Rua do Comércio inteira, Beth lembrou-se que havia marcado com uma amiga para ir ao cinema. Ela sustentara o convite, porque achava que, mesmo conhecendo o tal “Regi25”, ainda reservaria tempo para Kelly, sua melhor amiga.

— Vou ligar para Kelly e dizer que levarei uma “pessoa” comigo.

Falei que não haveria problema, que as duas poderiam ir sozinhas, mas, nessa altura, o destino não era mais meu. Iria para aonde Beth mandasse e, naquele momento, era para irmos ao cinema, mas sem a Kelly.

Logo ao contar a “novidade”, do outro lado do celular, Kelly abriu mão gentilmente do convite. Disse precisarmos daquele dia para nos conhecer melhor. Elizabeth entendeu que a amiga estava certa. É para isso que os verdadeiros amigos existem. Apoiam-nos, mesmo renunciando a si mesmos.

Já de volta à Mauá, no ponto da Linha 20 — sim, fizemos questão de tomar aquela rota — outra coincidência. O próximo ônibus a sair era do mesmo horário de sexta: 18h30 e achamos graça daquela situação. Sim, a engrenagem que move o mundo, continuava a girar e nos encaixar em seus planos.

— Regi. Queria te dizer uma coisa — disse séria.

Concordei com a cabeça.

 — Eu não quero voltar a ser a Elizabeth de ontem. Hoje, eu sou sua. Sua Beth. É essa mulher que quero ser a partir de agora. Cansei de sofrer e preciso viver! Acredito que tudo conspira para que isso aconteça ao seu lado.

Um frio percorreu o meu corpo, me arrepiei todo. Meu pensamento era um só e então verbalizei:

— Aquela mulher morreu com aquele homem ontem. Hoje sou novo também, assim como você diz. Eu te quero e não deixarei você voltar ao que era, se você assim o desejar. Caso queira isso, será minha até o fim.

Beth então derramou lágrimas e comecei a me emocionar também. Não houve um pedido de namoro. Nem um “sim” sequer. Não teve joelho no chão e nem uma cena romântica.

Aquele era o nosso momento, de nos limparmos do passado e abrirmos o caminho para o futuro. Refeitos após um prolongado beijo, limpamos nossos olhos molhados.

Como uma carruagem romântica, que para na porta da igreja, o trólebus da Linha 20 estacionou bem ao nosso lado. Era um convite. Desta vez, entraríamos naquele ônibus como duas pessoas novas e unidas, em um sentimento que era maior do que pensávamos.

#

Fomos ver Simplesmente Amor, que estava em cartaz num cinema do Gonzaga, mas ficamos um bom tempo para ver a sessão seguinte. Com pipoca e bebida, nos abraçamos e comemos vendo aquele filme.

Confesso que não prestei muita atenção. Meus olhos e sentidos eram todos dela, pois, tudo em mim era voltado para Beth. Dali em diante, não estava mais sozinho, tinha de cuidar daquela maravilhosa ninfa que veio dos Elísios.

Da hora do almoço até ali, tudo fora inesquecível. Após o filme, andamos até a praia e ficamos próximos da fonte da Praça das Bandeiras, observando o mar. O tempo passou entre beijos, abraços, afagos…

“Com Elizabeth era como estar entre os deuses”, pensei. Quando Cronos acelerou o tempo, percebemos que já era tarde. Eu ia pedir um táxi, mas Beth preferiu ir de ônibus. Os 20 minutos extras seriam um tempo a mais comigo. Ligou para casa e avisou estar indo embora.

Já era quase meia-noite e o dia havia sido longo, mas eu não estava minimamente cansado. Quando chegamos à sua casa, alguns quarteirões da Avenida Ana Costa, pensei que a despedida seria rápida, mas fora uma hora dizendo a ela que já estava indo…

Sabe como é, né? Não dá para dizer tchau, pronto e acabou.

Demorei no trajeto para casa e ao chegar, dei um toque em seu celular, indicando haver chegado bem. Beth retornou e disse:

     — Boa noite, meu amor.

Gostei muito do “meu amor”. Depois dessa, fui levado por Hipnos para um sono merecido. Feliz e extasiado, um novo Reginaldo nascera e uma nova vida começava a partir daí.

Meu mundinho

O domingo amanheceu de um jeito diferente… Era o primeiro dia em que eu acordava sob os cuidados de outra pessoa, que não fosse a minha mãe, é claro. Agora pertencia a ela e aquele sentimento me deixava muito feliz.

Antes que eu pudesse chegar ao banheiro, meu celular tocou. Levei um pequeno susto, mas sabia quem podia estar ligando naquele momento.

— Bom dia! Tudo bem com o senhor?

Beth, do outro lado da linha, disse palavras que eu precisava ouvir para começar bem o dia.

     — O dia começou ótimo! — respondi.

Ela deu risada e, com aquela voz doce que poderia me acalmar em qualquer situação, continuou:

— Ainda bem que seu dia começou assim, pois o meu também. Infelizmente, não sei se eu te disse ontem, mas terei que pajear meus tios que chegam logo.

Elizabeth não havia falado nada ou talvez tivesse esquecido. Senti uma ponta de arrependimento em sua voz. Claro, ela não queria estar lá e sim comigo, contudo, não escondi minha decepção ao responder. Ela sabia como me sentia naquele momento.

— Tudo bem, minha linda! Não sumirei não. Ficarei em casa para arrumar umas coisas e fazer meu Fusca funcionar de vez e logo passearemos com ele.

Nesse momento, me lembrei de que havia uma loja de autopeças em São Vicente, que abria também aos domingos. Pronto! Poderia finalmente colocá-lo para andar. Aquilo me animou, mas também a ela, que respondeu:

— Sim, será ótimo! Como disse ontem, você é meu guia por este mundo. Me leve até onde possamos ir. Eu, você e ele, formaremos um trio inseparável…

— É claro, meu doce. Passaremos momentos maravilhosos a bordo do meu “bólido”.

Notei a risada dela e completei:

— Mas, você terá de me ajudar com ele, viu?

 Rimos, pois, ela sabia bem que o Fusca era um carro antigo, fadado sempre a dar problemas. Seu pai possuía um Chevrolet Opala 1973, dissera ela.

— Vou deixar você agora, pois parece que eles chegaram.

Ela falava de William, outro dos “britânicos”, mas não consegui responder. Elizabeth me animou:

— Não se preocupe. Eles não devem ficar até muito tarde. Aí, quando forem embora, ligo para você e saímos ainda hoje. Quero muito estar com você!

— Sim, meu amor, vamos sair com certeza. Se ele não pegar, vamos do jeito que nos encontramos.

— Então tá. Um milhão de beijos! Muitos beijos! Até daqui a pouco!

— Para você, uma infinidade de beijos, minha linda! Até…

Ela riu e desligou. Bom, agora eu tinha uma missão: limpar a casa, o que era tarefa fácil, pois, sempre fui organizado. Além disso, precisava ainda ir até à loja e comprar a peça do Fusca.

Assim o fiz e, nesse meio tempo, minha mãe ligou. Falamos brevemente, mas eu não tinha intenção de subir o morro, não naquele dia. Enquanto ainda dava uma “geral” rápida em casa, ouvi uma música vinda da casa da frente.

Estranhei o estilo. Romântica? Só podia ser a dona Letícia, uma “senhora” de 45 anos. Morena, ela era bonita, mais até que a filha, Amanda. Seus olhos castanhos claros devem ter afetado demais seu Moacir há alguns anos… Achei graça nesse pensamento meu, mas, obviamente, poderia estar certo disso.

Contudo, o som não vinha da cozinha, onde geralmente ela ficava e nem da sala. Pelo tempo que eu morava ali, sabia exatamente de onde saíam os sons, mas este vinha do quarto de Amanda.

Guilherme Arantes? Pensei: “nossa… Ela só ouve aqueles sons pop atuais e nada muito além”. Devia estar inspirada, ponderei. Não liguei mais para isso, nem deveria. Nunca gostei dela, pois, sempre me pareceu antipática.

Naquela altura do campeonato, meu time estava jogando outra partida e essa eu não poderia perder. Ah! Se conhecesse os juízes desse torneio que estava ao meu favor…

Fui até a loja em São Vicente. Grande, ela tinha exatamente o que procurava: o tal regulador de voltagem.

“Comparativo”

Ao chegar, meu Fusca — todo empoeirado — me esperava silencioso, porém, se tivesse vida, estaria animado. Abri a tampa traseira e procedi como sabia.

Com as ferramentas que deixara no próprio e diminuto cofre do motor, comecei o serviço. Mexendo no Fusca 1500 1975 “azul calcinha”, nem notei uma presença próxima a mim.

Em pé, junto ao portão da casa da frente, Amanda observava o que eu fazia. Encarei-a e notei que seu rosto estampava curiosidade. Com um shortinho jeans bem minúsculo, ela deixara à mostra suas pernas bem torneadas e atraentes.

Minha análise visual de Amanda me afetou exatamente 0%. Não, talvez uns 10%… Naquele momento, eu era o cara mais fiel do mundo! Sim, merecia uma medalha de honra da Associação de Esposas, se esta existisse, é claro.

Ela rapidamente veio em minha direção e, com aquele ar de deboche que lhe era próprio, perguntou:

— Regi, agora esse Fusca anda, não é mesmo?

Com olhar de decepção com o ser humano, devolvi:

— Com certeza! Já até acabei.

Levantei e disse:

— Agora é só ligar e ele estará “zerado” de novo.

Olhei para ela com aquele ar de segurança, não só pelo Fusca que ia funcionar, mas também por ser um “novo” Regi. Sorri levemente, enquanto ela me fitava com ar de quem torce pelo contrário. Dei partida e o motor boxer refrigerado a ar pegou sem delongas, cuspindo uma breve fumaça branca.

Corri até o motor e mantive a rotação alta, acelerando pelo cabo preso ao carburador. Então, ajustei a alimentação como aprendi com o Fusca do meu pai, um 1300 1970.

Amanda, de braços cruzados, parecia séria. Mas, ao perceber que eu olhava direto em seus olhos castanhos claros, como os de sua mãe, ela sorriu levemente.

— Finalmente Regi… Parece que agora ele vai — disse, mexendo rapidamente em seus cabelos castanhos escuros.

Com um rosto levemente arredondado, Amanda tinha um nariz de tamanho médio e uma boca pequena. Não era feia, nem de longe, porém, Elizabeth era mais bonita, mesmo com seu nariz um pouco mais arrebitado que o da minha vizinha.

Ali, diante de Amanda, comecei a fazer um comparativo, infeliz, diga-se de passagem. Não entrarei em mais detalhes, mas, naquele momento, minha Elizabeth levava larga vantagem. Nem era por ser loira de olhos verdes, contudo, eu não estava vendo o todo…

Entendo que o mundo dita regras, mas quando o assunto é mulher, não tenho preferências tão específicas. Claro, se for feia não dá muito entusiasmo, mas enfim… Desligando o carro, notei que Amanda mirava a rua com olhar perdido.

Devolveu-me a atenção e voltou ao portão, adentrando rapidamente. Pensei comigo: como ela teve a “manha” de vir até aqui para me encher o saco?  Deixei para lá e levei o carro para uma limpeza.

Não demorou e Elizabeth ligou. Queria saber se eu já havia almoçado e arrumado o Fusca. Respondi que ainda não comera nada, mas daria um jeito. No caso do VW, estava de banho tomado e pronto para ela.

— Tadinho de você… — disse Elizabeth.

Pensei: “eu a deixarei cuidar de mim para sempre!” Durante a semana, nem sempre eu almoçava. Fazia lanche e estava feito… Não sabia ainda, mas meus hábitos alimentares mudariam dali em diante.

— Que bom que seu Fusca está pronto. Quero andar logo mais, viu?

Beth, com ar mais animado, me revelou que o almoço saíra pontualmente meio-dia. Regras da casa, disse ela. Pensei: “meu Deus me salve da pontualidade britânica!”.

— Meu amor, eu vou ter que desligar. Mas, quando eles partirem, retorno e você vem!

Concordei. Ficaria esperando ansiosamente e após os beijos protocolares, o botão de on/off do aparelho parecia ser a ponta de uma agulha. Era difícil dizer tchau, mas era preciso. Voltei para casa, porém, parei num barzinho que servia refeição.

Sem a “patrulha” de Amanda por perto, entrei pelo meu portão estreito em segurança. Tentei ver TV, mas domingo, mesmo com canais a cabo, não era tão legal, então, cochilei sentado em meu sofá e sonhei.

O lugar parecia uma praia. Não, aquilo não era uma praia, mas um deserto. No horizonte, além das ondas de calor que enganavam simulando o mar, em pé e vestido de cinza, havia alguém que me fitava.

Pensei que fosse um homem, mas apertei os olhos sob aquele céu estranho, como uma penumbra, e percebi que seus cabelos eram negros como breu. Não sei por que, mas senti medo. Quem seria? Não consegui ir adiante… Atrás de mim, ouvi uma voz:

— Regi, me salva! Me salva agora!

Soou familiar, mas ao me virar, divisei somente minha rua e sem meu Fusca. Escura e fria, chovia sobre ela… Então, um alerta me fez acordar: meu celular. Beth acabara de ligar e me salvar daquele que estava se transformando num pesadelo.

Atordoado, ouvi sua voz doce no fone e meu coração desacelerou. Já era quase 17 horas. Como havia dormido tanto? Ainda me refazendo, Beth perguntou se tinha me acordado. Confessei que sim, mas que não ligava para isso.

Amável como sempre, ela se lamentou e pediu desculpas.

— Não precisa se desculpar, meu amor. Eu precisava acordar mesmo — respondi.

Em realidade, precisava sair daquele sonho ruim, isso sim. Combinamos de nos encontrar à noite, às 19h na porta da casa dela. Ficamos pouco tempo no celular, pois, ela precisava se despedir do tio William e da tia Margareth.

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