Gabriel
— Onde estava em um dia chuvoso, como hoje, até a essa hora? — meu pai cobra.
Ele havia entrado na minha sala e me esperado ali. Me sento na cadeira confortável, cruzo os braços sobre o peito e respiro fundo. Meu dia melhorou centenas de níveis depois da visita a casa de dona Nice, não permitirei que meu pai e suas cobranças intermináveis acabe com meu dia.
— Relaxando.
— Não ache que tem poder absoluto só porque é o tal do CEO da empresa, só ocupa esse cargo porque eu entendo mais de boi e vaca que de administração, mas posso muito bem colocar outro em seu lugar.
— Então vai em frente, pai. Coloque outro aqui no meu lugar, depois não reclame — Me levanto e vou pegar um copo de uísque na estante de bebidas em minha sala — Sabe que essa época do ano é difícil para mim.
— Ainda não superou a vadiazinha? — Engulo a bebida amarga em um gole só.
— Jamais. Mas hoje eu conheci uma mulher que... — Retornei para a minha cadeira e me sentei novamente — O senhor sabe, há muito tempo nenhuma mulher mexia comigo como esta.
Meu pai levantou uma sobrancelha e me olhou de lado.
— Conheceu hoje essa moça?
— Conheci.
— E estava com ela até agora?
— É, eu estava.
— E onde é que estava com essa moça?
Remexo na cadeira incomodado. Como dizer a meu pai que a mulher que me encantei, além de não me dar a mínima, é uma prostituta?
— Pai, acho que estamos perdendo tempo com coisas que não são importantes. Sabe que depois da Luma não me envolvi com nenhuma outra mulher, e pretendo continuar nesse caminho.
— A Rosa é uma boa moça, já falei que deve casar e ter herdeiros. Você é meu filho único. Para quem irá toda nossa fortuna depois que eu e você morrermos?
— Pretendo viver por muitos anos ainda, meu pai. Vamos deixar esse assunto para um futuro bem distante.
— Ainda acho que deveria dar uma chance a Rosa, ela é uma menina de ouro.
— Pai, vamos falar de negócios?
Finalmente o velho assente e começamos a falar do que realmente precisamos. Mas enquanto ele discursa sobre a multiplicação de nossa produção, meus pensamentos voltam há mais de uma década.
Luma era uma moça tão linda, tão meiga e parecia me amar tanto. Parecia tão entregue e sincera, uma moça de família humilde, mas muito respeitosa.
Não sei por quê, mas meu pai não gosta do pai dela de jeito nenhum e quando soube que eu estava gostando da garota, jurou que me separaria dela. Por isso decidimos fugir. O pai dela também não aprovaria a relação, e estávamos tão apaixonados... mas tudo deu errado de uma forma tão terrível...
“— Vamos fugir, meu amor, não se preocupe com isso. — Beijo os lábios rosados de Luma. — Só preciso de dois dias. Vou reunir cada centavo que tenho e ver onde podemos morar e então nós fugiremos.
— Gabriel! — escuto meu pai me chamar.
— Preciso ir, antes que meu pai venha atrás de mim e nos encontre aqui. Faça como sempre, espere o sinal do Rafael e vá pelo lado da cerca.
— Eu sei — sorri parecendo nervosa — É sério que ficou feliz com a notícia, Gabriel?
— É claro que fiquei. — Observei-a novamente. Ela vestia um vestido rosa novo, eu tinha dado aquele vestido para ela. Qual desculpa Luma deu para usar o vestido e seu pai não desconfiar eu não sei, mas o vestido caía perfeitamente em seu corpo. — Preciso ir. Vamos criar nosso filho juntos, Luma. — Sapeco mais um beijo nela.
— Estou ansiosa por isso, meu amor — Ela pega o chapéu branco que usava para disfarçar e ficar menos reconhecível e coloca sobre a cabeça e fica aguardando o sinal de Rafael. Saio do celeiro com um sorriso no rosto, serei pai. Terei um filho com a mulher que amo. Não me importo que sua família seja pobre; que nossos pais não se entendam. Eu a amo e vou assumir meu filho.”
Um dia tão bonito que começou tão bem, com tanta alegria e esperança...
— Gabriel, está me ouvindo? - Meu pai me tira de meus pensamentos.
Ele tem um mapa das novas instalações. Estamos ampliando a indústria de laticínios.
— É claro, pai.
— Pareceu que estava em outro planeta.
— Não, eu estava bem diante do senhor.
— Então, me diz o que acha do investimento que sugeri?
Que investimento? Droga, não ouvi uma vírgula. Mas lembro que ele disse que queria comprar mais vacas leiteiras. A quantia era alta, mas com as novas instalações, precisamos de mais animais.
— Compre, pai — Chuto e vejo o sorriso do meu pai se expandir. Acho que acertei.
— Acha mesmo? Não acha um investimento muito alto?
Droga, de quanto ele estava falando? Não posso perguntar ou perceberá que não ouvi uma vírgula do que disse. Luma me ferrou no passado e continua me ferrando.
— Eu acho que sim, mas confira com o balanço mensal da empresa e veja se é viável.
— Sabe que não sei nada dessas coisas, por isso está aí com esse rabo sentado na cadeira. — Sorrio para meu pai que se põe de pé e coloca o seu chapéu de boiadeiro inseparável na cabeça.
— Eu sei, por isso digo que acho que sim, mas é melhor verificarmos os números antes de qualquer decisão. Deixe a proposta com a secretária, ela vai apurar os dados e enviar para mim.
— Eu acho que é um bom investimento — defende ele.
— Eu também acho — afirmo e ele se vai, todo feliz.
Me recosto na cadeira e me viro para a imensa janela de vidro. Vejo os pingos de chuva escorrerem pela janela e então as lágrimas que verti naquele dia voltam com tudo em minha mente.
Meu coração foi partido ao meio, destruído sem dó nem piedade:
“— Ai, Gabriel, que bom que chegou — fala Rosa com os olhos arregalados, ela parece assustada.
— O que houve, Rosa, parece que viu um fantasma?
— Eu encontrei uma coisa... — ela começa a andar de um lado a outro, passando as mãos pelos cabelos — Ai, meu Deus, não sei se deveria te falar isso. Afinal, é meu irmão...
— O que aconteceu com seu irmão, Rosa? Estou ficando assustado. Rafael não veio trabalhar hoje?
— Ele veio... mas não é isso, Gabriel.
— Pare de andar de um lado a outro, Rosa — Seguro seu braço e ela me encara com seus grandes olhos negros como duas jabuticabas — E me conte de uma vez o que aconteceu.
— Isso aconteceu, Gabriel — ela fala e estende um bilhete para mim — Estava na gaveta do Rafael. Antes que me pergunte como achei, fui guardar as roupas dele a pedido da mamãe e... Grabriel? - Sinto as mãos finas de Rosa segurar meus braços quando minhas pernas perdem as forças - Está vendo, este é um dos motivos que não queria te mostrar.
No bilhete, com uma letra que parecia muito ser a de Luma, estava escrito: Rafael, hoje contarei a Gabriel sobre a gravidez e com certeza ele acreditará que o filho é dele. Nos encontramos na nossa árvore. Te amo. Luma.
— Onde é essa árvore? — questiono sem ar.
É impossível acreditar que tudo foi uma mentira, que ela me enganou. Meu pai tinha razão quando dizia que Luma era só uma interesseira, ela gosta mesmo é do Rafael. Por isso via tanto os dois juntos.
— Não sei se devo, Gabriel. Olha pra você? Está descontrolado...
— Não estou descontrolado, Rosa. Se não me falar que árvore é essa, vou procurar sozinho.
— Tudo bem, mas vai me prometer que não vai fazer nada. Vai simplesmente voltar pra casa independente do que ver.
— Prometo, mas me leve até lá.
— Vou levar onde acho que é essa tal árvore, porque Rafael sempre fica com um olhar sonhador sob sua sombra. Mas pode não ser o local do encontro...
— Tudo bem, eu entendi, agora me leve lá de uma vez. — Amasso o papel e jogo no chão, aos pés de Rosa que acaba de amassá-lo com seus sapatos novos escuros.
Sigo Rosa, pensando se eu não devo voltar da metade do caminho, afinal, só pode ser um engano. Luma não é esse tipo de garota. Ela não faria algo deste tipo.
Atravesso a porteira por onde geralmente Luma passa e a alguns metros sob a sombra da árvore, como Rosa havia dito ver seu irmão com olhar sonhador, no qual agora vejo a explicação para tal atitude: os rosto dos dois está escondido pelo chapéu branco de Luma, mas é possível ver sua silhueta esbelta, o vestido rosa que eu havia dado e seus cabelos loiros escapando pelas bordas do chapéu. Ela está mesmo me fazendo de idiota.
O sangue ferve e eu dou um passo na direção do casalzinho feliz que se beijava. As mãos de Rafael estavam na barriga dela, sinal de que ele sabe da gravidez. Ato que entrega que ele sabe que o filho é dele, tamanho o carinho que ele toca a barriga ainda plana. Mas antes que eu possa avançar, sinto os dedos finos e frios de Rosa em meus braços quentes de ódio.
— Você prometeu — ela disse e bufando de raiva voltei para casa.
Sem contar nada a ninguém naquele momento, disse somente que queria ir embora dali. Meu pai, sempre compreensivo, atendeu meu pedido e em dois dias, quando eu deveria fugir com Luma, saí da Cidade e fui levado pelos meus pais a outra distante, onde ali, aos poucos construí nossa indústria de produtos Laticínios.”
Aquele dia foi o pior de todos para mim. Depois contei ao meu pai o motivo pelo qual quis sumir daquele lugar e esquecer Luma. Minha mãe ficou decepcionada com a atitude da minha namorada, afinal ela era a única que me apoiava em meu relacionamento. E então, todos percebemos o quanto estávamos errados com relação a ela. Aquela que sempre foi uma mulher interesseira, uma vadia vestida de boa moça. Mas graças a Rosa, a mesma que hoje é minha secretária, uma mulher de confiança que sempre esteve ao meu lado nos piores momentos, eu pude me libertar de um golpe.
Mas depois do que sofri, jurei a mim mesmo que nunca mais deixaria mulher alguma entrar em meu coração, fazer parte da minha vida, mas a mulher de hoje, a Lu, com toda sua indiferença, mexeu comigo de forma inexplicável.
Luma“— Passei aqui apenas com a intenção de me distrair um pouco e ir embora. Provavelmente jamais voltaria. Mas conhecer você, me deu motivos pra voltar”A fala do desgraçado do Gabriel antes de passar pela porta do quarto ronda minha mente e não consigo esquecer. Taco um travesseiro na porta no instante em que ela é aberta e quem leva a travesseirada é a Camila e não a peste do Gabriel.— Ei, o que aconteceu? — fala ela assustada. — Nice mandou subir para ver como você está. Tem mais de três horas que ele foi embora e você não desceu. Ele fez alguma coisa a você?Bufei, precisava muito falar com alguém. Nunca falei muito sobre ele, aquele canalha que destruiu minha vida.— O que ele fez não pode ser reparado, Camila.— Como não? Se ele agrediu ou a humilhou, deve ser punido.Balancei a cabeça em negação.— Ele me humilhou, me agrediu, mas não foi agora.Os olhos dela ficaram confusos.— Como assim? Você já o conhecia?— Infelizmente sim, Camila. Ele é o pai do Kayo.— O quê? — Espa
LumaKayo e Gabriel riem o tempo todo, conversando como se se conhecessem há anos. Acabo sorrindo involuntariamente, afinal, o meu desejo sempre foi ver os dois assim: brincando, sorrindo, conversando, sendo amigos. Mas em seguida me lembro que para ele meu filho é só um estranho, é uma criança qualquer e isso me entristece imediatamente.— Me dá licença, por favor — peço e me levanto sem olhar para o rosto deles.Me direciono para o toilet do restaurante italiano que trouxe meu filho e consequentemente Gabriel.Chegando no ambiente privado, não seguro as lágrimas e elas rolam sem controle.Debruço-me sobre a pia e deixo toda a dor sair em forma de choro. Depois ergo a cabeça e lavo o rosto, tento jogar bastante água fria a fim de tirar todo o inchaço. Seco com o papel toalha e retoco a maquiagem. Não posso aparecer na frente deles com essa cara de choro.Peso mais no rímeo para tentar esconder a tristeza.— Lu? Você está bem? - Escuto a voz do Gabriel me chamar na porta do banheiro.
GabrielPasso a mão por cima de todos os papéis que estavam sobre a minha mesa e jogo todos no chão. O peso de papel que estava sobre eles vai junto fazendo um baita barulho e isso chama a atenção da minha secretária que invade a minha sala.— O que está acontecendo, Gabriel? — Rosa observa as folhas espalhadas pelo chão, a minha face de derrotado e os cabelos arrepiados. Quase arrebento os botões da camisa que usava na ânsia de me livrar daquele calor que me aplacava.— Nada, Rosa, pode voltar pra sua mesa.— Como nada? Olha pra você, Gabriel... está ... derrotado!— Não estou derrotado, estou mais vivo do que estive há anos.— Não parece, não com essa... aparência. Nem quando aquela lá te...— Nem complete essa frase, Rosa, para o seu bem — rosno e ela contorce a face.— Ainda a ama, não é? Você é um idiota!— Quer ser demitida? Saia da minha sala já! — Aponto para a porta e minha secretária deixa o cômodo sem mais questionamentos. Respiro aliviado.Rosa sempre foi amiga da família,
Luma— Eu acho que ele está gostando de você — comenta Camila, sentada ao meu lado à mesa do café da manhã.Meus dedos passam pelas pétalas da rosa vermelha que ele me deu. Coloquei-a no vaso com água sobre a larga mesa, entre as outras flores. Não a levaria para o meu quarto, onde o meu filho a veria e com certeza me questionaria sobre ela.— Não, Camila, ele ama a Luma.Ela balança a cabeça e sorri.— Mas a Luma é você, sua boba.— Mas ele não sabe. Eu só sou uma mulher da vida que lembra muito a mulher que ele amou.Repentinamente perco a fome e sinto vontade de me levantar da mesa.— Me dê licença.— Nunca foi de se abalar por homem nenhum, Luma, vai deixar isso acontecer agora? — Janaína fala. Penso em suas palavras, ela tem razão.— Não, eu não vou. Mas preciso ir ver algumas coisas sobre a festa do Kayo.Subo as escadas em direção ao meu quarto. Meu filho a esta hora está na escola. Tenho ido buscá-lo e de lá vamos resolver as coisas de sua festinha de aniversário, mas hoje est
Gabriel“— Sua pele é muito gostosa... — beijo a pele de Lu — macia... — mais um beijo, subindo por seu ombro — cheirosa...Levanto os cabelos loiros e levemente ondulados dela e deixo um beijo leve em seu pescoço, cheiro o seu perfume e ela geme.— Gabriel... — ela geme meu nome e eu fico louco. Giro seu corpo e prendo-a no colchão. Beijo sua boca com fome e saudade antecipada.— Tem certeza que não quer ir comigo? Conhecerá a fazenda da minha família, é muito bonito lá. Tem as comidas maravilhosas de Dona Ana e um belo riacho para tomar banho e nos refrescar, namorar... hum? O que acha?— N... Não... Gabriel — Sinto que ela sente dificuldade em negar, um lado dela quer ir, mas outro mais forte a impede. Tentarei convencê-la.— Por que nega se eu sei que você quer tanto ir? — pergunto enquanto passeio por seu corpo com minha língua.— Eu não posso... — geme, manhosa.— Por que não pode? — Ela abre os olhos como se uma nuvem em seus olhos começasse a se formar, a mesma que eu vi antes
Luma— Ficou louco, Gabriel?— Louco eu já estou, Lu, desde o dia que te conheci. Maluco vou ficar se partir e te deixar aqui.Caminho pelo quarto, enrolando o cabelo em um coque. Gabiel apareceu cedo como tem feito desde o dia que nos conhecemos, mas sua atitude está me deixando muito confusa.— Já falei que não posso viajar, e também não posso ficar no seu apartamento. Isso é loucura!Ele continua com as chaves erguidas na minha direção. Eu não pego.— Fique aqui e quando chegar a hora vá para o meu apartamento, como se estivéssemos juntos. Pago por cada dia que for para lá, se esse for o problema.— O problema não é pagamento, é que não faz sentido eu ficar no seu apartamento. Não somos nada um do outro... e se algo quebrar? Ou se sumir... vai ficar tudo nas minhas costas.Ele se aproxima de mim, pega minha mão e a segura em concha depositando a chave ali.— Essa é a chave reserva. Pode ficar com ela e não só quando estiver viajando. Ela é sua para usar o dia que quiser.Me afasto
GabrielMal cheguei na fazenda e já tinha um monte de coisas pra resolver: o veterinário chegando pra dar vacina nos animais; a vistoria sanitária das vacas leiteiras e toda papelada acumulada de meses sem vir aqui. Mas na madrugada fui despertado por um motivo nobre: a minha égua estava parindo.Ela não era um animal jovem, mas tinha muita saúde.— A Genoveva, patrão — Um peão abre a porta do meu quarto em um rompante me despertando.— O quê?— Ela tá parindo! — fala com urgência e eu pulo da cama, vestindo uma calça. Imagino que algo esteja dando errado com seu parto devido a idade elevada da égua.— Como ela está? O que está acontecendo? — falo aflito, andando com velocidade pelo corredor.— Calma, chefe, ela parece estar bem. Só vim te chamar porque sei que tem chamego com a égua. E a bolsa acabou de estourar, o potrinho deve chegar logo, logo.Acelero o passo ansioso para ver minha égua que ganhei anos antes de sumir desta fazenda. Sempre que venho aqui, tiro umas horas para pass
— A senhora não vai entrar? — questiono como uma forma de incentivar a mulher.— Mãe, ele é o único disponível no momento. Ajuda, vai. — Com o pedido do filho, a mulher abaixa a cabeça e entra no veículo, mas manteve a boca fechada e os olhos meio leitosos observando a paisagem além da janela.Ela está pálida, com uma aparência muito frágil.Ao chegarmos no hospital, foi levada para a emergência. A mulher foi medicada, ficou em repouso e somente voltei de lá quando foi liberada pelo médico com uma pilha de remédios em sua mão. A senhora era diabética e tinha que lidar com a pressão alta e não havia posto médico próximo de onde morávamos.— A senhora está melhor? — pergunto ao vê-la se acomodar no banco do carro.— Vou estar melhor quando chegar em casa — ao falar dessa maneira, recebeu um olhar duro do filho. A mulher respirou fundo e voltou a falar - Mas obrigada, Gabriel, estou melhor, sim.João me agradeceu mais algumas vezes antes de deixá-los em casa e voltar para a fazenda. Não