2- Futuro inesperado

Luma

Meu coração dói, minha cabeça dói, tudo dói. Tremo de frio e chego a conclusão que morreremos, meu filho e eu. Sem ter onde recostar a cabeça, sem ter abrigo, acabarei doente e então morreremos. Talvez seja melhor assim.

Na verdade, começo a pensar se morrer não seria uma solução. Meu pai se sentiria culpado se descobrisse que me matei logo após ter me abandonado grávida? Gabriel sofreria pelo resto da vida sentindo o peso de sua decisão covarde?

Ponho-me de pé realmente considerando me enfiar na frente de um carro... carro não, um caminhão. Um caminhão, sim, poderia acabar com meus sofrimentos em poucos segundos.

— Ei, você está bem? — levanto os olhos com os cílios pesados da chuva e vejo um carro parado à minha frente.

Era um carro luxuoso e havia uma mulher no volante. Ela tinha o cabelo preto e curto, o batom vermelho destacava-se bastante em sua face.

Não respondo a sua pergunta, apenas a encaro. Ela estende o braço e abre a porta do lado do carona.

— Entra, sai dessa chuva, vai acabar ficando doente.

Estava prestes a acabar com a minha vida. Não tenho mesmo nada a perder, então eu entro naquele carro.

— Onde mora? — A mulher pergunta, mas não consigo responder. As lágrimas retornam com força — Tudo bem, vou te levar para o hotel onde estou hospedada e lá conversamos.

A mulher acelera o carro e eu nem faço questão de saber quem ela é, para onde está me levando, se tem intenção de me ajudar ou não... estou totalmente entregue.

Chegamos no hotel que ela havia mencionado. Era o mais luxuoso da cidade, o mesmo que empresários costumavam se hospedar quando vinham visitar a fazenda do pai do Gabriel. Só de lembrar dele, meu coração se enche de dor e ódio. Se meu filho e eu estamos passando por isso, é por culpa dele.

— Creio que não há nada seco nessa sua bolsa — comenta a mulher e eu ainda permaneço em silêncio — Você pode tomar um banho e colocar o roupão. Vou pedir para o hotel colocar suas roupas na secadora e pedir uma sopa quente.

— Obrigada — É tudo que consigo dizer.

— Não precisa agradecer.

Subimos de elevador com as pessoas olhando de maneira estranha para mim, mas não me importo com elas.

Ao chegar no quarto, tomo um banho e visto o roupão, depois chega a sopa quente que ela disse que pediria.

— Meu nome é Nice, qual o seu? — Observo melhor o rosto da mulher.

Na claridade do quarto dá para notar que ela não é uma mulher jovem, apesar de toda maquiagem e roupa chique e jovial.

— Luma.

— Poderia me contar o que aconteceu, Luma? Para te ajudar, preciso saber um pouco sobre você.

— Não tenho nada a contar, não tenha nada.

Ela me olha confusa, mas não abre a boca. Estou à espera do que vou dizer.

— Estou grávida e meu pai me colocou para fora de casa.

Tristeza e surpresa tomam a face da mulher.

— Ainda fazem isso? Sabe, quando eu era jovem era mais comum esse tipo de coisa, mas hoje em dia não sabia que ainda existem pessoas capazes disso.

Não respondo, apenas continuo a comer minha sopa quente.

— E o pai do bebê?

Olho para ela sem saber qual sentimento tinha mais força dentro de mim, se a dor ou o ódio.

— Ele fugiu.

Volto a comer a minha sopa.

— Então você não tem para onde ir nem ninguém a quem recorrer?

— Não.

Respondo simplesmente.

— Então, Luma, eu vou te fazer uma proposta e você tem até o final da semana para pensar. Volto para minha cidade em três dias e até lá pode ficar comigo aqui.

— Que proposta?

— Eu tenho um negócio... sou dona de uma… casa de prazeres, um prostíbulo de luxo. Você tem lindos olhos verdes, um rosto bonito e depois que seu filho nascer pode trabalhar para mim. Os clientes pagam muito bem, não terá que se deitar com homens imundos, somente homens de negócio frequentam a minha mansão. É bastante discreta e luxuosa. Poderá criar seu filho lá, não a forçarei que se afaste dele, como fazem em alguns lugares.

Me assusto inicialmente com sua oferta, se meu pai ouvisse algo assim ele se alteraria no mesmo instante. Mas de que me adiantou ser uma boa moça? No primeiro deslize fui colocada para fora de casa.

— E se eu não aceitar?

— Se não aceitar, não poderei fazer muito por você. Posso te levar a uma igreja, talvez eles tenham um abrigo onde possa viver. Mas não precisa responder agora, tenho negócios a tratar na sua cidade, então, enquanto estiver aqui, pode pensar.

Balanço a cabeça em concordância e levei tudo em consideração enquanto pensava.

Minhas roupas estavam secas, meus documentos foram recuperados e estava sendo bem alimentada por todos esses dias. Decidi tentar arrumar um trabalho, mas não consegui nada.

Primeiro fui a uma lanchonete que estava precisando de atendente, estava tudo certo até o cara reparar na minha barriga. Logo ele disse que em breve eu não conseguiria ficar de pé e mais um monte de coisa e então disse que não poderia me contratar. As experiências seguintes não foram diferentes.

Tentei casa de família, mas todos negavam quando reparavam em minha barriga. No último dia eu tentei conseguir algo a troco de comida e abrigo apenas e mesmo assim não consegui nada.

Fui abandonada pelo homem que disse me amar. Meu pai me colocou para fora de casa e viver na mesma cidade em um convento ou abrigo seria muito humilhante. Não vou deixar que vejam a minha derrota, se for para ser derrotada e humilhada que seja em outro lugar. Nem mesmo um emprego eu consegui. Sou apenas uma grávida imprestável que só serve pra dar trabalho aos outros. Nice foi a única pessoa que me estendeu a mão, e ela estava parada em minha frente, aguardando uma resposta.

Pisco os meus olhos encarando sua face. Estava prestes a me jogar na frente de um caminhão quando ela parou com seu carro. Eu não tinha nada, até mesmo minha vida já estava decidida e encerrar. Ao lado dela poderei cuidar do meu filho, mesmo fazendo algo que jamais imaginei. E minha vergonha será em uma cidade distante. Não tenho outra alternativa, a única mão que se estendeu para mim está com as malas prontas para ir embora e eu posso nunca mais ter outra.

— Aceito sua oferta.

***

Doze anos depois

Estava em frente ao espelho terminando de me aprontar. Os cabelos formam cachos largos e caem em ondas sobre meus ombros. O lápis preto destaca meus olhos verdes e o batom vermelho deixa meus lábios ainda mais atrativos.

Meu filho está na cama jogando em seu celular.

— Kayo, venha cá. — Ele é tudo que tenho na vida, sou capaz de tudo por essa criança e quero garantir que ele jamais se sinta desprezado, abandonado, como eu fui.

Chamo e ele resmunga ao se erguer da cama com o jogo pausado.

— Eu vou perder o jogo, mamãe.

— É rápido. — Bato a mão na minha coxa e ele se senta. — Seu aniversário de onze anos está chegando, quer festa ou presente?

O sorriso do menino amplia. Ele está tão bonito quanto o pai, meu filho saiu a cópia fiel do homem que destruiu minha vida.

— Já tenho tanta coisa, quero uma festa na piscina com meus amigos da escola.

— Então vai ter sua festa na piscina.

— Oba! — O menino se alegra e isso é toda satisfação que tenho.

— Fica quietinho aqui que a mamãe vai trabalhar, tá bom.

— Tá. — Ele volta feliz para a cama onde retoma o seu jogo.

Tive tudo o que Nice me prometeu e a mulher é como uma mãe para mim e uma avó para Kayo, inclusive ele a chama assim.

Infelizmente, para viver aqui tive que me habituar a algo que jamais imaginei para minha vida.

Desço as escadas e vou para a área da mansão que é destinada aos encontros com os homens que visitam o ambiente. Me sento no bar, mais duas moças se sentam ao meu lado. Pelo tempo que estou aqui, sou uma das mais antigas. A maioria já se envolveu com algum cliente rico e não perdeu a oportunidade de ir embora.

— Hoje choveu o dia todo, pode contar que vai ficar vazio. — Uma das meninas comenta.

— Folga às vezes é bom — fala a outra em resposta.

— Eu quero comprar meu carro, como vou juntar dinheiro desse jeito.

— Logo você arruma um cliente que te dê um carro — responde a amiga.

— E você, Luma, nunca se interessou por algum cliente? — Olho  na face da pessoa inconveniente e respondo seca enquanto levo a bebida até a boca.

— Não.

A campainha toca no mesmo instante e Nice vai atender a porta toda pomposa.

Quando a porta se abre, meu coração para. Um homem moreno de cavanhaque atravessa a porta. Ele é lindo e tem olhos castanhos brilhantes, um sorriso arrebatador, não havia como esquecer aqueles traços. Ele estava mais velho, e como se fosse possível, ainda mais bonito. Gabriel.

— Meu Deus, amigas, aquilo nem é um homem é um deus - comenta a mais nova.

O homem olha para nós e Nice faz sinal para que ele se aproxime de nós e ele vem, mas para na metade do caminho e fala algo com a senhora. Será que ele me reconheceu assim como o reconheci?

Ele volta a se aproximar com um sorriso arrebatador. Nice o acompanha.

— Estas são Janaína, Camila e a Lu...

— Lu — corto Nice e ela me olha atravessado, depois conto a ela quem é o homem a seu lado. Estendo a mão e o canalha aperta meus dedos com um sorriso largo.

— Gabriel — apresenta-se apenas para confirmar aquilo que eu tinha certeza — Encantado por sua beleza, Lu. - Ele fala e leva minha mão à boca, deixando um beijo ali.

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