4- Pai e filho

Luma

“— Passei aqui apenas com a intenção de me distrair um pouco e ir embora. Provavelmente jamais voltaria. Mas conhecer você, me deu motivos pra voltar

A fala do desgraçado do Gabriel antes de passar pela porta do quarto ronda minha mente e não consigo esquecer. Taco um travesseiro na porta no instante em que ela é aberta e quem leva a travesseirada é a Camila e não a peste do Gabriel.

— Ei, o que aconteceu? — fala ela assustada. — Nice mandou subir para ver como você está. Tem mais de três horas que ele foi embora e você não desceu. Ele fez alguma coisa a você?

Bufei, precisava muito falar com alguém. Nunca falei muito sobre ele, aquele canalha que destruiu minha vida.

— O que ele fez não pode ser reparado, Camila.

— Como não? Se ele agrediu ou a humilhou, deve ser punido.

Balancei a cabeça em negação.

— Ele me humilhou, me agrediu, mas não foi agora.

Os olhos dela ficaram confusos.

— Como assim? Você já o conhecia?

— Infelizmente sim, Camila. Ele é o pai do Kayo.

— O quê? — Espanta-se e desaba na cama no mesmo momento que me levanto.

— É isso que ouviu. Ele me abandonou grávida e destruiu a minha vida. Foi muito mais fácil fugir e construir uma fábrica de laticínios com a família na cidade grande. Foi bem mais fácil ficar rico, ficar ainda mais rico, enquanto eu tinha que ganhar a vida me deitando com homens estranhos.

Havia andado até a janela e via a água cair nos jardins. Chovia forte e por isso a casa ficou vazia hoje.

— Meu Deus, Luma, por que não nos avisou? Sei lá, dava um sinal qualquer. Não precisava ter vindo para o quarto com ele.

Me virei para Camila que ainda me olhava com seus olhos escuros arregalados.

— Ele vai voltar. Vai voltar por minha causa.

— Não te reconheceu?

— Não, pelo menos não pareceu. Disse que essa época do ano é muito difícil para ele e que precisa se distrair. Um amigo indicou a mansão a ele e então veio conhecer.

— Essa época do ano... coincide com a época que foi abandonada?

— Coincide com o nascimento do Kayo. Nosso filho está perto de fazer onze anos, ele deve ter feito as contas e soube o mês em que o menino nasceu.

— Que história, Luma. Vai continuar atendendo esse homem?

— Vou, quem sabe ele não solta o que aconteceu pra mudar de ideia tão rápido.

— Mas atendê-lo pra ficar nesse estado, não sei se é bom pra você. Mesmo sendo profissional, deve ter sido muito forte deitar-se com ele novamente.

Uma lágrima subiu aos meus olhos no mesmo instante e passei a mão neles com raiva.

— É minha oportunidade de tentar descobrir direto da fonte o que aconteceu. — Vou ao banheiro lavar o rosto e retocar a maquiagem. Em poucos minutos estou pronta novamente. — Vamos voltar ao trabalho.

Camila sorriu e veio atrás de mim.

— Vamos.

***

Dois dias depois

— Mamãe, eu gostei desse aqui.

Estávamos procurando um salão para fazer a festa de onze anos de Kayo. O lugar que estamos visitando agora tem tudo o que ele quer: piscina, campo de futebol, cavalo para fazer passeios e sala de jogos. É um mini sítio. Um ambiente com um aspecto bem rural, parece que até o gosto por coisas do campo ele herdou do pai.

— Então será aqui, meu filho.

— Ebaaaa — grita e corre pelo campo — Posso montar um cavalo?

— No dia poderá.

— Não, mamãe, eu quero montar agora.

— Ah, filho, isso eu não sei se o moço vai deixar.

Olho para a face do senhor que está nos atendendo em nome dos donos.

— É claro que pode, senhora. Venha, rapazinho, vou te ajudar a montar.

O senhor leva meu filho para onde os cavalos ficam guardados e eu pego meu telefone para ver o porquê de estar vibrando tanto.

Mais de dez mensagens de Nice; umas vinte de Camila e uma chamada não atendida de Janaína. O que essa mulherada quer de mim?

“O que aconteceu?” — Mando mensagem para Nice.

“Ele está aqui” - Ela me responde de imediato e eu não consigo mais respirar com a possibilidade.

“Ele, quem?” — pergunto só pra ter certeza.

“Você sabe quem, seu cliente, o Gabriel.”

“Mas não está em horário de atendimento” - contesto.

“Falei isso, mas ele disse que não veio para isso. Quer só conversar com você.”

Começo a pensar que possa ter finalmente se lembrado de mim ou que simplesmente descobriu algo... começo a suar frio.

“Ele disse o que quer de mim?”

“Só que quer conversar”

“Será que ele descobriu? Ou pode ter se lembrado de mim?” — Depois que saí do quarto naquela noite, contei a todas que aquele homem era o pai do meu filho.

“Se descobriu não falou nada nem deu a entender.” — Suspiro e penso no que vou escrever.

“Não posso ir agora, estou alugando o salão para a festa do Kayo”

Nice visulisa, mas não responde. Um minuto depois começa a digitar.

“Ele disse que vai encontrar com você.”

Fico nervosa imediatamente.

“Diz a ele que não precisa e que ele pode voltar mais tarde”

Mais uma vez ela demora um pouco a responder.

“Ele já está na porta, só esperando você dar o endereço”

Meu Deus, como ele é insistente. Vejo Kayo passar montado no cavalo com o senhor segurando a rédea para ele e guiando o animal. Meu filho acena para mim, orgulhoso.

Aceno de volta.

“Estou no salão das Flores, Kayo está encantado com o lugar. Até montou cavalo.”

“Ele disse que sabe onde é e que está indo aí. Eu queria muito ver Kayo montado a cavalo”

“Verá no dia da festa. O que será que ele quer comigo?”

“Estou tão curiosa quanto você”

Vejo que chega mais mensagens, mas não vou abrir agora. Estão só curiosas.

Fico nervosa porque Gabriel vai chegar e eu não sei o que fazer. Não posso distratar um cliente e não sei se ele descobriu alguma coisa sobre nosso passado. No mesmo instante Kayo vem correndo na minha direção e tomo consciência que meu filho conhecerá o pai sem saber quem ele é de verdade e o mesmo posso dizer de Gabriel. Fico ainda mais nervosa e minhas mãos começam a suar outra vez.

— Você está bem, mamãe? — meu filho questiona e me olha curioso.

— Estou bem, filho, só estou com fome. Quer ir almoçar?

— Também estou com fome, onde vamos?

— Ah, não sei, você escolhe.

— Na pizzaria.

— Não pode almoçar pizza, filho. Que tal uma lasanha bem gostosa ou uma macarronada?

— Eu quero lasanha com muito queijo.

— Tudo bem, então vamos comer lasanha. Só vou acertar tudo com o senhor Manoel.

— Está bem — reponde animado.

Começo a pensar na possibilidade de ir embora antes que Gabriel chegue. Acerto tudo o que preciso com o senhor Manoel sobre o aluguel do salão e vou para o carro.

— Vem, meu filho, quer comer lasanha fria? — implico para que ele venha logo, pois está encantado com o lugar.

— É claro que não, mãe. — Ele se acomoda ao meu lado. Como já tem tamanho o suficiente, Kayo já senta no lado do carona.

Quando o portão se abre, vejo um carro estacionado. O senhor vai até o carro dele e então Gabriel sai do veículo, porém, antes que pergunte por mim, eu saio do meu carro. Nossos olhos se encontram e um lindo sorriso se expande pelo rosto dele.

— Oi, Lu.

O senhor percebe que nos conhecemos e se afasta, mas não quero perder tempo aqui.

— Oi, Gabriel. Me desculpe, mas já estava de saída.

— Estamos indo comer lasanha — Escuto a voz do meu filho. Tenho medo do que pode acontecer. — Você quer vir conosco?

Convidar Gabriel para almoçar é a última coisa que passou por minha cabeça. As coisas podem sair do controle rapidamente. Torço para que ele não aceite.

— É claro que aceito, se a sua mãe não se importar.

Ele fala tão galante, parece tanto com aquele Gabriel em quem eu confiei minha vida e meu futuro, porém por causa dele acabei onde estou. Vou até ele, não posso me ferir ainda mais.

— Me desculpe, Gabriel, mas o que temos é profissional, e... — Mas ele me cala colocando um dedo sobre meus lábios.

— Só é profissional no seu local de trabalho, e eu queria muito conhecer a Lu que é uma mulher batalhadora... — ele desvia o olhar para o meu filho ao lado da porta do carro - uma mãe carinhosa; a mulher que existe por trás dessa máscara de profissional.

— O que queria conversar comigo? — Consigo falar.

— Queria te convidar para jantar — Ele olha para meu filho novamente — Mas almoçar está de bom tamanho, por hoje. — Ele foca em meus olhos. — Você tem olhos lindos... me lembra os olhos de... alguém. — Seu sorriso é um pouco triste. Sinto meu coração se apertar.

— Vamos almoçar, então — Me afasto de seu toque.

Volto para o meu carro e me sento ao volante. Meu filho volta a se sentar e logo questiona.

— Quem é ele, mamãe?

— Só um conhecido, filho. Ele vai almoçar conosco.

Fico pensando em como será esse encontro de pai e filho. Será que mesmo sem se conhecerem haverá uma conexão entre os dois?

— Ele parece ser um cara legal.

— É, um cara muito legal.

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