3- Traições do passado

Gabriel

— Onde estava em um dia chuvoso, como hoje, até a essa hora? — meu pai cobra.

Ele havia entrado na minha sala e me esperado ali. Me sento na cadeira confortável, cruzo os braços sobre o peito e respiro fundo. Meu dia melhorou centenas de níveis depois da visita a casa de dona Nice, não permitirei que meu pai e suas cobranças intermináveis acabe com meu dia.

— Relaxando.

— Não ache que tem poder absoluto só porque é o tal do CEO da empresa, só ocupa esse cargo porque eu entendo mais de boi e vaca que de administração, mas posso muito bem colocar outro em seu lugar.

— Então vai em frente, pai. Coloque outro aqui no meu lugar, depois não reclame — Me levanto e vou pegar um copo de uísque na estante de bebidas em minha sala — Sabe que essa época do ano é difícil para mim.

— Ainda não superou a vadiazinha? — Engulo a bebida amarga em um gole só.

— Jamais. Mas hoje eu conheci uma mulher que... — Retornei para a minha cadeira e me sentei novamente — O senhor sabe, há muito tempo nenhuma mulher mexia comigo como esta.

Meu pai levantou uma sobrancelha e me olhou de lado.

— Conheceu hoje essa moça?

— Conheci.

— E estava com ela até agora?

— É, eu estava.

— E onde é que estava com essa moça?

Remexo na cadeira incomodado. Como dizer a meu pai que a mulher que me encantei, além de não me dar a mínima, é uma prostituta?

— Pai, acho que estamos perdendo tempo com coisas que não são importantes. Sabe que depois da Luma não me envolvi com nenhuma outra mulher, e pretendo continuar nesse caminho.

— A Rosa é uma boa moça, já falei que deve casar e ter herdeiros. Você é meu filho único. Para quem irá toda nossa fortuna depois que eu e você morrermos?

— Pretendo viver por muitos anos ainda, meu pai. Vamos deixar esse assunto para um futuro bem distante.

— Ainda acho que deveria dar uma chance a Rosa, ela é uma menina de ouro.

— Pai, vamos falar de negócios?

Finalmente o velho assente e começamos a falar do que realmente precisamos. Mas enquanto ele discursa sobre a multiplicação de nossa produção, meus pensamentos voltam há mais de uma década.

Luma era uma moça tão linda, tão meiga e parecia me amar tanto. Parecia tão entregue e sincera, uma moça de família humilde, mas muito respeitosa.

Não sei por quê, mas meu pai não gosta do pai dela de jeito nenhum e quando soube que eu estava gostando da garota, jurou que me separaria dela. Por isso decidimos fugir. O pai dela também não aprovaria a relação, e estávamos tão apaixonados... mas tudo deu errado de uma forma tão terrível...

“— Vamos fugir, meu amor, não se preocupe com isso.  Beijo os lábios rosados de Luma.  Só preciso de dois dias. Vou reunir cada centavo que tenho e ver onde podemos morar e então nós fugiremos.

— Gabriel!  escuto meu pai me chamar.

— Preciso ir, antes que meu pai venha atrás de mim e nos encontre aqui. Faça como sempre, espere o sinal do Rafael e vá pelo lado da cerca.

— Eu sei  sorri parecendo nervosa  É sério que ficou feliz com a notícia, Gabriel?

— É claro que fiquei.  Observei-a novamente. Ela vestia um vestido rosa novo, eu tinha dado aquele vestido para ela. Qual desculpa Luma deu para usar o vestido e seu pai não desconfiar eu não sei, mas o vestido caía perfeitamente em seu corpo.  Preciso ir. Vamos criar nosso filho juntos, Luma.  Sapeco mais um beijo nela.

— Estou ansiosa por isso, meu amor  Ela pega o chapéu branco que usava para disfarçar e ficar menos reconhecível e coloca sobre a cabeça e fica aguardando o sinal de Rafael. Saio do celeiro com um sorriso no rosto, serei pai. Terei um filho com a mulher que amo. Não me importo que sua família seja pobre; que nossos pais não se entendam. Eu a amo e vou assumir meu filho.”

Um dia tão bonito que começou tão bem, com tanta alegria e esperança...

— Gabriel, está me ouvindo? - Meu pai me tira de meus pensamentos.

Ele tem um mapa das novas instalações. Estamos ampliando a indústria de laticínios.

— É claro, pai.

— Pareceu que estava em outro planeta.

— Não, eu estava bem diante do senhor.

— Então, me diz o que acha do investimento que sugeri?

Que investimento? Droga, não ouvi uma vírgula. Mas lembro que ele disse que queria comprar mais vacas leiteiras. A quantia era alta, mas com as novas instalações, precisamos de mais animais.

— Compre, pai — Chuto e vejo o sorriso do meu pai se expandir. Acho que acertei.

— Acha mesmo? Não acha um investimento muito alto?

Droga, de quanto ele estava falando? Não posso perguntar ou perceberá que não ouvi uma vírgula do que disse. Luma me ferrou no passado e continua me ferrando.

— Eu acho que sim, mas confira com o balanço mensal da empresa e veja se é viável.

— Sabe que não sei nada dessas coisas, por isso está aí com esse rabo sentado na cadeira. — Sorrio para meu pai que se põe de pé e coloca o seu chapéu de boiadeiro inseparável na cabeça.

— Eu sei, por isso digo que acho que sim, mas é melhor verificarmos os números antes de qualquer decisão. Deixe a proposta com a secretária, ela vai apurar os dados e enviar para mim.

— Eu acho que é um bom investimento — defende ele.

— Eu também acho — afirmo e ele se vai, todo feliz.

Me recosto na cadeira e me viro para a imensa janela de vidro. Vejo os pingos de chuva escorrerem pela janela e então as lágrimas que verti naquele dia voltam com tudo em minha mente.

Meu coração foi partido ao meio, destruído sem dó nem piedade:

“— Ai, Gabriel, que bom que chegou  fala Rosa com os olhos arregalados, ela parece assustada.

— O que houve, Rosa, parece que viu um fantasma?

— Eu encontrei uma coisa...  ela começa a andar de um lado a outro, passando as mãos pelos cabelos  Ai, meu Deus, não sei se deveria te falar isso. Afinal, é meu irmão...

— O que aconteceu com seu irmão, Rosa? Estou ficando assustado. Rafael não veio trabalhar hoje?

— Ele veio... mas não é isso, Gabriel.

— Pare de andar de um lado a outro, Rosa  Seguro seu braço e ela me encara com seus grandes olhos negros como duas jabuticabas  E me conte de uma vez o que aconteceu.

— Isso aconteceu, Gabriel  ela fala e estende um bilhete para mim  Estava na gaveta do Rafael. Antes que me pergunte como achei, fui guardar as roupas dele a pedido da mamãe e... Grabriel? - Sinto as mãos finas de Rosa segurar meus braços quando minhas pernas perdem as forças - Está vendo, este é um dos motivos que não queria te mostrar.

No bilhete, com uma letra que parecia muito ser a de Luma, estava escrito: Rafael, hoje contarei a Gabriel sobre a gravidez e com certeza ele acreditará que o filho é dele. Nos encontramos na nossa árvore. Te amo. Luma.

— Onde é essa árvore?  questiono sem ar.

É impossível acreditar que tudo foi uma mentira, que ela me enganou. Meu pai tinha razão quando dizia que Luma era só uma interesseira, ela gosta mesmo é do Rafael. Por isso via tanto os dois juntos.

— Não sei se devo, Gabriel. Olha pra você? Está descontrolado...

— Não estou descontrolado, Rosa. Se não me falar que árvore é essa, vou procurar sozinho.

— Tudo bem, mas vai me prometer que não vai fazer nada. Vai simplesmente voltar pra casa independente do que ver.

— Prometo, mas me leve até lá.

— Vou levar onde acho que é essa tal árvore, porque Rafael sempre fica com um olhar sonhador sob sua sombra. Mas pode não ser o local do encontro...

— Tudo bem, eu entendi, agora me leve lá de uma vez.  Amasso o papel e jogo no chão, aos pés de Rosa que acaba de amassá-lo com seus sapatos novos escuros.

Sigo Rosa, pensando se eu não devo voltar da  metade do caminho, afinal, só pode ser um engano. Luma não é esse tipo de garota. Ela não faria algo deste tipo.

Atravesso a porteira por onde geralmente Luma passa e a alguns metros sob a sombra da árvore, como Rosa havia dito ver seu irmão com olhar sonhador, no qual agora vejo a explicação para tal atitude: os rosto dos dois está escondido pelo chapéu branco de Luma, mas é possível ver sua silhueta esbelta, o vestido rosa que eu havia dado e seus cabelos loiros escapando pelas bordas do chapéu. Ela está mesmo me fazendo de idiota.

O sangue ferve e eu dou um passo na direção do casalzinho feliz que se beijava. As mãos de Rafael estavam na barriga dela, sinal de que ele sabe da gravidez. Ato que entrega que ele sabe que o filho é dele, tamanho o carinho que ele toca a barriga ainda plana. Mas antes que eu possa avançar, sinto os dedos finos e frios de Rosa em meus braços quentes de ódio.

— Você prometeu  ela disse e bufando de raiva voltei para casa.

Sem contar nada a ninguém naquele momento, disse somente que queria ir embora dali. Meu pai, sempre compreensivo, atendeu meu pedido e em dois dias, quando eu deveria fugir com Luma, saí da Cidade e fui levado pelos meus pais a outra distante, onde ali, aos poucos construí nossa indústria de produtos Laticínios.”

Aquele dia foi o pior de todos para mim. Depois contei ao meu pai o motivo pelo qual quis sumir daquele lugar e esquecer Luma. Minha mãe ficou decepcionada com a atitude da minha namorada, afinal ela era a única que me apoiava em meu relacionamento. E então, todos percebemos o quanto estávamos errados com relação a ela. Aquela que sempre foi uma mulher interesseira, uma vadia vestida de boa moça. Mas graças a Rosa, a mesma que hoje é minha secretária, uma mulher de confiança que sempre esteve ao meu lado nos piores momentos, eu pude me libertar de um golpe.

Mas depois do que sofri, jurei a mim mesmo que nunca mais deixaria mulher alguma entrar em meu coração, fazer parte da minha vida, mas a mulher de hoje, a Lu, com toda sua indiferença, mexeu comigo de forma inexplicável.

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