Luma
Meu coração dói, minha cabeça dói, tudo dói. Tremo de frio e chego a conclusão que morreremos, meu filho e eu. Sem ter onde recostar a cabeça, sem ter abrigo, acabarei doente e então morreremos. Talvez seja melhor assim.
Na verdade, começo a pensar se morrer não seria uma solução. Meu pai se sentiria culpado se descobrisse que me matei logo após ter me abandonado grávida? Gabriel sofreria pelo resto da vida sentindo o peso de sua decisão covarde?
Ponho-me de pé realmente considerando me enfiar na frente de um carro... carro não, um caminhão. Um caminhão, sim, poderia acabar com meus sofrimentos em poucos segundos.
— Ei, você está bem? — levanto os olhos com os cílios pesados da chuva e vejo um carro parado à minha frente.
Era um carro luxuoso e havia uma mulher no volante. Ela tinha o cabelo preto e curto, o batom vermelho destacava-se bastante em sua face.
Não respondo a sua pergunta, apenas a encaro. Ela estende o braço e abre a porta do lado do carona.
— Entra, sai dessa chuva, vai acabar ficando doente.
Estava prestes a acabar com a minha vida. Não tenho mesmo nada a perder, então eu entro naquele carro.
— Onde mora? — A mulher pergunta, mas não consigo responder. As lágrimas retornam com força — Tudo bem, vou te levar para o hotel onde estou hospedada e lá conversamos.
A mulher acelera o carro e eu nem faço questão de saber quem ela é, para onde está me levando, se tem intenção de me ajudar ou não... estou totalmente entregue.
Chegamos no hotel que ela havia mencionado. Era o mais luxuoso da cidade, o mesmo que empresários costumavam se hospedar quando vinham visitar a fazenda do pai do Gabriel. Só de lembrar dele, meu coração se enche de dor e ódio. Se meu filho e eu estamos passando por isso, é por culpa dele.
— Creio que não há nada seco nessa sua bolsa — comenta a mulher e eu ainda permaneço em silêncio — Você pode tomar um banho e colocar o roupão. Vou pedir para o hotel colocar suas roupas na secadora e pedir uma sopa quente.
— Obrigada — É tudo que consigo dizer.
— Não precisa agradecer.
Subimos de elevador com as pessoas olhando de maneira estranha para mim, mas não me importo com elas.
Ao chegar no quarto, tomo um banho e visto o roupão, depois chega a sopa quente que ela disse que pediria.
— Meu nome é Nice, qual o seu? — Observo melhor o rosto da mulher.
Na claridade do quarto dá para notar que ela não é uma mulher jovem, apesar de toda maquiagem e roupa chique e jovial.
— Luma.
— Poderia me contar o que aconteceu, Luma? Para te ajudar, preciso saber um pouco sobre você.
— Não tenho nada a contar, não tenha nada.
Ela me olha confusa, mas não abre a boca. Estou à espera do que vou dizer.
— Estou grávida e meu pai me colocou para fora de casa.
Tristeza e surpresa tomam a face da mulher.
— Ainda fazem isso? Sabe, quando eu era jovem era mais comum esse tipo de coisa, mas hoje em dia não sabia que ainda existem pessoas capazes disso.
Não respondo, apenas continuo a comer minha sopa quente.
— E o pai do bebê?
Olho para ela sem saber qual sentimento tinha mais força dentro de mim, se a dor ou o ódio.
— Ele fugiu.
Volto a comer a minha sopa.
— Então você não tem para onde ir nem ninguém a quem recorrer?
— Não.
Respondo simplesmente.
— Então, Luma, eu vou te fazer uma proposta e você tem até o final da semana para pensar. Volto para minha cidade em três dias e até lá pode ficar comigo aqui.
— Que proposta?
— Eu tenho um negócio... sou dona de uma… casa de prazeres, um prostíbulo de luxo. Você tem lindos olhos verdes, um rosto bonito e depois que seu filho nascer pode trabalhar para mim. Os clientes pagam muito bem, não terá que se deitar com homens imundos, somente homens de negócio frequentam a minha mansão. É bastante discreta e luxuosa. Poderá criar seu filho lá, não a forçarei que se afaste dele, como fazem em alguns lugares.
Me assusto inicialmente com sua oferta, se meu pai ouvisse algo assim ele se alteraria no mesmo instante. Mas de que me adiantou ser uma boa moça? No primeiro deslize fui colocada para fora de casa.
— E se eu não aceitar?
— Se não aceitar, não poderei fazer muito por você. Posso te levar a uma igreja, talvez eles tenham um abrigo onde possa viver. Mas não precisa responder agora, tenho negócios a tratar na sua cidade, então, enquanto estiver aqui, pode pensar.
Balanço a cabeça em concordância e levei tudo em consideração enquanto pensava.
Minhas roupas estavam secas, meus documentos foram recuperados e estava sendo bem alimentada por todos esses dias. Decidi tentar arrumar um trabalho, mas não consegui nada.
Primeiro fui a uma lanchonete que estava precisando de atendente, estava tudo certo até o cara reparar na minha barriga. Logo ele disse que em breve eu não conseguiria ficar de pé e mais um monte de coisa e então disse que não poderia me contratar. As experiências seguintes não foram diferentes.
Tentei casa de família, mas todos negavam quando reparavam em minha barriga. No último dia eu tentei conseguir algo a troco de comida e abrigo apenas e mesmo assim não consegui nada.
Fui abandonada pelo homem que disse me amar. Meu pai me colocou para fora de casa e viver na mesma cidade em um convento ou abrigo seria muito humilhante. Não vou deixar que vejam a minha derrota, se for para ser derrotada e humilhada que seja em outro lugar. Nem mesmo um emprego eu consegui. Sou apenas uma grávida imprestável que só serve pra dar trabalho aos outros. Nice foi a única pessoa que me estendeu a mão, e ela estava parada em minha frente, aguardando uma resposta.
Pisco os meus olhos encarando sua face. Estava prestes a me jogar na frente de um caminhão quando ela parou com seu carro. Eu não tinha nada, até mesmo minha vida já estava decidida e encerrar. Ao lado dela poderei cuidar do meu filho, mesmo fazendo algo que jamais imaginei. E minha vergonha será em uma cidade distante. Não tenho outra alternativa, a única mão que se estendeu para mim está com as malas prontas para ir embora e eu posso nunca mais ter outra.
— Aceito sua oferta.
***
Doze anos depois
Estava em frente ao espelho terminando de me aprontar. Os cabelos formam cachos largos e caem em ondas sobre meus ombros. O lápis preto destaca meus olhos verdes e o batom vermelho deixa meus lábios ainda mais atrativos.
Meu filho está na cama jogando em seu celular.
— Kayo, venha cá. — Ele é tudo que tenho na vida, sou capaz de tudo por essa criança e quero garantir que ele jamais se sinta desprezado, abandonado, como eu fui.
Chamo e ele resmunga ao se erguer da cama com o jogo pausado.
— Eu vou perder o jogo, mamãe.
— É rápido. — Bato a mão na minha coxa e ele se senta. — Seu aniversário de onze anos está chegando, quer festa ou presente?
O sorriso do menino amplia. Ele está tão bonito quanto o pai, meu filho saiu a cópia fiel do homem que destruiu minha vida.
— Já tenho tanta coisa, quero uma festa na piscina com meus amigos da escola.
— Então vai ter sua festa na piscina.
— Oba! — O menino se alegra e isso é toda satisfação que tenho.
— Fica quietinho aqui que a mamãe vai trabalhar, tá bom.
— Tá. — Ele volta feliz para a cama onde retoma o seu jogo.
Tive tudo o que Nice me prometeu e a mulher é como uma mãe para mim e uma avó para Kayo, inclusive ele a chama assim.
Infelizmente, para viver aqui tive que me habituar a algo que jamais imaginei para minha vida.
Desço as escadas e vou para a área da mansão que é destinada aos encontros com os homens que visitam o ambiente. Me sento no bar, mais duas moças se sentam ao meu lado. Pelo tempo que estou aqui, sou uma das mais antigas. A maioria já se envolveu com algum cliente rico e não perdeu a oportunidade de ir embora.
— Hoje choveu o dia todo, pode contar que vai ficar vazio. — Uma das meninas comenta.
— Folga às vezes é bom — fala a outra em resposta.
— Eu quero comprar meu carro, como vou juntar dinheiro desse jeito.
— Logo você arruma um cliente que te dê um carro — responde a amiga.
— E você, Luma, nunca se interessou por algum cliente? — Olho na face da pessoa inconveniente e respondo seca enquanto levo a bebida até a boca.
— Não.
A campainha toca no mesmo instante e Nice vai atender a porta toda pomposa.
Quando a porta se abre, meu coração para. Um homem moreno de cavanhaque atravessa a porta. Ele é lindo e tem olhos castanhos brilhantes, um sorriso arrebatador, não havia como esquecer aqueles traços. Ele estava mais velho, e como se fosse possível, ainda mais bonito. Gabriel.
— Meu Deus, amigas, aquilo nem é um homem é um deus - comenta a mais nova.
O homem olha para nós e Nice faz sinal para que ele se aproxime de nós e ele vem, mas para na metade do caminho e fala algo com a senhora. Será que ele me reconheceu assim como o reconheci?
Ele volta a se aproximar com um sorriso arrebatador. Nice o acompanha.
— Estas são Janaína, Camila e a Lu...
— Lu — corto Nice e ela me olha atravessado, depois conto a ela quem é o homem a seu lado. Estendo a mão e o canalha aperta meus dedos com um sorriso largo.
— Gabriel — apresenta-se apenas para confirmar aquilo que eu tinha certeza — Encantado por sua beleza, Lu. - Ele fala e leva minha mão à boca, deixando um beijo ali.
Gabriel— Onde estava em um dia chuvoso, como hoje, até a essa hora? — meu pai cobra.Ele havia entrado na minha sala e me esperado ali. Me sento na cadeira confortável, cruzo os braços sobre o peito e respiro fundo. Meu dia melhorou centenas de níveis depois da visita a casa de dona Nice, não permitirei que meu pai e suas cobranças intermináveis acabe com meu dia.— Relaxando.— Não ache que tem poder absoluto só porque é o tal do CEO da empresa, só ocupa esse cargo porque eu entendo mais de boi e vaca que de administração, mas posso muito bem colocar outro em seu lugar.— Então vai em frente, pai. Coloque outro aqui no meu lugar, depois não reclame — Me levanto e vou pegar um copo de uísque na estante de bebidas em minha sala — Sabe que essa época do ano é difícil para mim.— Ainda não superou a vadiazinha? — Engulo a bebida amarga em um gole só.— Jamais. Mas hoje eu conheci uma mulher que... — Retornei para a minha cadeira e me sentei novamente — O senhor sabe, há muito tempo nenh
Luma“— Passei aqui apenas com a intenção de me distrair um pouco e ir embora. Provavelmente jamais voltaria. Mas conhecer você, me deu motivos pra voltar”A fala do desgraçado do Gabriel antes de passar pela porta do quarto ronda minha mente e não consigo esquecer. Taco um travesseiro na porta no instante em que ela é aberta e quem leva a travesseirada é a Camila e não a peste do Gabriel.— Ei, o que aconteceu? — fala ela assustada. — Nice mandou subir para ver como você está. Tem mais de três horas que ele foi embora e você não desceu. Ele fez alguma coisa a você?Bufei, precisava muito falar com alguém. Nunca falei muito sobre ele, aquele canalha que destruiu minha vida.— O que ele fez não pode ser reparado, Camila.— Como não? Se ele agrediu ou a humilhou, deve ser punido.Balancei a cabeça em negação.— Ele me humilhou, me agrediu, mas não foi agora.Os olhos dela ficaram confusos.— Como assim? Você já o conhecia?— Infelizmente sim, Camila. Ele é o pai do Kayo.— O quê? — Espa
LumaKayo e Gabriel riem o tempo todo, conversando como se se conhecessem há anos. Acabo sorrindo involuntariamente, afinal, o meu desejo sempre foi ver os dois assim: brincando, sorrindo, conversando, sendo amigos. Mas em seguida me lembro que para ele meu filho é só um estranho, é uma criança qualquer e isso me entristece imediatamente.— Me dá licença, por favor — peço e me levanto sem olhar para o rosto deles.Me direciono para o toilet do restaurante italiano que trouxe meu filho e consequentemente Gabriel.Chegando no ambiente privado, não seguro as lágrimas e elas rolam sem controle.Debruço-me sobre a pia e deixo toda a dor sair em forma de choro. Depois ergo a cabeça e lavo o rosto, tento jogar bastante água fria a fim de tirar todo o inchaço. Seco com o papel toalha e retoco a maquiagem. Não posso aparecer na frente deles com essa cara de choro.Peso mais no rímeo para tentar esconder a tristeza.— Lu? Você está bem? - Escuto a voz do Gabriel me chamar na porta do banheiro.
GabrielPasso a mão por cima de todos os papéis que estavam sobre a minha mesa e jogo todos no chão. O peso de papel que estava sobre eles vai junto fazendo um baita barulho e isso chama a atenção da minha secretária que invade a minha sala.— O que está acontecendo, Gabriel? — Rosa observa as folhas espalhadas pelo chão, a minha face de derrotado e os cabelos arrepiados. Quase arrebento os botões da camisa que usava na ânsia de me livrar daquele calor que me aplacava.— Nada, Rosa, pode voltar pra sua mesa.— Como nada? Olha pra você, Gabriel... está ... derrotado!— Não estou derrotado, estou mais vivo do que estive há anos.— Não parece, não com essa... aparência. Nem quando aquela lá te...— Nem complete essa frase, Rosa, para o seu bem — rosno e ela contorce a face.— Ainda a ama, não é? Você é um idiota!— Quer ser demitida? Saia da minha sala já! — Aponto para a porta e minha secretária deixa o cômodo sem mais questionamentos. Respiro aliviado.Rosa sempre foi amiga da família,
Luma— Eu acho que ele está gostando de você — comenta Camila, sentada ao meu lado à mesa do café da manhã.Meus dedos passam pelas pétalas da rosa vermelha que ele me deu. Coloquei-a no vaso com água sobre a larga mesa, entre as outras flores. Não a levaria para o meu quarto, onde o meu filho a veria e com certeza me questionaria sobre ela.— Não, Camila, ele ama a Luma.Ela balança a cabeça e sorri.— Mas a Luma é você, sua boba.— Mas ele não sabe. Eu só sou uma mulher da vida que lembra muito a mulher que ele amou.Repentinamente perco a fome e sinto vontade de me levantar da mesa.— Me dê licença.— Nunca foi de se abalar por homem nenhum, Luma, vai deixar isso acontecer agora? — Janaína fala. Penso em suas palavras, ela tem razão.— Não, eu não vou. Mas preciso ir ver algumas coisas sobre a festa do Kayo.Subo as escadas em direção ao meu quarto. Meu filho a esta hora está na escola. Tenho ido buscá-lo e de lá vamos resolver as coisas de sua festinha de aniversário, mas hoje est
Gabriel“— Sua pele é muito gostosa... — beijo a pele de Lu — macia... — mais um beijo, subindo por seu ombro — cheirosa...Levanto os cabelos loiros e levemente ondulados dela e deixo um beijo leve em seu pescoço, cheiro o seu perfume e ela geme.— Gabriel... — ela geme meu nome e eu fico louco. Giro seu corpo e prendo-a no colchão. Beijo sua boca com fome e saudade antecipada.— Tem certeza que não quer ir comigo? Conhecerá a fazenda da minha família, é muito bonito lá. Tem as comidas maravilhosas de Dona Ana e um belo riacho para tomar banho e nos refrescar, namorar... hum? O que acha?— N... Não... Gabriel — Sinto que ela sente dificuldade em negar, um lado dela quer ir, mas outro mais forte a impede. Tentarei convencê-la.— Por que nega se eu sei que você quer tanto ir? — pergunto enquanto passeio por seu corpo com minha língua.— Eu não posso... — geme, manhosa.— Por que não pode? — Ela abre os olhos como se uma nuvem em seus olhos começasse a se formar, a mesma que eu vi antes
Luma— Ficou louco, Gabriel?— Louco eu já estou, Lu, desde o dia que te conheci. Maluco vou ficar se partir e te deixar aqui.Caminho pelo quarto, enrolando o cabelo em um coque. Gabiel apareceu cedo como tem feito desde o dia que nos conhecemos, mas sua atitude está me deixando muito confusa.— Já falei que não posso viajar, e também não posso ficar no seu apartamento. Isso é loucura!Ele continua com as chaves erguidas na minha direção. Eu não pego.— Fique aqui e quando chegar a hora vá para o meu apartamento, como se estivéssemos juntos. Pago por cada dia que for para lá, se esse for o problema.— O problema não é pagamento, é que não faz sentido eu ficar no seu apartamento. Não somos nada um do outro... e se algo quebrar? Ou se sumir... vai ficar tudo nas minhas costas.Ele se aproxima de mim, pega minha mão e a segura em concha depositando a chave ali.— Essa é a chave reserva. Pode ficar com ela e não só quando estiver viajando. Ela é sua para usar o dia que quiser.Me afasto
GabrielMal cheguei na fazenda e já tinha um monte de coisas pra resolver: o veterinário chegando pra dar vacina nos animais; a vistoria sanitária das vacas leiteiras e toda papelada acumulada de meses sem vir aqui. Mas na madrugada fui despertado por um motivo nobre: a minha égua estava parindo.Ela não era um animal jovem, mas tinha muita saúde.— A Genoveva, patrão — Um peão abre a porta do meu quarto em um rompante me despertando.— O quê?— Ela tá parindo! — fala com urgência e eu pulo da cama, vestindo uma calça. Imagino que algo esteja dando errado com seu parto devido a idade elevada da égua.— Como ela está? O que está acontecendo? — falo aflito, andando com velocidade pelo corredor.— Calma, chefe, ela parece estar bem. Só vim te chamar porque sei que tem chamego com a égua. E a bolsa acabou de estourar, o potrinho deve chegar logo, logo.Acelero o passo ansioso para ver minha égua que ganhei anos antes de sumir desta fazenda. Sempre que venho aqui, tiro umas horas para pass